Escrito por: Andre Accarini
Psicanalista
detalha as implicações psicológicas dessa nova realidade de trabalho na vida de
milhões de trabalhadores. Para combater a fadiga das reuniões online, Citi
criou a sexta livre do Zoom
Deu no New York Times: a Free
Zoom Friday (em português “Sexta-feira livre do Zoom”) foi uma
iniciativa da executiva-chefe do Citigroup, Jane Fraser, comunicada aos
funcionários no dia 22 deste mês, com o propósito de iniciar uma nova tradição
na empresa: incentivar os trabalhadores a se afastarem, uma vez por semana, de
plataformas, como o Zoom, que possibilitam as infindáveis reuniões e
teleconferências tanto pelo celular quanto pelo computador.
Fraser afirmou no memorando que
circulou no banco – o Citibank, um dos maiores do mundo – que “a indefinição
das linhas entre casa e trabalho afetaram nosso bem-estar”, e que “depois de
ouvir colegas do mundo todo, ficou claro que é preciso combater a fadiga do
Zoom, que muitos sentem”.
Mas, resolver stress e ansiedade
causados pela nova realidade que milhões de trabalhadores enfrentam vai além de
iniciativas como a da instituição financeira. O psicanalista João
Américo, técnico em reabilitação de dependentes químicos e pesquisador na área
de saúde mental relacionada a transtornos ocasionados por racismo, explica que
há uma série de outros fatores que devem ser levados em consideração quando a
casa, o lar, passa a ser parte da empresa, como é o caso do trabalho home
office.
Um deles, segundo o psicanalista, é
levar em consideração que o capitalismo se adapta às realidades provocando
alterações nas práticas sociais de exploração.
O trabalhador, de início, até se convence de que trabalhar em casa é uma vantagem, mas o que está por trás disso é o patrão achar que tem o poder de te explorar, te acionar a qualquer horário, inclusive sábados e domingos- João Américo
A falta de controle dos limites é o ponto chave, como detectou a executiva do
Citicorp. O trabalhador acaba incorporando o trabalho à vida pessoal.
“Muita gente está trabalhando mais
horas porque não tem, simbolicamente, o cartão de ponto, o vigia, alguém que
esteja olhando, controlando. O sujeito se sente na obrigação de trabalhar muito
mais porque não tem quem diga que começou e terminou o seu trabalho”, diz o
psicanalista.
“A gente se vê na obrigação de
resolver problemas fora do horário, trabalhando muito mais horas, por causa
dessa ausência do portão de entrada e saída do trabalho ou a figura do chefe,
que está lá olhando seu trabalho. É uma implicação psicológica desse tipo de
relação”, completa.
Com o home office, o sujeito acaba tendo horário, mas não para largar o trabalho- João Américo
Situação também ainda não organizada é questão econômica. Para trabalhar em
casa, o funcionário tem custos que muitas empresas ainda não repassam. “O
trabalhador acaba cedendo seu espaço pessoal, seu ‘templo’ que é sua casa,
gasta sua energia elétrica, sua internet, muitas vezes o seu próprio
equipamento e não tem uma compensação financeira para bancar isso”, explica
João Américo.
Computador pessoal, celular, tablet,
a mesa, a cadeira – tudo faz parte das condições de trabalho que são
responsabilidade da empresa. Portanto, diz João Américo, a empresa quando manda
o trabalhador para o home office, não está fazendo “nenhum favor”, e sim
preservando seu patrimônio – a força de trabalho que gera sua produtividade,
seu lucro.
Puxadinho da firma
Além dos fatores já citados, outros
pontos vêm sendo observados pelos profissionais que lidam com saúde mental. A
nova realidade de rotina em home office mexe não somente com o trabalhador,
ainda que ele se sinta confortável, mas com o restante da família.
O fato de ter seu lar engolido pela
vida profissional, além de cercear a liberdade pessoal, afeta também toda a
família.
Na avaliação de João Américo, cada
vez mais exige-se que o trabalhador se adapte à realidade do teletrabalho,
cedendo seu espaço pessoal para a empresa, tornando sua casa uma espécie de
‘puxadinho da firma’, o que reforça o ideário do patrão de que o trabalhador
está 100% disponível.
João Américo reconhece que, com a
pandemia, uma nova realidade foi imposta a todos e haverá sacrifício de ambas
as partes. Mas, ele diz, é necessário entender que para a ponta mais fraca da
corda – o trabalhador – a mudança de rotina é mais pesada.
“A gente precisa entender esses sacrifícios,
mas precisa entender a realidade do outro também. Para o trabalhador, diminui o
espaço geográfico da casa. As pessoas reservam um local pessoal e familiar e
isso diminui o espaço para todos da família”, diz o psicanalista.
Não são poucos os exemplos para
ilustrar. João Américo cita situações comuns em que o familiar, que também faz
parte do ambiente da casa, tem de fazer silêncio, abaixar o volume da televisão
e até mesmo deixar de circular em certos cômodos da casa para não interferir em
uma reunião online com vídeo que, como constatou o Citi, afeta as relações
familiares.
“As crianças têm que fazer silêncio,
o cônjuge tem que tomar certos cuidados, porque aquele espaço agora é da
empresa, é do trabalho”, ele diz.
As crianças
O home office durante a pandemia
também altera as relações pessoais entre os familiares. A constante presença em
casa interfere, por exemplo, no desenvolvimento psicológico de filhos.
“As crianças estão lidando com uma
referência familiar que é o presente-ausente, ou seja, o cuidador que está ali,
perto dos filhos, mas não pode dedicar a atenção necessária que eles precisam”.
Segundo João Américo, essas crianças
terão a tendência a desenvolver relacionamentos afetivos problemáticos no
futuro. “Essas crianças serão os adultos que podem desenvolver relações
conflituosas e relacionamentos ausentes, ou seja, com a pessoa que ‘some’, que
está longe, que não responde mensagens”.
Como fica o
trabalhador, então?
Ao mesmo tempo em que há empresas, em
especial as grandes, que se preocupam com a saúde mental dos trabalhadores e
oferecem algum tipo de assistência psicológica, grande parte delas, ainda não
se debruçou sobre esse olhar de cuidado com seus funcionários.
O psicanalista João Américo aponta
que se faz necessário, mais do que nunca, o diálogo entre trabalhadores e
empregadores para que se possa preservar, minimamente, o equilíbrio emocional
frente à essa nova realidade que ele acredita, vai perdurar após a pandemia.
“Há que se levar em consideração a
realidade de cada um. Como é o ambiente em casa, se faltam condições, se há
outras pessoas envolvidas porque, no fundo, a realidade individual é uma
realidade coletiva quando se trata de home office”.
Nesse sentido, há exemplos como o dos
bancários. No ano passado, no início da crise sanitária quando o isolamento
social foi recomendado e, por consequência milhares de trabalhadores da
categoria passaram exercer suas funções em casa, o Comando Nacional dos
Bancários incluiu o tema como pauta permanente de negociações com os bancos,
exigindo condições de trabalho.
Um estudo feito pela Confederação
Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf-CUT) concluiu que o home
office criou novas demandas e dificuldades. Entre elas a inadequação do
ambiente da residência para a realização do trabalho, a falta de equipamentos e
mobiliário adequados, a sensação de isolamento, a elevação de custos
residenciais, a falta de controle da extensão da jornada de trabalho, além do surgimento
de novos problemas de saúde.
Um desses problemas, relata João
Américo, é o aumento do número de dependentes de substâncias psicoativas. Ele
explica, de antemão, que o uso de certas substâncias é cultural mas quando
houver uma mudança no propósito do uso, hà que se ter atenção.
“Se uma pessoa consome álcool, bebe
uma cerveja, de forma recreativa, para comemorar um aniversário, por exemplo, é
uma coisa. A partir do momento em que ela passa usar o álcool como fuga para
seus stress, para seu desequilíbrio emocional, isso se torna um problema”, ele
diz.
O psicanalista relaciona algumas
substâncias conhecidas da maioria da população, que entram nessa classificação
e, segundo ele, merecem destaque: álcool, tabaco (cigarro), psicotrópicos
(Rivotril é o mais conhecido), a maconha e outras drogas ilícitas e o açúcar.
Sim, o açúcar. Ele diz que a
compulsão por doces, em especial em horários aleatórios, como acordar de
madrugada com uma incontrolável vontade de comer, pode ser um sinal de
dependência. E pode ter como origem o stress causado pelo home office.
Direitos
A advogada especialista em direito
coletivo do trabalho, Lais Lima Muylaert Carrano, do escritório LBS Advogados,
explica que ao contrário do vale-transporte, todos os demais benefícios,
incluindo vale-alimentação e vale-refeição, devem ser concedidos
indistintamente entre os empregados que trabalham nas dependências do
empregador e os que trabalham em casa, principalmente os negociados
coletivamente.
“O que define, de fato, se o
vale-alimentação e/ou o vale-refeição será concedido não é o regime de trabalho
adotado – presencial ou remoto – mas sim a existência de previsão contratual ou
de norma coletiva a assegurar o pagamento do benefício pelo empregador”.
Controle de Jornada
Também advogada do Escritório LBS
Advogados, Fernanda Teodora Sales de Carvalho, explica que as empresas fazem
uso de ferramentas de trabalho como e-mails vinculados com os smartfones,
linhas telefônicas corporativas com WhatsApp, Ipads e Laptops com a intenção de
receber respostas mais instantâneas em suas demandas, ou seja, dos
trabalhadores.
“Ao mesmo tempo em que permite que o
trabalho se exerça à longa distância, [a tecnologia] possibilita que o controle
se faça do mesmo modo, pelo contato online ou outros meios. Basta que o
empregador queira controlar, à distância, o trabalho do empregado, que terá
como fazê-lo”, explica.
Ação sindical
A CUT tem realizado seminários com
participação de especialista para subsidiar negociações coletivas e elaboração
de leis pelo Congresso Nacional, a fim de garantir direitos para os
trabalhadores em home-office.
Números
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em novembro de 2020, no Brasil, cerca de 7,3 milhões de pessoas estavam trabalhando de forma remota, sendo 2,85 milhões trabalhadores do setor público e 4,48 milhões no setor privado.
*Edição: Marize Muniz
Fonte: CUT
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