Na primeira semana de campanha, 97 mulheres
na disputa receberam quase 4,5 mil ataques e/ou insultos pelo Twitter.
Alusões a loucura, histeria ou doenças mentais são a principal forma encontrada
pelos usuários do Twitter para se dirigir às candidatas a cargos do Executivo e
do Legislativo brasileiros nessa eleição. Na primeira semana de campanha, o
MonitorA 2022 registrou 518 aparições de termos como louca, doida, maluca,
desequilibrada, histérica e descontrolada relacionados às candidatas nas redes
sociais. Também entram na conta postagens que sugerem que elas “se tratem”, “se
mediquem” ou “se internem em uma instituição psiquiátrica”, entre outras
referências semelhantes.
A
associação preconceituosa a doenças e distúrbios mentais predominou nos tweets
avaliados pelo projeto, que é uma parceria entre AzMina, InternetLab e Núcleo
Jornalismo e, nesta edição, acompanha perfis de 175 candidatas a cargos
eletivos. Para essa matéria, foram analisados manualmente mais de 10 mil tweets
coletados entre 17 e 22 de agosto, contendo 4.468 ataques e/ou insultos
dirigidos a 97 candidatas.
Os
resultados da primeira semana de avaliações mostram que a histórica atribuição
de estereótipos de loucura e histeria a mulheres que levantam a voz segue sendo
uma das principais ferramentas de tentativas de controle sexista. Adjetivos
como “maluca” e “descontrolada” e questionamentos como “você esqueceu de tomar
seu remedinho hoje?” aparecem para candidatas dos mais diferentes espectros
políticos.
Dá
pra notar que crítica política não aparece nas postagens. Só a desqualificação
das mulheres, como destaca a psicóloga Giovana Durat, que pesquisou recentemente
os impactos das questões de gênero na formação das subjetividades das mulheres.
“A pessoa é tão “indigna” de estar ali que não se chega a pensar que o que deve
ser questionado é a atuação política e não sanidade”.
São
vários os efeitos deste tipo de comentário, segundo ela. “Corroborar esse tipo
de narrativa é extremamente danoso por vários motivos. Primeiro, porque
perpetua a ideia de que mulheres que se posicionam são desequilibradas, estão
“doidas”. Segundo, porque contribui para o entendimento de que ‘desvios de
caráter’ são patologias ou doenças mentais e que transtornos levam a formas de
agressão ao outro”, detalha.
Além
de reforçar estereótipos sexistas, também contribui com a manutenção da
medicalização social. “Há um estigma muito grande sobre loucura, sobre
adoecimento psíquico, sobre transtornos, e esse recurso [usá-los para atacar
candidatas] demonstra desconhecimento e reflete muito o lugar que a loucura
ocupou por muito tempo na sociedade”.
Além
da menção a doenças mentais, termos como idiota, imbecil, analfabeta,
despreparada, incompetente e fracassada também são empregados com a finalidade
de desqualificar as candidatas. Associados a eles, recursos de silenciamento
como “cala a boca” e “fica calada” sugerem a elas que não se manifestem.
“Posições que fogem ou questionam a norma social são severamente punidas e isso
é violência de gênero: uma punição a um desvio de um papel estabelecido
socialmente. Por trás desses xingamentos e insultos há uma questão de poder”,
reforça a psicóloga.
Um
em cada três tweets traz ofensas às candidatas.
O
monitoramento de violência política de gênero analisou 10.346 postagens
potencialmente ofensivas (confira ao final da matéria a metodologia de
classificação). Ao todo, 30,76% das publicações, ou seja, 3.182, tratam as
candidatas com algum nível de hostilidade. Em quase 900 delas, foram
identificadas pelo menos duas ofensas.
O
discurso misógino é o principal tipo de ofensa, incluindo narrativas que
diminuem as candidatas ao questionar sua capacidade intelectual, insultar seus
corpos e questionar sua moral. Há ainda a presença de termos racistas, com
preconceito étnico ou regional.
A
desumanização, que associa as candidatas a animais – porca, jumenta, cobra –
também é um recurso comum entre os haters. Neste levantamento, o termo mais
usado foi “Peppa Pig”, que aparece em 372 posts. A referência ao desenho
animado é usada em investidas contra a candidata à reeleição como deputada
federal Joice Hasselmann (PSDB-SP), parlamentar mais citada em ataques nesta
primeira semana de campanha.
“Quando
você decide se referir a uma candidata usando substantivos utilizados para
nomear animais, você nega o lugar de humano para aquele sujeito específico.
Essa é uma antiga tática para alimentar a ideia de que algumas pessoas não merecem
nem ao menos serem assim consideradas. No caso das candidatas, vemos um
movimento similar. Você nega que elas ocupem o espaço da política, reduzindo-as
a um sujeito não-humano”, explica Fernanda Martins, antropóloga, diretora
do InternetLab e uma das responsáveis pela pesquisa.
Posts
que inferiorizam ou promovem descrédito intelectual das candidatas monitoradas
são quase 17% dos ataques. “As ofensas morais e a inferiorização das
candidatas, por sua vez, cumprem o papel de reforçar o suposto despreparo para
que elas ocupem a política institucional. “Lixo” e “porcaria” são exemplos
dessa tentativa de inferiorização”, complementa Martins.
Mais
do que agressivos, os detratores são criativos. Além dos tweets com ataques
misóginos e desumanizadores, também há outras modalidades de ofensas voltadas
diretamente ao corpo ou à aparência: são tweets gordofóbicos e etaristas, que
usam termos como “velha”, “múmia” e “gorda” ou recomendam que a candidata “vá
fazer uma bariátrica”.
Embora
a plataforma tenha políticas para impedir o assédio sexual, a reportagem
encontrou 37 casos assim. Joice Hasselmann, Maria do Rosário (PT-RS), Gleisi
Hoffmann (PT-PR) e Mayra Pinheiro (PL-CE) são as que concentram mais menções
deste tipo.
Em
alguns casos, as ofensas de cunho sexual também reproduzem antigos ataques a
vítimas de violência, como acontece com a deputada Maria do Rosário.
Hostilidade
às mulheres é proposital
Embora
nem todos os tweets considerados ofensivos possam ser taxados de violentos,
1.683 publicações contêm algum tipo de insulto, contribuindo para criar um
ambiente hostil às mulheres da política.
A gerente
de projetos de Jornalismo de Dados d’Azmina, Ana Carolina Araújo, explica que
diferenciar ofensas e insultos é um ponto metodológico importante para
preservar a liberdade de expressão. “Não queremos o fim das discussões nas
plataformas, mas é notável a maior animosidade guiada pelo gênero”.
“Todos
os tipos de violência são um entrave à participação da mulher, uma forma muito
eficiente de excluir mulheres do jogo político. Este é inclusive um ponto onde
as atuais parlamentares concordam: é necessário um ambiente mais saudável para
que as mulheres possam atuar politicamente”, comenta a doutora em Ciência
Política Cristiane Brum Bernardes.
O próprio
Observatório Nacional da Mulher na Política, criado pelas parlamentares neste
ano, é uma iniciativa para combater a violência política de gênero.
Nas
redes sociais, o alto volume de publicações incluindo palavras como patética,
hipócrita e corrupta, por exemplo, ou textos que acusam as candidatas de
defender bandidos e defender estupradores, tornam o campo mais desconfortável.
Não parece coincidência que, mesmo quando estão na política, mulheres sejam
atacadas através de sua relação com os homens.
Também
são recorrentes expressões como “tome vergonha”, “crie vergonha”, “você não tem
vergonha?” e “tenho vergonha de ter votado em você”. Para Cristiane Brum
Bernardes, esses ataques não reconhecem como legítima a presença das mulheres
na disputa pelos espaços de poder. “Um homem vai ser atacado por ser de
determinado partido, por fazer algo ou não, concordar ou não com minha posição.
Mas, no caso das mulheres, é um ataque contra a presença delas na política, que
diz ‘você não deveria estar aqui fazendo isso’. Isso nunca é dito para um
homem”.
Essas
formas de se dirigir às candidatas mostra que a necessária divisão entre sua
atuação pública e sua vida privada não é respeitada. Pelo contrário, é usada
como arma para diminuir e desencorajar. “São adjetivos como ‘mal comida’, ‘mal
amada’, sempre remetendo ao corpo, à sexualidade, às questões particulares das
mulheres, é um conteúdo muito diferente do que os homens recebem”, detalha
Brum.
A
professora reforça ainda que, no caso dos comentários relacionados à aparência,
mesmo quando são elogiosos, podem jogar contra a candidata. “O que está sendo
comunicado com este tipo de comentário é que elas não têm conteúdo, que são
apenas corpos bonitos para decorar o ambiente. O que legitima essa opinião
pública sobre o corpo da mulher?”.
Quem é a
vítima?
Uma
olhada rápida para o ranking de candidatas mais atacadas na primeira semana de
campanha mostra ofensas distribuídas por todos os espectros políticos e
voltadas a pessoas de diferentes grupos étnicos.
Joice
Hasselmann (PSDB-SP) – de novo – recebeu quase metade das ofensas
mapeadas (2070). Ela é alvo preferencial dos apoiadores do presidente e
candidato Jair Bolsonaro (PL). Além dos termos gordofóbicos, desumanizadores e
misóginos, também a perseguem por ter rompido com o antigo aliado. “Peppa pig”,
“porca”, “traíra/traidora”, “ridícula” e “tome vergonha” ou “você é uma
vergonha” são os termos mais encontrados, além de mais de 50 referências à
violência física sofrida pela deputada em 2021.
Outra
opositora do bolsonarismo, Gleisi Hoffmann (PT-PR), que concorre ao Senado, é a
segunda mais ofendida (822 xingamentos). No caso da petista, a maioria das
agressões a relaciona à corrupção e apoio ao ex-presidente e atual candidato
Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP). As principais ofensas são “amante”, “tome
vergonha” e “mentirosa“. Aparecem ainda “ridícula”, “ladra”, “corrupta” e
acusações de “defensora de criminosos”. Alguns tweets reúnem tantas agressões,
que fica explícita a finalidade exclusiva de atacar e dificultar a presença da
candidata na rede.
A
senadora Janaína Paschoal (PRTB-SP) ocupa o terceiro lugar na lista, e é a mais
atacada com ofensas carregadas de psicofobia e capacitismo. Termos como
“mimimi”, “louca”, “doida” e “descontrolada” são mais usados contra ela e
contra a deputada federal Maria do Rosário (PT), chamada adicionalmente de
“feia” e “velha”.
As
três candidatas à presidência também são vítimas, embora Vera Lúcia (PSTU-PE)
tenha menos menções. As senadoras Simone Tebet (MDB-MT) e Soraya Thronicke
(União Brasil-MT) são alvos preferenciais dos bolsonaristas. No caso da
emedebista, não faltam referências à atuação da parlamentar na CPI da Covid. Já
Thronicke é acusada de se aproveitar do candidato para ganhar projeção, pois se
elegeu pelo PSL, então partido do ex-presidente, com o slogan “a senadora do
Bolsonaro”.
Entre
as candidatas a uma cadeira na Câmara Federal, as mais atacadas são Mayra
Pinheiro (PL-CE), conhecida por sua atuação na pandemia de Covid-19 defendendo
o uso da hidroxicloroquina; a ativista pelos direitos dos povos indígenas e já
deputada Sônia Guajajara (PSOL-SP), a deputada preta Benedita da Silva (PT-RJ)
e a candidata transgênero Duda Salabert (PDT-MG).
A
violência política de gênero nas redes é um aspecto central nestas eleições,
onde se espera que tanto aplicativos de conversação quanto sites de
relacionamento sejam centrais para os debates políticos. Ao mesmo tempo, será a
primeira que ocorre já sob a vigência da Lei de Combate à Violência Política
contra a Mulher (Lei 14.192/2021), que oferece novas ferramentas para coibir as
agressões e estimular a participação de mulheres na política institucional. O
resultado dessa combinação, conheceremos em breve.
O
MonitorA é um observatório de violência política online contra candidatas(os) a
cargos eletivos. O projeto é uma parceria entre a AzMina, o InternetLab e o
Núcleo Jornalismo. A iniciativa é financiada por Luminate e Reset. A
metodologia pode ser consultada aqui e aqui.
Fonte: CUT NACIONAL
Nenhum comentário:
Postar um comentário