quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Jornalismo cultural regional: procura-se!

Foto: Divulgação/FundArt
Por Franthiesco Ballerini 
Muitos anos atrás, o jornalista Sérgio Rizzo e eu fomos convidados para uma palestra sobre jornalismo especializado na UVV (Universidade Vila Velha), no Espírito Santo. Rizzo iniciou sua exposição dando uma “bronca” simbólica nos capixabas, dizendo que, naquela manhã, havia passado numa banca de jornais e percebido que os cadernos culturais de lá noticiavam majoritariamente produtos e eventos culturais do eixo Rio-São Paulo, não priorizando as produções e eventos do estado.
Junto a essa história, adiciono um pensamento do talentosíssimo crítico e professor Paulo Emílio Sales Gomes, dita em tempos de Cinema Novo, mas que ainda é bastante válido nos dias de hoje. Gomes dizia que o pior filme nacional é mais importante para nós do que o maior filme internacional de todos os tempos. Jornalistas culturais, como o falecido Daniel Piza, chegaram a criticar duramente a frase de Paulo Emílio, considerando-a bairrista e simplória. Mas o que Gomes quis dizer, à época, é que o jornalismo cultural só terá leitores mais exigentes com os produtos brasileiros de arte e entretenimento se ela mesma cobrir amplamente estes produtos — no âmbito nacional e regional.
Aqui reside o valor máximo do jornalismo cultural regional. Jornais, revistas, sites e blogs precisam privilegiar a produção cultural local, para que esta seja uma fonte de reflexão e crítica, mas também, que sirva de incentivo para o incremento do ciclo de produção regional. Isso vale para absolutamente todas as áreas cobertas por este jornalismo especializado, a ver:
Teatro: uma das áreas que mais necessita da cobertura da imprensa regional, pois se ela não cobre — na forma de matéria, entrevista ou crítica — um espetáculo em cartaz na sua cidade, este espetáculo nunca terá existido, no sentido de formação de um circuito teatral regional. Mas a cobertura não deve ser apenas de peças com astros globais que aterrissam por lá, mas também grupos de teatro — experimentais e universitários — que fomentam esta arte na região.
Artes Visuais: Quantos pintores, escultores e outros artistas estão escondidos em todas as pequenas e médias cidades do país sem que nenhum veículo de imprensa coloque suas obras sob o holofote jornalístico? Falar do artista local é exercitar o pensamento crítico do jornalista, e também mostrar a importância da produção cultural regional para quem vive exatamente nesta região. E talvez seja o maior facilitador para catapultar o artista para o âmbito nacional e internacional.
Música: Talvez seja a área mais privilegiada pelo jornalismo cultural regional, justamente pelo fato de que apresentações em bares, casas noturnas e festas já possuam uma divulgação natural, para fins de divulgação e propaganda do evento. Ainda que a indústria fonográfica seja a mais cambaleante de todas as áreas culturais na atualidade, a música ainda consegue brotar com mais facilidade, no âmbito regional, e galgar espaços maiores graças a isso.
Cinema: o curta-metragem que um estudante da UVV fez e ganhou um festival nacional ou internacional é mais importante para o Espírito Santo do que a estreia de Velozes e Furiosos 8 no fim de semana, no sentido de mostrar uma produção cinematográfica local que seja criativa, rica e de grande potencial. O mesmo vale para produtoras e festivais, existentes em muitas pequenas e grandes cidades brasileiras, mas que muitas vezes ganham espaços pífios da imprensa e, depois, poucos espectadores.
Literatura: quantos romancistas, cronistas e poetas estão anônimos em várias cidades do Brasil, pois blogs, jornais e revistas locais têm receio — ou falta de equipe — para analisar, criticar e divulgar estes escritores? O jornalismo cultural literário no Brasil já sofre com a “síndrome do vira-lata” — divulgar ostensivamente a literatura midiática internacional em detrimento dos autores nacionais — quem dirá os escritores regionais sem os holofotes da imprensa.
Não é preciso muito esforço para mostrar que o jornalismo cultural das pequenas e médias cidades – ou seja, cidades que não sejam capitais – privilegia o que está fora delas. Um giro aleatório mostra isso facilmente, o que eu fiz na tarde de 30 de agosto. No site do jornal O Pioneiro, de Caxias do Sul (RJ), não havia nenhuma matéria cultural na home, apenas uma notícia de uma palestra de Ronaldo Fraga (que não é gaúcho) que ocorreria na cidade em breve. No Jornal de Caruaru (PE), diversas opções de editorias e segmentos no portal do veículo na internet. Mas cultura mesmo, só uma seção de Famosos com notícias sobre o Patati Patatá, Danilo Gentilli e Patrícia Abravanel.
Passeando pelo Centro-Oeste, em Anápolis (GO), não há sequer uma notícia cultural no portal, dentre as mais de 30 chamadas jornalísticas, nem mesmo uma seção de entretenimento existe no veículo. Pulando para O Jornal da Ilha (Parintins-AM), uma chamada central sobre a Unidos do Viradouro (de Niterói-RJ), outra matéria sobre os sambas-enredos do carnaval do Rio 2018, e (finalmente), uma matéria cultural local: um festival de miniaturas promovido pela prefeitura. Ao final, fotos do famoso Festival de Parintins e da Festa do Carmo. Encerrando o giro, sigo para o Tribuna de Minas, com notícias sobre a região de Juiz de Fora. Nele, um alívio: em meio a matérias sobre Fifh Harmony e Paris Jackson, um confortante cardápio de notícias culturais locais, sobre um curta-metragem local selecionado para festiva internacional, o desenhista juiz-forano Iriê Salomão e o Festival Aos Berros, de cinema e música.
Ainda que o belíssimo exemplo de jornalismo cultural regional da Tribuna de Minas seja uma exceção, ele serve como exemplo do quanto a cidade tem a ganhar — não só culturalmente, mas também com economia e turismo — ao fomentar um circuito local de divulgação, crítica e reflexões culturais. Ainda que muito do que se vê de jornalismo cultural regional seja notícias oficiais (prefeituras, assessorias de imprensa), já são de maior valor do que papaguear sobre a celebridade de Hollywood ou a peça da Claudia Raia em São Paulo. Não se está dizendo que uma coisa anula a outra, apenas diferenciando o valor de cada uma para os leitores locais.
É claro que, no âmbito regional, falar das carências — escolas, hospitais — e dos excessos — violência e corrupção — é mais importante jornalisticamente do que cultura. Mas subestimá-la é manter a roda girando a favor de quem já está ganhando: o eixo Rio-São Paulo e, num âmbito maior, o eixo EUA-Europa. A frase de Paulo Emílio nunca foi tão atual quanto hoje.
Fonte: http://observatoriodaimprensa.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário