Por João Bacellar
Um grande slogan vale por uma bomba atômica.
Uma grande epígrafe move montanhas. Um grande epíteto faz o papel de uma coroa
imperial. Um pensador pode deixar legado à humanidade 10 mil tomos de 20 mil
páginas da mais genial elucubração; passados 100 anos, tirando talvez meia
dúzia de apóstolos, a humanidade apenas lembrará de suas frases de efeito,
jargões e bordões. A história se repete como farsa, e, no entanto, ela se move.
A beleza de um bom slogan está em seu
caráter democrático. Longos discursos, esforços retóricos de fôlego e textos
densos podem dissecar uma determinada questão ao átomo da molécula da célula da
medula. Podem levar o público à compreensão profunda do assunto tratado, mas…
Que público será esse? Será o pequeno público especializado em tal questão
específica ou o ainda menor público de polímatas aptos a digerir qualquer osso
teórico. Independente de clareza ou da beleza do estilo empregado é inerente à
complexidade ser pouco compreendida. Já um bom slogan é entendido – e, melhor,
gravado na mente – do mais erudito dos escolásticos ao mais inepto dos
energúmenos. Um bom slogan “cola”. É democrático.
O slogan eficiente, do ponto de vista da
comunicação, também tem a vantagem de não ter como obrigação exprimir uma
premissa correta ou verdadeira. Se, por exemplo, um artigo científico tem
por mérito demonstrar a verdade ou relevância de uma teoria qualquer, o slogan
só precisa colar a mensagem que deseja passar ao público, mesmo sendo uma
fraude histórica ou um engodo total como o famoso “Independência ou morte”
ouvido pelas margens plácidas do Ypiranga.
Alguém tem ilusões que o tíbio Pedro de
Alcântara F.A.J.C.X.dP.M.R.J.J.G.P.C. Serafim, Vulgo D.Pedro I, possuía
quaisquer reais pretensões independentistas, na acepção concreta do termo,
quando os espertos cronistas palacianos cunharam o “independência ou morte”?
Passamos de um império fajuto a uma colônia britânica (senão oficial
seguramente de facto) na esteira do famoso grito. Pedro, fugido do
Brasil numa fragata inglesa, e morto aos 35 anos pouco mais de uma década após
proclamar o histórico slogan, graças à retumbante frase, entrou para a história
no senso comum como um herói. Um bom slogan “transforma” um fraco num gigante,
um canalha num justo e uma raposa velha do baixo clero da câmara dos deputados
num messias.
Não é coincidência que a bandeira do Brasil seja uma das únicas do Mundo que contém um slogan.
charge: Bacellar
Nós aqui do esmagado e triturado dito “campo
progressista” (epíteto que não engaja, nem une e nem sequer anima. Mas é o que
temos pra hoje) costumávamos entender bem o poder de síntese e comunicação do slogan.
Para criar um slogan poderoso os autores precisam, acima de tudo, captar com
perfeição o período histórico que vivem e conhecer em profundidade o
público alvo. “A esperança vai vencer o medo”, da vitoriosa campanha de
Lula em 2002 era perfeito naquele momento, após uma década de dilapidação
neoliberal e arrocho, o brasileiro precisava de esperança, mas após décadas de
macartismo incessante tinha medo de barbas longas e bandeiras vermelhas. Então
dissemos afirmativamente: A esperança VAI vencer o medo. Apelamos para o
sentimento mais positivo em detrimento ao negativo, a situação era tão
desalentadora que o medo refluía, e, não por acaso, deu certo.
É evidente que não basta um slogan para
levar uma eleição presidencial, não se pode negar todo o processo histórico e
material de cada período. Por exemplo, o “pai” da “esperança vai vencer o medo”
o famoso “sem medo de ser feliz” não levou em 89, mas era melhor do que o
epíteto “caçador de marajás” e se foi derrotado o fracasso se deveu a uma
articulação barra pesada, milionária e desonesta do velho patrimonialismo
nacional, dos eternos donos do Brasil. Um slogan sozinho não vence eleição e
não cria o caldo social necessário para fomentar uma guinada ideológica na
população. Mas slogans e chaves discursivas simples e compreensíveis são sim
uma parte fundamental e básica na guerra narrativa política. Em tempos de
guerra híbrida então deveriam ser o foco número um de qualquer comunicação.
Outro exemplo de slogan poderoso do nosso
campo foi o “Diretas já”. Simples, conciso, imperativo. Queremos votar.
Queremos democracia. Queremos imediatamente. Para um Brasil silenciado por 24
anos de ditadura era o slogan perfeito: Universalizante, vertical, horizontal,
transversal. Ou você queria passar a votar ou queria a continuação daquilo que
não dava certo. Num momento de fraqueza e desgaste do regime foi mortal.
Agora percebam a importância de compreender
ou captar o “mood” do público e a essência do momento histórico. Por que não
bastou requentar o “Diretas Já” contra o golpismo em 2016 para galvanizar o
Brasil? Simples, tivemos diretas em 2014 e teríamos eleições diretas municipais
em 2016 mesmo… Ao senso comum, que é simples, porém não obtuso, soava como
pedir algo que já existia. A população ansiava por estabilidade após os
conturbados anos que seguiram 2013, e o golpe de 2016 pela via institucional do
impeachment, oferecia, ao menos discursivamente, estabilidade. Aquilo que
funcionou num período específico não tende a funcionar num período divers
Agora vamos olhar para o atual discurso do
campo progressista. Da oposição ao ultra-neoliberalismo capitaneado pela
extrema-direita. Uma total polifonia. Textos (como esse!) longos e complexos
demais para 98% do Brasil. Discordâncias. Linhas políticas contrárias,
autocentradas e que gastam 50% de sua energia no combate ao… Próprio campo
progressista! Alguém pode crer que para o cidadão médio não sejamos nós os
culpados pelo caos social? Nossa atitude caótica e errática apenas corrobora
essa visão.
Será que o arguto e atento Antonio Gramsci passou os últimos anos de sua
vida pensando e escrevendo preso num cubículo minúsculo e úmido para fornecer
armas teóricas poderosas para a direita e ser, aparentemente, esquecido por nós
da esquerda – a quem tais reflexões originariamente se destinavam? Por que,
vamos admitir, o general Heleno parece compreender muito bem o pensamento
gramsciano, já alguns setores da esquerda… O campo progressista perde tempo
estapeando-se por likes e wiews nas plataformas do FAANG como se fosse operado pelos mais
perfeitos, rematados e caricatos cãezinhos de Pavlov. “Muito bem,
desenvolvimentista, bateu no trotskista, tome um like! Bom garoto”… “Feio,
stalinista! Criticou o identitário! Vai perder 30 followers!”
Se por um lado é óbvio que para a esquerda atual é impossível criar um programa político-econômico aplicável ao Brasil, que abarque ou agrade todas as linhas e correntes do campo progressista, mais óbvio ainda é que podemos fácil e coerentemente nos unir no objetivo em comum de afastar a extrema direita do leme do país e garantir a continuidade das liberdades democráticas. Alguns dirão que no Brasil nunca houve liberdades democráticas plenas (uma obviedade), a esses cabe perguntar: entre a não plenitude e o extermínio total… Há o que pensar?
charge:Bacellar
Enquanto debatemos e gastamos os dedos com
textos como esse, destinados a, com sorte, alguns milhares de ativistas a
extrema direita marreta seus slogans poderosos na cabeça de milhões de
brasileiros minuto a minuto.
E como são esses milhões? O Brasil é um país
continental com mais de 200 milhões de habitantes. Um porto-alegrense, por
exemplo, está mais próximo, geográfica e culturalmente, de Montevidéu do que de
Monte Sião, assim como um sul mato-grossense de Ponta Porã entra e sai do
Paraguai a pé, mas precisa pegar 300km de estrada para chegar na capital do
estado, Campo Grande. O Brasil é gigante e diverso. Slogans e chaves
discursivas para pegar do Oiapoque ao Chuí precisam ser baseados em análises
profundas do povo brasileiro. Não me venham com o que Lenin derramava nos
ouvidos do povo soviético em mil novecentos e lá vão 100 anos… Lenin está morto
e embalsamado, precisamos tocar o povo brasileiro de 2020.
Essa tarefa, de mapeamento demográfico complexo, é tarefa para nossas melhores cabeças. Eu que não tenho pedigree nem titulação, sou apenas um João qualquer (Mas talvez esteja na hora de nossos sábios e eruditos darem 10 minutos de ouvido a um João qualquer), só posso tentar traçar um esboço grosseiro. Vamos lá.
Possuímos uma série de capitais ou grandes
cidades cosmopolitas em que as populações tendem a ter mais semelhanças
culturais e de costumes entre si do que em áreas rurais e de cidades de pequeno
e médio porte regionalmente mais próximas a elas. Já considerando os diferentes
recortes socioeconômicos é possível perceber mais paralelos no modo de vida e
cultura de, por exemplo, paulistanos, brasilienses e recifenses do que entre
paulistanos e brodosquianos ou votuporanguenses. Pode-se dizer que uma parte do
discurso das esquerdas precisa ser voltado para essas populações urbanas dos
grandes centros, que embora distantes geograficamente compõe um recorte lógico
do ponto de vista da comunicação.
Nesse recorte disputamos com a direita
relativamente bem. Se não ganhamos também não perdemos, uma metrópole
momentaneamente mais favorável compensa uma momentaneamente desfavorável.
Grosso modo é um campo em disputa. Nossa narrativa, centrada no identitarismo,
na valorização da democracia e do estado de direito, na defesa dos regimes
socialistas históricos e contemporâneos, no enaltecimento das sociais
democracias avançadas e na defesa da revolução socialista/comunista (se
algumas chaves são contraditórias é porque estou juntando o campo progressista
de esquerda em sua totalidade, abarcando os diferentes seguimentos) é permeável
a setores relevantes dessas populações.
Mas vamos avaliar agora regionalmente para
além das metrópoles, onde há certa homogeneização, causada pela cultura de
massas internacional, e pelo modo de vida urbano replicado em todo o
mundo. Separando (repito; de forma bastante grosseira) o país por macro regiões
com maior integração histórica e cultural a ponto de poderem-se perceber
determinadas especificidades regionais suficientemente coesas entre si para
recortarmos (e explorar discursivamente) essas populações umas das outras: A
franja litorânea do norte nordeste, a grande bacia do amazonas, o sertão do
nordeste e norte de Minas, a grande área de cultura caipira, pantaneira e
sertaneja do centro-oeste, sudeste e norte do Paraná, a franja litorânea
caiçara do sudeste até partes do sul e, finalmente, o interior da região
sul de influencia europeia e castelhana.
Temos nesse enorme conjunto, num único país,
diferenças socioculturais maiores do que entre populações étnicas semelhantes
que ocupam países diferentes, como os bascos da França e Espanha, por exemplo…
Por essa diversidade as chaves discursivas e
slogans de nossa narrativa precisam ser pensados de forma não apenas a angariar
simpatias de determinadas populações como também de não causar repulsa a
outras.
Das regiões citadas anteriormente, com
exceção das regiões que graças a um desenvolvimento muito acelerado e
excepcional no ciclo do governo de coalizão petista de 03-16 em relação ao seu
desenvolvimento histórico (sendo, portanto difícil analisar por fatores
socioculturais, tendo o ganho econômico sido “avassalador”, o posicionamento
político) do litoral e sertão nordestino e mineiro e parte da bacia do
amazonas, todas as outras regiões e – muito notadamente – a enorme, poderosa
economicamente e demograficamente pesada região de cultura caipira-sertaneja-pantaneira
do centro-oeste/sudeste são Irredutivelmente refratárias aos discursos e
narrativas da esquerda.
Os geniais estrategistas da extrema-direita
que possuem em Jair Bolsonaro seu fantoche no Brasil analisaram com maestria a
realidade e os – usando o termo da moda – afetos de tais populações.
Bolsonaro carrega forçosamente no sotaque,
toca berrante, usa chapelão de caubói, bota e cinto, anda a cavalo e pilota
trator para dialogar com essa grande população de cultura caipira a qual a
esquerda simplesmente parece que não consegue enxergar a existência. Ganha
apoio de massas e de elites regionais. Damares parece uma professora aposentada
de Pindamonhangaba porém, gostemos ou não do visual dela, numa parte enorme do
Brasil (e não cabe aqui o surrado termo “Brasil profundo”, não estamos falando
de lugares esquecidos ou sem relevância política) desperta simpatia. Érika
Malunguinho, sua antítese, horror. Sabemos que essa é uma impressão avessa e
torcida da realidade em relação a essas duas mulheres políticas, mas é a
impressão que existe em grande parte do Brasil.
A esquerda investe discursivamente no MST e
na agricultura familiar (sim, maravilhosos, sim importantíssimos), mas aos
olhos da grande massa dessas referidas regiões o MST representa (de novo) a baderna
e a agricultura familiar o atraso. Se não conseguirmos ampliar ou ajustar nosso
discurso para seduzir essa gigantesca fatia do Brasil… Será impossível deter a
extrema-direita nos próximos anos (quiçá décadas), Bolsonaro nada sozinho e de
braçada no Brasil caipira… E o que a lógica militarista da extrema-direita faz
agora? Depois de dominar os territórios deles partem para o ataque do
território inimigo. Tome Bolsonaro de piloto de Jegue, chapéu de couro e
comendo acarajé. A estratégia é primária, mas boostada por milhões e milhões de
reais, funciona.
Charge: Bacellar
Essas táticas discursivas e semióticas são a
grande aposta da extrema direita para seguir operando os desejos do grande
capital transnacional no Brasil. O risco é enorme. Paulo Guedes é a quintessência do
cientista econômico maluco. Sabemos que o Chile, onde Guedes foi funcionário do
ditador Pinochet, foi um grande laboratório para o neoliberalismo dos anos 90.
Guedes agora faz experiências no Brasil… O que acontece num país sem direitos
sociais, totalmente desregulamentado, escancarado ao capital estrangeiro
especulativo e com suas forças políticas de oposição caladas na ponta da
baioneta? Veremos. Se o laboratório explodir Guedes toma um avião pra NY e
viverá por lá, muito bem obrigado, com todas as mordomias de um funcionário que
prestou lucrativos serviços. Mas e o Brasil como fica?
O campo progressista não pode se dar ao luxo
de não possuir um discurso unitário e claro para a população. Não podemos
continuar caindo nas cascas de banana da extrema-direita. Vestindo as caricatas
carapuças que nos atiram. A alt-right internacional, que direta ou
indiretamente desenha todas as estratégias da extrema-direita brasileira tem
análise de big data, pensadores de extrema inteligência e pouquíssimo ou nenhum
limite ético e capital ilimitado a sua disposição. É um adversário de respeito.
Não podemos seguir no autoengano de que estamos enfrentando um idiota que deu
sorte e sua prole de patetas.
Vejam a perfeição do slogan de bolsonaro:
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Curto, direto e que dialoga com
brasileiros de todas as regiões, nas metrópoles, centros urbanos ou áreas
rurais. Dialóga com todos os estratos sociais e que toca em 2 chaves de
entendimento básicas e sagradas para a esmagadora maioria da população
brasileira: A crença em Deus e o nacionalismo. Gaucho, sertanejo, caipira,
caiçara, ribeirinho, suburbano: pense em qualquer recorte, esse slogan dialoga.
Melhor que isso em termos de percepção de
target e momentum só mesmo o slogan de Donald Trump em 2016: “Make America
great again”. 4 palavras. 4 conceitos chave ideiais para a posição de Trump e
para o eleitorado pós crise do subprime. “make”, um chamado direto à ação num
país de voto facultativo em que levar o eleitor à urna é um dos pontos mais
importantes da campanha, um convite ao eleitor para que faça parte de algo.
“America”; um chamado ao nacionalismo. “Great”; a promessa de futuro, a
recompensa da ação. “Again”; o chamado ao passado idílico (típico do fascismo),
a alfinetada à administração vigente, a esperança de retorno de tempos melhores
para a America arrasada pela crise econômica. Uma perfeição.
Trump e Bolsonaro uma vez no poder seguem o
mesmo modus operandi de fugir do debate minimamente profundo e repetir chaves
discursivas simples e populares incessantemente, mesmo quando se tratam de
mentiras ou bobagens óbvias. Em condições normais de pressão e temperatura já
teriam sido enquadradas em sua farsa por seus contrapesos políticos,
notadamente grande imprensa e instituições jurídicas. Porem em tempos de redes
sociais (abertas e fechadas) tirando o monopólio informativo do cartel da
grande imprensa (Redes estas operadas com interesses obscuros com
objetivos nebulosos). E tempos onde o sistema jurídico, seja por compra direta, seja
por doutrinação ideológica, seja por chantagem (ah, os dossiês, valem um texto
a parte), seja por intimidação mafiosa, parece impedido de desempenhar o seu
papel.
O ultra-neoliberalismo econômico casado ao
totalitarismo político segue galopando. A extrema-direita e os financistas não
estão de brincadeira. E nós, “campo progressista”, estamos? Delenda Washington.
Campos progressistas do Mundo: Uni-vos!
Democracia ou morte!
Este texto não
reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres
Nenhum comentário:
Postar um comentário