A moderna historiografia brasileira nasce com a obra e a
trajetória do cearense João Capistrano Honório de Abreu e seu livro Capítulos
de História Colonial (1500-1800), publicado em 1907. Capistrano e sua atividade
de historiador impõem-se até hoje como referência obrigatória para quem se
aventura, por interesse ou paixão, no universo da história do Brasil.
Capistrano
teve precursores; comerciantes, viajantes ou amadores que deixaram crônicas e
registros dignos de nota. Alguns escreveram livros de verdade, mas nenhum foi
historiador de ofício, profissional, e acima de tudo com o talento de
Capistrano de Abreu.
O primeiro
desses aventureiros foi Pero de Magalhães Gândavo, português, que publicou sua
História da Província de Santa Cruz em 1576, em Lisboa. Outro português,
Gabriel Soares de Sousa, editou em seguida, também em Lisboa, o Tratado
Descritivo do Brasil (1587), revelando ao mundo o inventário conhecido da terra
recém descoberta e exaltando suas potencialidades.
O primeiro
cronista nascido na terra a dedicá-la um esboço biográfico foi o baiano Frei
Vicente do Salvador com a publicação, em 1627, do seu História do Brasil. O
Frei foi secundado por outro baiano, Sebastião da Rocha Pita, em 1730, com
História da América Portuguesa.
Em 1819
aparece o primeiro brasilianista, o inglês Roberto Southey, autor de uma
História do Brasil que escreveu a partir de pesquisas e informações recolhidas
em Lisboa, onde vivera com o pai comerciante. Episódio importante de nossa
historiografia constitui a publicação da História do Brasil de Francisco Adolfo
de Varnhagen, visconde de Porto Seguro, com sua visão enaltecedora da
colonização portuguesa e da monarquia.
Quando
Capistrano de Abreu surge é para fazer o primeiro esboço de uma história da
formação social brasileira. O Capítulos de História Colonial é aberto com a
descrição da presença e da influência indígenas na construção do Brasil,
tentativa de aproximação do Brasil profundo e sertanejo, da civilização
cosmopolita do litoral.
O louvável
esforço de Capistrano padeceu das limitações da época, tanto das ideias quanto
das fontes nas quais se baseou para suas pesquisas. Não escapou da visão
pessimista que presidia o mundo intelectual sobre a civilização mestiça que se
constituía no Brasil, depois tão combatida por Gilberto Freyre. Triste ironia
constatar o retorno, hoje, das ideias racialistas agora importadas dos Estados
Unidos por ONGs e movimentos sociais ditos progressistas.
Jaime
Cortesão também aponta vício de fonte na apreciação que Capistrano faz da
presença dos bandeirantes na formação do Brasil. De acordo com o historiador
português autor de uma monumental biografia de Raposo Tavares, Capistrano toma
de forma unilateral os relatos do jesuíta espanhol Antônio Ruiz de Montoya
sobre os paulistas. Montoya era aberto e conhecido desafeto e inimigo dos
bandeirantes, por espanhol e por jesuíta, e não perdoava aos aventureiros
paulistas a perda de domínios da coroa espanhola e da Companhia de Jesus no
Guairá (Paraná), Itatim (Mato Grosso do Sul) e Tape (Rio Grande do Sul), em
jornadas comandadas por Raposo e seus seguidores. A verdade é que Capistrano
incorpora a demonização dos bandeirantes produzida por Montoya, segundo
Cortesão, parcial, duvidosa e viciada no interesse do religioso espanhol contra
o adversário português.
Celebrar
Capistrano de Abreu é homenagear seu esforço em defender e proteger a memória e
a história do Brasil. Devemos compreender seus limites como parte das condições
da época, mas exaltá-lo como homem de estudo, formador de gerações de
historiadores brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário