“Neste ano, o Atlas da Violência aponta que em
2015 foram 59 mil assassinatos. Ou seja, os números permanecem crescendo e as
vítimas continuam as mesmas: jovens entre 15 e 29 anos, negros e moradores das
periferias”. Leia mais na coluna de Joselicio Junior, o Juninho
Por Joselicio Junior*
Em dezembro de
2014 eu fiz um texto chamado a “A morte que não comove”, onde eu comparava as
mobilizações que ocorriam nos Estados Unidos por conta da morte do jovem negro
Michael Brown, 18 anos, na pequena cidade de Ferguson, com cerca de 21 mil
habitantes, no Estado de Missouri, e que mobilizou outras 170 cidades de 37
estados e com uma grande repercussão internacional, enquanto no Brasil o mapa
da violência apontava para nós como o país que mais mata no mundo, em números
absolutos, tendo 56 mil pessoas assassinadas no ano de 2012, e isso não era
capaz de mobilizar e comover a sociedade brasileira.
Em dezembro de 2014 eu fiz um texto
chamado a “A morte que não comove”, onde eu comparava as mobilizações que
ocorriam nos Estados Unidos por conta da morte do jovem negro Michael Brown, 18
anos, na pequena cidade de Ferguson, com cerca de 21 mil habitantes, no Estado
de Missouri, e que mobilizou outras 170 cidades de 37 estados e com uma grande
repercussão internacional, enquanto no Brasil o mapa da violência apontava para
nós como o país que mais mata no mundo, em números absolutos, tendo 56 mil
pessoas assassinadas no ano de 2012, e isso não era capaz de mobilizar e
comover a sociedade brasileira.
Neste
ano, o Atlas da Violência aponta que em 2015 foram 59 mil assassinatos. Ou
seja, os números permanecem crescendo e as vítimas continuam as mesmas: jovens
entre 15 e 29 anos, negros e moradores das periferias. Na semana que esses
dados foram apresentados, a principal pauta na grande mídia foi o que ocorria
no julgamento da chapa Dilma/Temer no TSE, que teve um desfecho revelador do
quanto a Justiça brasileira está muito longe de ser isenta, imparcial e o
quanto ela se adapta aos interesses de quem está no poder.
Mas voltando ao que realmente
deveria ser a grande notícia em nosso país, que vivemos uma guerra civil não
declarada, que tem um recorte de classe e étnico, imbricado, muito bem
definido. Que tem como maior responsável direto ou indireto o Estado. A responsabilidade
direta podemos associar às ações dos órgãos repressores que agem de forma
violenta nos territórios periféricos para manter o controle e combater o
inimigo, tendo como principal pano de fundo o combate ao tráfico de drogas
ilícitas, ou mais conhecido como a guerra às drogas. Outra forma em que as
polícias atuam de forma contundente e violenta é na defesa do patrimônio
privado .
Outra
forma de responsabilidade do Estado pelo aumento da violência que podemos
chamar de indireta, pois não é necessariamente um agente do estado que puxa o
gatilho, são as profundas desigualdades sociais que concentram a riqueza nas
mãos de muito poucos em detrimento da maioria. Esse modelo tem raízes
históricas no escravismo e se arrastam até hoje. O aumento do desemprego, a
ausência de oportunidades, a precarização da saúde, da educação, geram um
aumento da miséria e consequentemente são fatores estruturais que contribuem
com o aumento da violência.
Esse debate não é uma novidade no
Brasil. Em 1978, um dos estopim das mobilizações que laçaram o Movimento Negro
Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR), nas escadarias do Teatro
Municipal, foi a morte de Robson Silveira da Luz em uma delegacia em
Guaianazes, zona leste de São Paulo. Na década de 90, período de aprofundamento
do neoliberalismo, aumento do desemprego, aumentos dos chamados cinturões de
miséria, produziram um aumento da violência nos territórios periféricos,
praticados pela polícia e muito bem relatado pelo movimento Hip Hop e sua
música Rap.
Recentemente,
durante uma entrevista de lançamento da Exposição sobre os 30 anos de carreira
dos Racionais Mc’s, eles foram indagados pelo Jornalista André Caramante se o
disco “Sobrevivendo no Inferno”, de 1997, foi a primeira vez que o grupo
dialogou com outras classes sociais além das periferias, e o Mano Brown foi
certeiro ao dizer que “o Brasil tem épocas de cegueira, se alto aliena, de
tempos em tempos fica cego, surto e mudo, nessa fase [anos 90], tava cego surdo
e mudo, tinha coisa muito óbvia que ninguém via, mais a periferia via, vivia,
mais também não via, tava dentro do jogo mais não sabia que envolvia elas”.
Dando
sequencia, Brown resgata Malcon X e fala o quanto a sua autobiografia foi uma
inspiração para as composições dos Racionais. “Esse livro mudou a minha vida e
nossos raps vieram baseado naquela analogia dele, aquela forma de ver a vida, o
porque das coisas”, disse, e disparou novamente retratando a cegueira da
sociedade diante das desigualdades e do racismo. “Então, a cegueira, eles não
veem porque estavam cegos, tava na cara deles, eles não encontravam com o
moleques no farol? Eles já não tinha visto assalto? Não tinha visto favelas se
multiplicando na cidade? Eles não acompanham noticiário? Ele não vê o cara
trabalhando na casa dele, trabalhando para ele, tirando a sujeira para ele, ele
não vê? Tá cego? Como você ignora uma pessoa que está na sala da sua casa cheia
de problemas, triste, de cabeça baixa, você não percebe? E se fosse com eles?
Então, o cara não é um móvel, é um ser humano , um monte de gente triste por
aí, você não tá vendo? Uma pá de gente triste, uma pá de bar lotado, criança em
baixo de ponte, rebelião, gente morrendo pra caralho. Você está aonde,
parceiro? Na França? Ai quando os Racionais vem falando o óbvio, a sociedade
diz: ‘Nossa os caras é foda’. Foda o que!?”.
Indo
mais a fundo na questão, Mano Brown escancara: “Eu sou semianalfabeto parceiro,
eu falei o óbvio, puta país racista do caralho, só patifaria, falamos o óbvio,
porque eles não veem? ‘Os caras [Racionais] é gênio’. Gênio o que, malandro?!
Eu saí do primeiro colegial porque eu não aprendia, simplesmente porque foi me
cansando , me injuriando, peguei raiva, dos alunos, do professor, da escola, eu
não aprendia, porque eu não comia bem, nunca fui porra nenhuma, nem profissão
nós temos”.
A
crônica social escrita pelo rap foi um grito de uma juventude que estava sendo
massacrada, e como muito bem disse Brown, apenas se falou o óbvio diante da
cegueira, da auto alienação da classe média, e a elite que tentava jogar para
debaixo do tapete aquilo que estava na cara. Pensando na atualidade podemos
resgatar mais um vez os Racionais que afirmam de forma contundente na letra
“Racistas Otários”: Nossos motivos pra lutar ainda são os mesmos/ O preconceito
e o desprezo ainda são iguais/Nós somos negros também temos nossos ideais”.
Continuamos
nessa jornada. O corpo negro ainda é visto como descartável, como matável,
encarcerável, açoitável, violentável. A cegueira também é um elemento muito
conveniente para a manutenção dos privilégios e desigualdades no Brasil. Romper
essa naturalização é o grande desafio e isso só será possível construindo um
projeto de nação que rompa o cordão umbilical com o escravismo. A Casa Grande
ainda é um símbolo vivo em nossa sociedade. Enquanto o privilégio for visto
como natural não conseguiremos vencer a cegueira persistente e conveniente
apontada pelo Mano Brown. Por isso, o movimento negro é o movimento social mais
pedagógico desse país, pois ele mantém acessa a memória escravista, mas também
trás a memória da resistência e não abre mão de cobrar a dívida histórica com o
povo negro, como também não abrirá mão de construir um projeto libertário de
nação.
Como
diria o poeta José Carlos Limeira, “Por menos que conte a história/ Não te
esqueço meu povo/ Se Palmares Não vive mais/ Faremos Palmares de novo”.
*Joselicio
Junior, mais conhecido como Juninho, é Jornalista, Presidente Estadual do PSOL
– SP e militante do Círculo Palmarino, entidade do movimento negro.
Fonte: REVISTA FÓRUM
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