Em 1950, Ernest Hemingway era considerado pela crítica um escritor “acabado”. Morando em Cuba há dez anos, não publicava nada desde seu último romance de sucesso, Por quem os sinos dobram (1940). Uma década mais tarde, seu retorno literário com Na outra margem, entre as árvores (1950) foi mal recebida pelo público e pela crítica.
Por Paulo Henrique Pompermaier
As constatações de que se tratava de um romance muito emocional, estático e sem a precisão estilística característica de Hemingway magoaram o autor, que então se dedicou a escrever sua “obra-prima”. No ano seguinte, junto com os originais de O velho e o mar (1952), ele enviou um bilhete ao seu editor, em que dizia: “Eu sei que isso é o melhor que posso escrever na minha vida toda”.
Hemingway não estava enganado. Publicado há 65 anos, no dia 1º de setembro de 1952, O velho e o mar garantiu o Pulitzer ao autor em 1953 e, no ano seguinte, o Prêmio Nobel de Literatura. “É um consenso crítico que O velho e o mar pode ter sido o ‘canto do cisne’ de Hemingway, sua obra-prima depois de um longo período sem boas recepções”, afirma Daniel Puglia, professor do Departamento de Língua Inglesa da USP.
Último romance do autor publicado em vida, a narrativa é centrada na história de Santiago, um velho pescador cubano. Após 84 dias sem conseguir uma presa, mas instado por um jovem companheiro a continuar tentando, o velho pesca um descomunal peixe Marlim de quase 700 quilos. Depois de horas de luta, Santiago consegue atracar a pesca em seu barco e parte para a costa cubana. Ao chegar em terra, constata que o peixe fora devorado no trajeto, sobrando apenas sua carcaça.
Apesar da brevidade narrativa, a história do velho Santiago tem sido interpretada como uma metáfora do processo artístico do autor e, em última instância, da própria condição humana. “A obra é vista como uma alegoria da dificuldade de alcançar o almejado, o sonho do que seria uma grande obra, reconhecida pelos outros”, afirma Puglia. “Ao mesmo tempo, é uma realização cheia de dor, cheia de pavor, de percalços, do medo de chegar na praia e só encontrar o esqueleto da obra”.
No plano existencial, O velho e o mar seria uma metáfora de uma vida de riscos, de investimentos que, no final, resultam em solidão ao lado de uma carcaça sem valor. Para o tradutor e doutor em linguística pela USP, Caetano Galindo, trata-se de um texto no qual “cabe de fato um mar, um sem fim de possibilidades e sentimentos em torno de uma história simples, direta”. O próprio Hemingway, no entanto, negava essas interpretações alegóricas. “O mar é o mar. O velho é um velho. Todo simbolismo do qual as pessoas falam é besteira”, escreveu em uma carta ao crítico Bernard Berenson.
Independentemente de simbolismo, as relações autobiográficas contidas no livro são latentes: Santiago provavelmente foi inspirado em Gregorio Fuentes, amigo do autor e capitão do seu barco de pesca, Pilar. Como o personagem, o companheiro de pesca do escritor era experiente, magro, tinha olhos azuis e nasceu nas Ilhas Canárias.
Nesse sentido, é possível que O velho e o mar reflita os últimos anos de vida de Hemingway, marcados pela paixão que nutria por Cuba: o autor de O sol também se levanta (1926) mudou-se para uma fazenda a 25km de Havana em 1939, com a terceira esposa, a jornalista e escritora Martha Gellhorn, e os 12 gatos do casal. Escalado para cobrir a Segunda Guerra Mundial, ele passou metade da década de 1940 vivendo na Europa, mas voltou à ilha em 1946, dessa vez com a sua quarta esposa Mary Welsh, também jornalista e escritora.
Lá viveram até 1959, quando a eclosão da Guerra Fria e o rompimento entre Cuba e Estados Unidos obrigaram a família do escritor a se mudar para seu país de origem. Em entrevista ao The New York Times em 1999, o filho do escritor, Patrick Hemingway, relatou que deixar Cuba foi um dos motivos da depressão do pai, que culminou em seu suicídio em 1961.
A influência de Cuba em Hemingway não foi menor que a do escritor na ilha. Seus livros são vendidos em lojas oficiais do governo, seu nome batiza drinks, sua fazenda se tornou um museu e os descendentes do velho Fuentes costumam levar turistas para passear no antigo barco do autor.
Para além dos aspectos biográficos e alegóricos, a obra ainda guarda uma grande atualidade, na opinião do escritor, jornalista e crítico literário José Castello. “O romance trata da solidão – e, apesar da alta tecnologia que nos conecta, nunca estivemos tão sozinhos. Trata de uma luta desesperada. Num tempo de guerras, êxodos forçados e ameaças atômicas, também o desespero exige de nós uma grande abnegação”, afirma. “Trata, enfim, da experiência da derrota, e num país que se desmonta, num mundo que parece prestes a explodir, poucas vezes nos sentimos tão vencidos.”
Fonte: Revista Cult
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