O bicentenário da independência do
Brasil será comemorado nessa quarta-feira (7), mas a independência
econômica e política do país ocorreu, de fato, há apenas duas décadas, explica
a professora de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida de Aquino.
Para ela, a independência de verdade
do país se deu há duas décadas, quando o Brasil conseguiu se libertar também da
dependência econômica dos Estados Unidos.
“Nossa dependência dos EUA acabou
muito recentemente, nas duas últimas décadas, quando nos libertamos do julgo
político e econômico, ao dissermos não em muitos aspectos da relação entre os
dois países. Hoje o Brasil é de fato uma Nação independente”, afirma a
professora.
Neste 7 de setembro, uma das datas
comemorativas mais importantes do Brasil, porque foi nesse dia que, em 1822,
Dom Pedro deu início a nossa trajetória como nação independente, muitos
historiadores têm revisado a afirmação sobre os 200 anos de independência
dizendo que a data não só é incorreta, como também não libertou o país do julgo
da monarquia portuguesa e da dependência financeira que o Brasil tinha da
Inglaterra. O que para eles significa que o país de fato continuou dependente
desses países política e economicamente.
Independência controversa
A historiadora Maria Aparecida de
Aquino explica que a primeira coisa a se considerar é que o Brasil foi o último
país da América Latina a proclamar a sua independência no século 19 enquanto
nos demais a independência foi proclamada no século 18. Além disso, a monarquia
portuguesa se manteve no poder.
“O próprio Dom Pedro I se tornou Dom
Pedro IV em Portugal, após abdicar ao trono brasileiro. Ele foi o rei do país
que o Brasil teria se libertado”, afirma.
Essa mesma visão de que a
independência do Brasil só ocorreria realmente mais tarde tem o sociólogo e
estudioso da história do país, Júlio Turra. Assessor da Executiva Nacional da
CUT, ele conta que o 7 de setembro só foi considerado a data da nossa
independência a partir do quadro de Pedro Américo pintado 50 anos depois. A
independência era comemorada em 12 de outubro e passou a ser 7 de setembro para
coincidir com a data de aniversário de Dom Pedro I, afirmam historiadores.
DOMÍNIO PÚBLICO
“Nem a data, nem a imagem de Dom
Pedro num azalão, de espada em punho estão de acordo com a verdade. O imperador
estaria montado num burrico”, conta Júlio Turra.
Avanços sociais demoraram
Para a historiadora alguns fatos
corroboram com a ideia de um país atrasado nas questões sociais. O Brasil foi o
último a abolir a escravidão, mesmo após a independência ter sido proclamada.
“Foram três séculos e meio de
escravidão no Brasil. Somente após 60 anos da independência os escravos foram
libertados”, conta Aquino.
O assessor da CUT Nacional, Júlio
Turra, ressalta ainda que os demais países da América Latina para declararem a
sua independência formaram exércitos, e para que ajudassem na luta, libertaram
negros e indígenas.
“Argentina, Venezuela, Chile, Peru e
Equador tiveram que organizar exércitos populares para combater os espanhóis e
adotaram a bandeira republicana. O Brasil foi o único país a declarar sua
independência e manter o imperador. Dom Pedro se aliou aos proprietários de
terras e escravocratas para manter o poder. Por isso fomos o último país a
abolir a escravidão, mas sem dar direitos a essa população”, diz Turra.
Segundo ele, Pedro I entrou em
conluio com o latifundiário, proprietários de escravos, e na medida que ficou
claro que as cortes e a sociedade em Portugal queriam reconquistar o lugar
proeminente daquele país em relação ao Brasil, resolveram separar os dois
países.
A independência do Brasil foi um ato
conservador que manteve a escravidão, os interesses da oligarquia dos
proprietários de terras e a dominação dos ingleses. Por isso, o 7 de setembro
pode dificilmente ser comemorado como uma data de liberdade- Júlio Turra
Por esses motivos, tanto Aquino
quanto Turra questionam as comemorações do 7 de setembro, e ressaltam como o
Brasil chega a ter agora ameaçada a sua democracia.
“Somos uma sociedade conservadora,
que ensinou o menino que mulher pode apanhar, que ensinou o policial a dar um
‘mata leão’ em quem considera ‘suspeito’. Precisamos é de educação, que seja
ensinada que o interesse coletivo deve ficar acima dos particulares”, afirma a
professora da USP.
A possibilidade de um retorno do
autoritarismo, a partir de um processo legítimo de eleições diretas, com um
presidente eleito pelos brasileiros que nunca escondeu quem era, que deveriam
matar 30 mil, começando pelo FHC, mostra o quanto a sociedade brasileira é
conservadora, e só a educação pode mudar isto- Maria Aparecida de Aquino
Educação transforma
A educação, aliás, foi uma das áreas
mais atrasadas no país. Enquanto a América Latina teve a sua primeira
universidade criada em São Domingos, em 1538, vieram depois as de San
Marcos, no Peru (1551), México (1553), Bogotá (1662), Cuzco (1692), Havana
(1728) e Santiago (1738). O Brasil só teve a primeira em 1808, na Bahia. Ou
seja, 270 anos, após a primeira no continente latino.
A educação como arma transformadora
de um país também foi defendida por cientistas participantes de debate da série
“Contagem Regressiva para o Bicentenário: Rumos à Independência”, promovido na
noite da segunda-feira (5) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC). Para eles, a independência do Brasil está atrelada à elevação
da ciência ao status de política de estado, com percentuais orçamentários
definidos na Constituição.
“No Brasil a ciência não chegou ao
lugar de política de estado. Por isso, o financiamento tem de ser definido na
Constituição, para não ficar dependendo da vontade de cada governo. Os cortes
no atual governo, negacionista e obscurantista, na ciência e educação, não
estão nos debates eleitorais. Mas pelo menos falar mal da ciência tira votos, o
que já é um avanço”, disse o neurocirurgião Paulo Niemeyer Soares Filho, da
Academia Nacional de Medicina (ANM), em reportagem da RBA.
Para o médico, “só vamos conseguir
nossa independência quando a ciência estiver em primeiro lugar”. E a ciência
como prioridade, para ele, não pode prescindir de uma educação igualmente
valorizada, para andar junto com a ciência. “Não tem como formar cientistas se
não tiver educação de qualidade para todos”, disse.
Por fim, concluem que também é
necessário instituir políticas e práticas institucionais que promovam o acesso
ao conhecimento científico e a informações confiáveis como direitos de
cidadania e elementos fundamentais para a democracia.
Fonte: CUT NACIONAL
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