Há 32 anos, em 14 de julho de 1988,
nas escadarias da Biblioteca Pública dos Barris em Salvador - Bahia, nascia a
União de Negras e Negros Pela Igualdade (Unegro). Jovens, homens e mulheres de
todas as idades, de vários bairros da cidade resolveram materializar o que já
estava em debate há alguns anos: fundar uma entidade do movimento negro
brasileiro que aliasse o enfrentamento ao racismo à luta pela superação da
sociedade capitalista. Mais tarde, pelo protagonismo das mulheres unegrinas, a
perspectiva do enfrentamento às desigualdades de gênero veio se somar aos
princípios políticos e organizativos da entidade.
Por Ângela Guimarães*
De lá pra cá muitas foram as
batalhas, lutas e embates, tempos de resistência, vitórias, derrotas, tempos de
aquilombamentos. Nascemos vocacionadas/os ao enfrentamento às narrativas
oficialescas que naturalizam as desigualdades raciais por meio do mito da
democracia racial, afrontamos as comemorações oficias da Abolição da
escravidão, denunciamos o racismo e, junto com outras organizações, batalhamos
pra vê-lo criminalizado e a Lei Caó aprovada.
Ajudamos a constituir inúmeras
frentes políticas com o conjunto dos movimentos sociais e, mesmo entre o
movimento negro, para fortalecer a luta antirracista e por justiça social no
Brasil, por meio da Conen, Fórum Nacional de Mulheres Negras, Conneb, Fórum
Nacional de Lutas, Coordenação de Movimentos Sociais e – atualmente – na
Convergência Negra, Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, Coalizão Negra por
Direitos e Levante das Mulheres.
Em 1989, a Unegro denuncia as
diretrizes para um extermínio programado da população negra tendo por base o
documento da Escola Superior de Guerra visando as eleições presidenciais de
1989 “Estrutura para o poder nacional para o ano 2001 – 1990/2000, a década vital
para um Brasil moderno e democrático”.
E nesta toada, seguimos durante os
anos 1990 denunciando a política neoliberal do Estado mínimo e seu projeto de
extermínio programado da população negra, que se materializou pelas políticas
de segurança pública nacional e dos estados, focadas na eliminação de vidas
negras, no apoio à atuação de esquadrões da morte e grupos de extermínio, que
realizaram centenas de chacinas em todo o país e nas tentativas de
esterilização em massa das mulheres negras. Em 1995, junto a centenas de
entidades do movimento negro brasileiro, levamos milhares às ruas de Brasília
na histórica e grandiosa Marcha do Tricentenário da Imortalidade de Zumbi dos
Palmares, levando esta denúncia e outras bandeiras urgentes à garantia à vida e
à dignidade da população negra brasileira. A batalha em defesa da vida da
população negra segue como prioridade da nossa atuação.
Nos anos 2000, combinando o binômio
de unidade e luta, participamos das lutas pela eleição de presidentes
vinculados ao campo democrático e progressista e com firmes compromissos com
uma política de promoção da igualdade racial e emancipação social da população
negra.
Nos governos Lula e Dilma demos
passos consideráveis no enfrentamento às mazelas que subalternizaram durante
séculos a população negra e, por meio da pressão social das Marchas da
Consciência Negra, ocupações de terras, resistência indígena e quilombola,
protagonismo das mulheres negras, ascensão das lutas da juventude negra e
também da nossa participação nas conferências de participação social,
conseguimos aprovar as Leis 10.639/03 e 11.645/08 da obrigatoriedade do ensino
da história africana, afro-brasileira e indígena na educação básica, o Decreto
4887/03 de regularização das terras indígenas e quilombolas, as Cotas raciais
na educação superior, o Estatuto da Igualdade Racial, a política de segurança
alimentar e nutricional, de geração de empregos formais e valorização do
salário mínimo, os direitos das Trabalhadoras Domésticas, as Cotas nos
concursos públicos dentre outras importantes conquistas. Foi também o período
político de maior expansão da nossa organização, que se nacionalizou e hoje
está presente em 22 estados brasileiros e no Distrito Federal.
Como sabemos, a disputa por um
projeto de uma nação soberana, democrática, inclusiva, solidária e sem racismo
nunca acontece em mares calmos. De 2014 pra cá se acirrou a luta de classes e
os descontentamentos de uma elite racista e antinacional, que arquitetou um
golpe parlamentar jurídico e midiático, bancado pelo capital financeiro
nacional e internacional, sequestrou o poder das mãos de uma presidenta
legitimamente eleita, empossou Michel Temer, o seu vice golpista, que trabalhou
de todas as formas para desmontar as conquistas tão arduamente conquistadas
pelo nosso povo e abriu espaços para a eleição de um presidente racista,
misógino, elitista, anti nacional e inimigo do povo brasileiro. Chegamos à era
das trevas, a Era Bolsonaro.
Na atual quadra política, a população
negra tem sido a maior afetada pela perda de direitos sociais e trabalhistas,
pelos ataques à democracia, pela implementação de um Estado ultraliberal onde
só a banca financeira lucra enquanto a classe trabalhadora e o povo sucumbem ao
desemprego, abandono, ausência de políticas sociais, à desesperança, tudo isso
agravado pela pior pandemia – o Coronavírus – em mais de um século, que pelo
descaso, irresponsabilidade e convicção genocida do despresidente Bolsonaro já
contaminou milhões e matou quase 100 mil pessoas.
Nestes tempos tenebrosos, a Unegro
tem atuado de forma solidária nas campanhas de arrecadação de alimentos,
máscaras e materiais de limpeza para doação a famílias em situação de
vulnerabilidade e, de forma tenaz e incansável, na denúncia do projeto racista,
genocida e neofascista liderado por Bolsonaro que mata as pessoas de fome, pela
ausência do pagamento do auxílio emergencial, que abandona o povo à própria
sorte pela falta de financiamento do SUS, ataca o isolamento social e induz
aglomerações, além de mobilizar sua turba contra quem defende as orientações da
Organização Mundial de Saúde.
Ressaltamos que também é
responsabilidade do governo Bolsonaro, junto a governos estaduais, a
intensificação da violência racista da polícia que já ceifou a vida de dezenas
de João Pedro, Ágata Félix, João Vitor e tantos outros e outras crianças,
jovens, adultos e até idosos negros e negras, ao lado da outra pandemia, a da
violência doméstica, que tem atingido, sobretudo, as mulheres negras.
Afinadas/os aos enunciados dos nossos
dois últimos congressos nacionais – a saber “Negras e negros nos espaços de
poder e em defesa da vida” – estamos organizando o conjunto da nossa militância
para a disputa eleitoral de 2020 visando a afirmação da democracia como
fundamental à conquista de direitos e pela eleição de negras e negros aos
espaços de poder, visando romper com o círculo vicioso da colonialidade do
poder com a eleição de prefeitas/os e vereadoras/es insurgentes, vinculadas às
lutas populares e projetos emancipadores nas cidades.
Tempos mais difíceis nos convocam a fazer mais luta, por isso seguimos fortes e combativas na luta antirracismo, por justiça social e pelo descortinar de um novo tempo de igualdade e felicidade para nosso povo. Rebele-se contra o Racismo! Filie-se à Unegro! #Unegro32Anos
*Socióloga, gestora
pública, professora da Rede Pública Estadual de Educação da Bahia, presidenta
nacional da Unegro e integrante da direção nacional do PCdoB..
Fonte: pcdob.org.br
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