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sábado, 9 de dezembro de 2017

Contos Africanos:MAHURA – A MOÇA TRABALHADEIRA

MAHURA Origem: Moçambique
Quando Olorum criou o universo, o céu e a terra viviam juntos e em perfeita harmonia: as gotas de chuva se juntavam às águas das cachoeiras, o vento e a brisa eram companheiros inseparáveis e propiciavam um belo espetáculo formando mosaicos de folhas secas e gravetos, os homens compartilhavam a vida e não havia distinção de credo e cor, pois todos faziam parte de uma única raça: a humana.

Um dia, a terra achou que havia chegado a hora de ter um filho e deu à luz uma bela jovem na aldeia Okulo a quem deu o nome de Mahura, que significa moça trabalhadeira.

Mahura cresceu depressa e logo desenvolveu suas aptidões: trabalhava incansavelmente e com muita disciplina. Durante o dia, cuidava dos ciclos da natureza e, quando o sol se punha, sentava-se ao chão perto de um enorme pilão que usava para triturar raízes, sementes e cascas que serviriam para fazer a tintura colorida que tingia a palha e o algodão que vestia a sua tribo. Só que o pilão que Mahura usava era mágico e, quanto mais usado, mais crescia e, como a jovem era alimentada pelo trabalho, mais vigor empreendia na sua labuta.

Tanto o pilão cresceu que começou a machucar o céu que no início gemia baixinho; mas, não conseguindo suportar as dores causadas pela mão-de-pilão de Mahura, passou a reclamar.

– Céu, sobe mais um pouquinho! – pedia a moça.

Com isso, o céu foi se distanciando, distanciando, se tornando cada vez mais inacessível até chegar a ponto das nuvens não poderem mais brincar livremente e as gotas de chuva não conseguirem mais manter o solo úmido e fértil que foi ficando fraco e pobre. As frutas não mais brotavam nas árvores como flores em buquê e a tristeza tomou conta de tudo.

Também Mahura ficou infeliz e resolveu pedir desculpas ao céu que estava tão inatingível e não ouviu suas lamúrias. Então, a jovem resolveu ofertar um presente, retirou uma pepita dourada do leito de um rio dando-lhe o nome de Sol e, de uma caverna escura, retirou uma pedra redonda e reluzente à qual batizou de lua.

Atirou os presentes bem para o alto, um de cada lado do céu como um pedido de desculpas que aceitou as oferendas, mas preferiu ficar lá em cima, pois era
mais seguro.

Assim contaram, assim lhes contei: se dúvida tiverem do causo aqui narrado, olhem à noite para o céu. As estrelas que virão brilhando nada mais são do que as cicatrizes deixadas pelo pilão de Mahura.

Um afro abraço.
Claudia Vitalino

fonte:http://africa.mrdonn.org/fables.html

“Em busca de Justiça – Aldir Blanc” - "GENTE, LEIAM ESSA MATÉRIA E VIAGEM EM PASSADO QUE MUITOS NÃO CONHECEM!" - EDUARDO VASCONCELOS

ALDIR_BLANC
Não sou historiador nem sociólogo. Não consultei nenhum livro para escrever o texto abaixo. Minha memória está se movendo como estilhaços do amado caleidoscópio que perdi, menino, em Vila Isabel.
Viva a Comissão da Verdade para que nunca mais coloquem uma grávida nua sobre um tijolo, atingida por jatos d’água, com ameaça: “Se cair vai ser pior”;
Para que senhoras que fazem seu honrado trabalho não sejam despedaçadas por cartas bombas;
Para que um covarde que bote a boca de um homem torturado no escapamento de uma viatura militar não passe por homem de bem onde mora;
Para que orangotangos que se tornaram políticos asquerosos não babem sua raiva na internet: “Nosso erro foi torturar demais e matar de menos”;
Para que presos em pânico não sofram ataques de jacarés açulados por antropóides;
Para que nunca mais teatros e livrarias sejam vandalizados e queimados;
Para que um estudante de psiquiatria não seja obrigado a passar por sentinelas de baioneta calada para ouvir um coronel médico dizer que “histeria é preguiça”;
Para que os brasileiros possam homenagear um autêntico herói nacional, João Cândido, com um monumento, sem que surjam energúmenos prometendo “voltar a explodir tudo se isso apontar para o Colégio Naval”;
Para que a nossa Força Aérea, que nos deu tanto orgulho na Itália, com seus valentes pilotos de caça, não atire pessoas, como se fossem sacos de lixo, no mar;
Para que um pai, ao se recusar a cumprir a ordem de manter o caixão lacrado, não se depare com o corpo destruído do filho, jogado lá dentro feito um animal;
Para que militares honrados não sintam “constrangimento” na busca de Justiça; para que cavalos ( aqueles de quatro patas, montados por outros) não pisoteiem um garoto com a camisa pegando fogo por estilhaço de bomba, na Lapa;
Para que torturadores não recebam como “prêmio” cargos em embaixada no exterior;
Para que uma estudante não desmaie num consultório médico ao falar sobre as queimaduras do pai, feitas com tocha de acetileno;
Para que esquartejadores não substituam Tiradentes por Silvério dos Reis;
Para que inúmeros Pilatos ainda trambicando naquela casa de tolerância do Planalto vejam que suas mãos continuam cheias de sangue e excremento;
Para que nunca mais na vida de uma jovem idealista -o queixo firme, olhos faiscantes de revolta, com a expressão da minha Suburbana no 3X4 que guardo na carteira – seja ceifada por encapuzados. Uma delas, quem sabe?, pode chegar a Presidência da Republica e enquadrar a récua de canalhas.”
Não podemos nos calar!
Aldir Blanc
Compositor

MPB 4 lança “O Sonho, a Vida, a Roda Viva- 50 anos ao vivo”


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Em maio do ano passado, o grupo, agora formado por Aquiles Reis (voz), Dalmo Medeiros (voz e viola), Miltinho (voz, violão, direção musical) e Paulo Malaguti Pauleira (voz, teclado, direção musical), lançava o CD O Sonho, a Vida, a Roda Viva em três apresentações em São Paulo. Em junho foi a vez do Rio de Janeiro conhecer as canções inéditas de compositores como João Bosco e Guinga, no show que seria registrado quatro meses depois, em outubro, no Sesc Ginástico, com direção de Bernardo Mendonça.
Um ano depois, “O Sonho, a Vida, a Roda Viva MPB4 50 anos ao vivo” está sendo lançado em CD e DVD, pela dobradinha MP,B Discos/Som Livre. Depois de levar a quarta estatueta do Prêmio de Música Brasileira na categoria de Melhor Grupo de MPB, o MPB4 também voltou aos palcos para celebrar o lançamento do álbum nas plataformas digitais, no dia 10 de novembro.
“Depois de O sonho, a vida, a roda viva, veio o show de lançamento do álbum e a gravação do DVD. O título tiramos do verso final da música A voz na distância, do Pauleira”, conta Miltinho. Sobre a formação atual do MPB4, ele comenta: ”Quando o Pauleira substituiu o Magro, estávamos com o trabalho sobre o CD de boleros, Contigo aprendi, que foi o último registro do Magro em estúdio. Ficamos algum tempo prosseguindo com o repertório de show do MPB4 , cantando os arranjos vocais do Magro. Pauleira fez o primeiro arranjo vocal como componente do MPB4 para uma participação no CD infantil de Zeca Baleiro. Em seguida, começamos os ensaios para o CD de 50 Anos no qual dividimos, eu e Pauleira, os arranjos vocais – ele ficou com 7 e eu com 6”.
“O Sonho, a Vida, a Roda Viva MPB4 50 anos ao vivo” reúne canções lançadas no álbum de estúdio (de 2016),como Milagres (Breno Ruiz e Paulo César Pinheiro), Desossado (João Bosco e Francisco Bosco), Ateu é tu (Rafael Altério e Celso Viáfora), Brasileia (Guinga e Thiago Amud), A ilha (Kleiton Ramil e Kledir Ramil) e A voz na distância (Paulo Malaguti Pauleira).
Não poderiam ficar de fora desse passeio pela MPB do MPB4 alguns clássicos que marcaram a trajetória do grupo, como Roda Viva (Chico Buarque), Cicatrizes (Miltinho / Paulo César Pinheiro), A Lua (Renato Rocha), Partido Alto (Chico Buarque), além de canções fundamentais da música brasileira, como Oração ao Tempo (Caetano Veloso).

Magro Waghabi, responsável pelos arranjos que moldaram a assinatura musical do MPB4, ganha homenagem no show: “Demorou um pouco até absorvermos a perda do Magro, mas resolvemos que tínhamos que prosseguir e perpetuar os arranjos do nosso maestro, diretor musical e arranjado. Em um momento desse show, cantamos com ele a música Navegante, de Sidney Miller, e Canção da América, de Milton Nascimento e Fernando Brant… Amigo é coisa para se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração”, pontua Miltinho.
Um pot-pourri com músicas de Chico, Gonzaguinha, Dori Caymmi, Tom Jobim e do cubano Silvio Rodrigues (em versão de Miltinho), fecha o espetáculo em grande estilo. Acompanhados pela banda formada por Pedro Reis (guitarra e bandolim), João Faria (baixo), Marcos Feijão (bateria) e Ronaldo Silva (percussão), o espetáculo O Sonho, a Vida, a Roda Viva MPB4 50 anos ao vivo” tem direção artística e roteiro de Helton Altman.
Do Portal Vermelho 

Conheçam sua história, se organizem e lutem!

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Por Laurent Etre
A filmografia de Raoul Peck inclui: L’Homme sur le Quais, que participou da seleção oficial de Cannes, em 1993; Lumumba, sobre o líder assassinado da independência do Congo ; Eu não sou seu Negro, nominado ao Oscar de melhor documentário em 2016. Confira, abaixo, a entrevista com o diretor:
Qual é a origem do filme O Jovem Karl Marx?

Inicialmente representantes da TV europeia Arte me solicitaram o projeto. Eu nunca ousaria propor um filme sobre Marx a uma televisão francesa. Temos que contextualizar que o início do projeto se deu um pouco antes da crise financeira de 2008. A ideia segundo a qual o capitalismo seria o horizonte insuperável da história ainda era amplamente dominante; falar de “luta de classes” era recebido como uma aberração. O capital era hegemônico em todas as frentes. Enfim, quando Arte me pediu para trabalhar no projeto, eu me lancei no filme. Pois, para mim, Marx sempre foi incontornável. Não podemos explicar nada sobre a sociedade (capitalista) na qual vivemos sem voltar ao seu pensamento, aos conceitos que ele criou e à sua grade de explicações. Eu mergulhei no projeto. Mas, depois de um certo tempo, percebendo a sua amplitude e não achando uma maneira eficaz de tratar do tema no formato documentário, decidi voltar à ficção pura e o produzir com a minha própria produtora, a Velvet Film.
Por que escolheu focar o projeto no período da juventude?
Eu sabia de cara que eu não poderia encarar o “velho barbudo”. Pois nesse caso eu teria que fazer não um filme, mas dez, para desfazer todas as instrumentalizações e deformações das quais sua obra é objeto. Eu decidi então me concentrar na gênese de seu pensamento, o período entre a tese de doutorado (1841) até o Manifesto do Partido Comunista (1848). São nesses anos que nasce nele a ambição de estabelecer uma ciência da história das sociedades. E tudo está ali.


O diretor Raoul Peck 
Na história do marxismo, a evocação do jovem Marx tem uma ligação, na França, ao que se chamou, nos anos 1960, a “querela do humanismo”, com Louis Althusser postulando um “corte epistemológico” entre o jovem Marx, marcado pelo idealismo humanista, e aquele da maturidade, do Capital, que se tornou plenamente “científico”. Você tinha essa ideia na cabeça?
Conheço bem esse debate, mas, não, isso não influenciou minha abordagem. Justamente, eu afastei todos os “experts” de Marx, as interpretações, só me baseando nas correspondências. Eu queria mostrar Marx, Engels et Jenny, a esposa de Marx, na vida concreta, a partir da própria palavra deles. Eles são jovens, eles têm em torno de vinte anos, eles são revoltados e eles ambicionam mudar o mundo. É essa a essência do filme. E meu objetivo, desde o início, foi essa formidável história que inspira jovens hoje em dia e espero que ela alimente seus próprios combates. Eu não fiz esse longa metragem olhando pelo retrovisor, mas olhando para a frente, em direção ao presente e ao futuro. Esse filme é um convite para que eles tomem as rédeas de suas vidas, como fizeram esses três jovens na época deles, um convite para que eles mudem tudo o que deve ser mudado, sem colocar limites a priori. Conheçam sua história, aprendam a ver a relação entre os eventos à primeira vista desconectados, se armem intelectualmente, se organizem e lutem! É um trabalho! Essa é a mensagem.
O filme tem uma cena que condensa os debates desenvolvidos na transformação da “Liga dos Justos” em “Liga dos Comunistas”. A exigência da cientificidade parece central na abordagem de Engels, que estava na tribuna para defender as ideias que ele compartilhava com Marx…
Sim, ele evidencia a necessidade de sair do romantismo. A Liga dos Justos tinha por lema “Todos os homens são irmãos”. Engels confronta com eloquência esse slogan à realidade das contradições sociais. Como apoiar, efetivamente, que o patrão e o operário, o explorador e o explorado, são irmãos? Não, decididamente, todos os homens não são irmãos. O novo lema se impõe então: “Proletários de todos os países uni-vos!” Claro, hoje em dia, cabe a nós saber o que incluir no termo “proletário”.
A ideia central do filme não é justamente essa? Na maneira pela qual ele mostra a maturação de um comunismo, saindo das contradições do real para ir em direção à realização do ideal, contra um socialismo utópico, que sobrepõe o ideal à realidade e que desarma, por conta disso, o proletariado?
As respostas que vinham à cabeça das pessoas naquela época eram aquelas daquele tempo. Era o início da revolução industrial, depois da Revolução Francesa. Estava-se começando a entender que são os homens que fazem a história, no momento mesmo em que se colocava em prática uma nova alienação do trabalho, por meio das grandes fábricas. Esse contexto contraditório favorece o desenvolvimento de grandes utopias, como o Falanstério de Fourier. Mas, é verdade, Marx renovou fundamentalmente o pensamento do movimento operário nascente, convidando a recomeçar da análise meticulosa das estruturas da sociedade. Para ele, era o único método verdadeiro para decidir em seguida – juntos – em qual direção se engajar. O romantismo não o interessa; ele quer demonstrações, com argumentos e provas. É uma maneira de pensar bastante alemã, num certo sentido. Em alemão, o verbo é colocado no fim da frase. Isso obriga a realmente refletir sobre que queremos dizer, antes de o dizer. É uma língua estruturante. No filme, a cena onde Marx pressiona Proudhon até o seu limite sobre a questão da propriedade ilustra bem essa diferença cultural. Diante de Proudhon, que decreta que a “propriedade é o roubo”, Marx pergunta: “Que propriedade?”. E ele não o deixa em paz. Ele não pode se satisfazer com tais generalizações.
Imagem do filme “O Jovem Karl Marx”

Como você conseguiu tornar instigante, na tela, os debates filosóficos complexos que, no papel, podem desinteressar os leigos?

Nós levamos dez anos para conseguir isso (risos). Não há segredo. O primeiro rascunho do roteiro era muito mais didático. Precisamos de muito trabalho para nos aproximarmos, uma versão após a outra, do cinema. Mas esse cinema tem como base o real, um cinema rigoroso! Não inventamos nada. Também pude contar com o talento de meu amigo roteirista, Pascal Bonitzer, que sabe transformar cenas suscetíveis de ser teóricas demais em cenas dinâmicas sem nunca abrir mão do conteúdo, do rigor das declarações. Por outro lado, eu priorizei atores que viessem do teatro: August Diehl (Karl Marx), Stefan Konarske (Friedrich Engels) e Vicky Krieps (Jenny Marx). São pessoas que tem a capacidade de criar personagens autênticos. Um diálogo é uma maneira de se posicionar, de se deslocar, de preencher ou não os silêncios. Na minha maneira de filmar, eu frequentemente recorro aos planos sequência, que oferecem uma verdadeira respiração aos atores, que permitem a eles modelar de verdade seus personagens.
Quais são as ideias força que você retém de Marx?
Ao contrário de meus contemporâneos, que só retêm dele a parte teórica, Marx é para mim, acima de tudo, uma maneira de apreender o mundo com uma curiosidade insaciável. Num embate memorável com Wilhelm Weitling, figura de proa do socialismo utópico alemão da época, Marx lança essa frase, que acho particularmente inspiradora: “A ignorância nunca ajudou ninguém”. Ora, hoje estamos em plena ignorância. Ignorância do outro, ignorância da nossa história. Nos apresentam insidiosamente os imigrantes como uma ameaça, a Europa se fecha sobre ela mesma… Assistimos à instalação de receitas de decadência, receitas para fim de reinado. É necessário aprender novamente a pensar dialeticamente, realçando as relações “escondidas”, colocando os fatos numa historicidade. Não há diversas histórias na Terra, mas uma só na qual tudo está ligado. A criação de riqueza numa região específica do globo é acompanhada pela criação de pobreza em outro ponto. Quando uma empresa abandona uma região, criando ali desemprego e miséria, ela não desaparece. Ela vai explorar outro lugar, ali onde os salários são mais baixos, ali onde a correlação de forças do capital-trabalho é favorável ao capital. E principalmente, onde quer que seja, não são aqueles que criam a riqueza que aproveitam, mas sim os proprietários, os acionistas.
Seu filme coloca o dedo na ferida da clivagem de classes da sociedade capitalista. Quer dizer, ele não se insere a priori no diapasão da indústria do espetáculo…. Você não encontrou obstáculos?
Evidentemente! É preciso se dar conta que esse filme sobre Marx é o primeiro do gênero no Ocidente. Então, é claro que deveríamos esperar que obstáculos pudessem aparecer. Primeiro, existe uma certa autocensura. Eu mesmo poderia ter entrado nessa armadilha. Mas dela me liberei com muito gosto. E quando comecei a trabalhar, ninguém tentou intervir na orientação do projeto. Eu também nunca teria tolerado isso. Foi no financiamento que tivemos algumas peripécias reveladoras. Antes de tudo, eu faço questão de dizer que eu sempre pude me apoiar num sistema que permanece bastante democrático, com incentivos, instituições que permitem, num sistema europeu, alcançar um certo orçamento. Eu nunca poderia ter realizado esse filme com investimentos americanos, você pode imaginar…. Então, para voltar à sua questão, na França e na Bélgica, conseguimos mais ou menos os financiamentos previstos. A surpresa veio da Alemanha onde nós tivemos que enfrentar, num primeiro momento, reações de rejeição. Quando nós submetemos o filme à comissão franco-alemã de apoio à produção de filmes, os três integrantes alemães votaram contra, e o único dos três franceses que votou contra era de origem alemã. Custo a crer em uma mera coincidência. Eles não devem ter gostado que um não alemão fizesse um filme sobre uma grande figura do patrimônio intelectual deles. A partir daí nós decidimos politizar a coisa e apresentá-la assim a nossos parceiros alemães. Uma barreira caiu, paradoxalmente, diante de uma comissão de incentivo na ex-Alemanha do Leste. Depois, foi mais simples. Mas o verdadeiro escândalo foi a atitude da instância europeia de apoio ao cinema, Euroimages, que nos recusou um incentivo decisivo, sob pressão de alguns países do ex-bloco do Leste. Resumindo, eles alegaram: nem pensar em Marx sem Stalin. Um ato de censura política para uma instituição que não tem nenhuma vocação para determinar conteúdos, mas sim de se pronunciar sobre a montagem financeira de um projeto de filme e sobre sua solidez. Um projeto fortemente apoiado pelas três maiores nações de cinema da Europa (França, Bélgica e Alemanha) foi eliminado autoritariamente por Chipre e alguns outros por razões políticas!
Seu filme abrange um público bem amplo. Mas o que você diz para os espectadores que se reconhecem na herança do autor de O Capital?
O Jovem Karl Marx questiona os enganos nas lógicas repressivas, autoritárias, mostrando toda a efervescência democrática no seio do movimento operário em vias de organização da qual Marx e Engels participavam. Os dois amigos são firmes, eles não medem palavras… Mas eles estão sempre abertos à discussão, eles nunca renunciam a convencer as pessoas. Toda a radicalidade do filme está aí, no fato de mostrar o alcance transformador desse gesto democrático e, principalmente, na necessidade de um pensamento claro. O campo progressista, no sentido mais amplo, nunca pôde, de batalha em batalha, realmente fazer sua autocrítica. Contudo, é necessário confrontar os erros, as errâncias, as ilusões, os crimes também, para ter início um outro combate. E esse, na democracia.
Tradução: Monique Matni

Fonte: L’Humanité (Via Algo a Dizer)
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