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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

10 DE DEZEMBRO - DIA DO PALHAÇO!

GRUPO ARTE VIVA
Imagem de Messias, coordenador das Casas de Cultura do RN

"PALHAÇO" é alegria.
É a alma da platéia.
Palhaço é filosofia.
Também ele é ideia.
O "Circo" sem palhaço
É lobo sem alcateia.
Parabéns aos palhaços e palhaças pelo seu dia.
10 de dezembro!

GÉLSON PESSOA

Delírio e ignorância no caos cultural

O ataque à arte e à cultura deflagrado pelo governo Bolsonaro não é um ataque comum. A investida vem acompanhada de delírio e ignorância, num acesso de insanidade jamais visto; um grande espetáculo de preconceito e mentiras protagonizado pelos próprios gestores dessa área – ou pelo que restou dela.
Por João Paulo*
Vivemos nesta semana o auge do pesadelo anticultural por meio de atos e palavras sem nexo com a realidade, uma triste fase de falsificação da história com potencial de destruir o senso crítico, a melhor arte deste país e o pensamento intelectual, como se o atual governo odiasse tudo que não entende e quisesse substituir a cultura por algo sem pé e nem cabeça, baseado em ideólogos obscurantistas como o astrólogo e teórico da conspiração Olavo de Carvalho, um negacionista da Ciência que vive nos Estados Unidos e tem notória influência neste governo.
Houve de tudo de segunda-feira para cá. O novo secretário da Cultura, Roberto Alvim, que havia agredido a atriz Fernanda Montenegro no mês passado, abriu um portal de onde saiu um grupo de auxiliares alucinados em termos culturais – alguns deles defensores da “teoria da Terra
Plana”, a ponto de chamar quem está certo sobre o formato do planeta de “terrabolistas”.
Todos eles muito próximos do estilo da ministra Damares Alves no quesito irracionalidade e desvario. O maestro Dante Mantovani, por exemplo, nomeado para a Funarte, diz que o “rock ativa as drogas, que ativam o sexo livre, que ativa a indústria do aborto, que ativa o satanismo”.
Rafael Nogueira, designado para a presidência da Biblioteca Nacional, e também discípulo de Olavo de Carvalho, associa Caetano Veloso ao analfabetismo, enquanto a nova secretária do Audiovisual, Katiane de Fátima Gouvêa, não exibe em seu currículo qualquer experiência na área audiovisual, mas se dedica a protestar contra obras de arte que, em sua visão, não se alinham ao patriotismo, à preservação da família e aos símbolos nacionais, como se a arte tivesse a obrigação de alimentar esses valores como se fosse uma instituição religiosa ou militar.
Na terça-feira, cartazes de filmes brasileiros foram removidos dos corredores da Ancine e do site da agência de fomento ao cinema, por determinação do atual presidente, Alex Braga. Uma tentativa de apagar da memória clássicos como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha, “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, e “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho.
O ataque à cultura brasileira é um caso grave e preocupante, embora algumas vezes a falta de noção soe como humor involuntário. O próprio Alvim, conhecido por detratar a arte brasileira em fóruns internacionais, parece querer repetir no Brasil, a farsa do nazismo em relação à arte. A exemplo de Hitler, o secretário e sua equipe parecem preocupados em destruir toda a produção cultural que não esteja baseada nos ideais clássicos de pureza, embora Alvim tenha pouca informação sobre o classicismo, preferindo atribuir à arte seus preconceitos ideológicos, tratando a atual produção cultural como coisa de esquerdista.
O resultado dessa tragédia é o empobrecimento da cultura; é a transformação de órgãos como a Funarte em máquinas de propaganda política do governo; é a volta da censura e da ideologia autoritária como meio e fim da arte e o fechamento de incentivos e editais para produções de qualidades, deixando o Brasil fora do circuito internacional, como é o caso do cinema, em que produções nacionais, algumas delas de Pernambuco, têm conquistado prêmios de festivais renomados, como os de Cannes e Berlim.
Até agora não se sabe se a concepção medieval estabelecida nessa área é loucura ou método. De qualquer forma, a prevalência dessas ideias perdidas no tempo comprometerá o futuro da cultura brasileira, que é a alma do nosso povo.
*  Deputado estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e primeiro presidente da CUT Pernambuco. Eleito quatro vezes deputado estadual e depois prefeito do Recife  sendo reeleito em 2004. Foi deputado federal e ex-superintendente da Sudene. Economista, professor e ex-metalúrgico.
As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Portal Vermelho.

Tom Jobim e a ditadura, por Urariano Mota

Por força destes meses malditos de fascismo, para falar sobre Tom Jobim pesquiso sobre a sua vida na ditadura, sobre o que ele passou e nem sempre deixou claro. Na Wikipédia, encontro:
“Em 1971, ano anterior à composição de ‘Águas de Março’, Tom Jobim havia sofrido a única grande perseguição política em sua vida.[4] Em um protesto contra a censura que vigorava durante a ditadura militar no Brasil, Tom Jobim e alguns compositores assinaram um manifesto e se retiraram do Festival Internacional da Canção, da Rede Globo. Doze artistas, entre os quais Tom, foram detidos e, durante algumas horas, interrogados.[5] Segundo declarações posteriores de Chico Buarque, Edu Lobo e Ruy Guerra, um diretor da emissora esteve presente e insistiu para que os compositores voltassem atrás e retornassem ao festival. A pressão não funcionou, mas – na opinião de Chico e Ruy – instigou o aparelho repressivo do regime a enquadrá-los na Lei de Segurança Nacional.[4] Depois, Tom foi intimado várias vezes a prestar depoimento, chegou a ter o seu telefone grampeado e a suas cartas, violadas.[4] Segundo Tom, a questão foi resolvida ‘de uma maneira bastante brasileira’, quando um escrivão de polícia solidário o chamou e disse: ‘Olhe, o senhor não queira se meter com polícia… Isso aqui não é bom. Negócio de polícia não é bom. Vou bater um negócio aqui para o senhor…’. E assim, o escrivão bateu à máquina de escrever uma declaração, que Tom assinaria. ‘Este papel aqui diz que o senhor não teve intenção’”.[6]”
A informação é verdadeira, porque ao continuar a pesquisa mais adiante venho a saber dessa prisão pouco divulgada:
Chico Buarque, Tom Jobim, Edu Lobo, Paulinho da Viola e Ruy Guerra foram presos pelo DOPS por terem se recusado a participar do Festival Internacional da Canção de 1971. Segundo Chico, o responsável pela prisão teria sido o próprio Paulo César Ferreira, que na época era assessor de Walter Clark e organizava o Festival. Paulo César Ferreira, ex-diretor da Rede Globo de Televisão, usou a estrutura da ditadura para forçar músicos a se apresentarem no 6º Festival Internacional da Canção, em 1971.
Pior, ou melhor, para a reputação política dos compositores: eles divulgaram uma carta na imprensa denunciando que não participariam do Festival devido à censura. Todos eles foram presos pelo Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) e, durante um dia inteiro, ficaram detidos e receberam ameaças. Os policiais do Dops alegavam que a atitude dos músicos era de caráter “comunista”, e que eles deveriam comparecer ao Festival. A Rede Globo já havia comercializado os direitos de transmissão do 6º Festival para outros países, tendo interesses econômicos na participação dos artistas,
Então vou ao reflexo da música de Tom Jobim no romance “A mais longa duração da juventude”. A sua música vem como um dos acontecimentos estéticos do tempo da ditadura:
“Penso na mais longa duração da juventude, resistente nos cabelos brancos, no coração a pulsar regenerado, no peito renascido para o amor. Como um broto que rebenta na árvore envelhecida, penso. E, no entanto, eles que de nada sabiam vão pela Imbiribeira, palmilhando a Estrada do Sol, de Jobim e Dolores Duran, que cantavam ao sair de manhã da garagem da casa de Tonhão.
“É de manhã
Vem o sol
Mas os pingos da chuva
Que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão da dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção…”
Em outro ponto da memória, o ano de 1972 foi um dos mais luminosos de nossas vidas. Como última luz de estrela, brilhou não somente por comparação às trevas do ano seguinte. Mas em si mesmo. Se não antecedesse viradas trágicas, seria um ano digno do mais caloroso afeto. 1972 foi como um disco vinil, uma canção que ouvíamos sem parar na radiola de ficha wurlitzer. Da embriaguez na noite ao arrependimento na manhã, havia sempre uma canção em nosso caminho, de Blue Moon com Ella Fitzgerald a YellowSubmarinee Chovendo na Roseira. Mas ao confrontar há pouco o sentido da memória, pude ver que levamos para um mesmo espaço acontecimentos de tempos diferentes. Isso quer dizer, os anos às vezes se confundem, unificados e na unidade do sentimento. Assim, guardei como de 1972 a manhã de um sábado em que ouvi Chovendo na Roseira em 1974. Por que a canção na voz de Elis Regina veio como se fosse de 1972? Entendo, ou procuro entender o amolecimento elástico do coração. É que na mesa do bar no Pátio de Santa Cruz ouvimos a voz de Elis e o piano de Tom Jobim. Ficamos suspensos na manhã de 1974 como se cantássemos em um jardim de pétalas vermelhas. “Olha, está chovendo na roseira, que só dá rosa, mas não cheira”. Vinha um nó na garganta que deixava a gente sem fala, e o empurrávamos para baixo com goles de cerveja. “Adivinhou a primavera”, pensei há pouco, de modo apressado, que podia ter sido no ano da luz de 1972. Mas se tivesse pesquisado no íntimo, veria que o sentimento num instante de 1974 não poderia ser o de 1972”.
Agora, como uma ligação à sua morte em 8 de dezembro de 1994, lembro a música que mais ouvi quando soube do último dia de Tom Jobim em Nova York:
No CD Passarim, Borzeguim, Isabella vão passando. É o velho novo Tom renovando o peito da gente. Súbito, paro. Ouço uma voz entre a brincadeira e a seriedade:
“Un, deux, trois”, e vem um coro feminino, e começo a ouvir uma conversa melódica de Tom, entre a brincadeira e a seriedade mais uma vez:
“When I arrived in New York
The immigration officer asked me
Where have you been, Mr. Bim?
Where have you been, Joe?
You’ve been abroad for too long, Mr. Bim,
Haven’t you been?
I got to the hotel exhausted to my room
Having to attend a cocktail
Late that afternoon
And there my boss Nesuhi,
An old friend of Jobim’s, said:
May I introduce you to Gloria?
By all means
Buy all jeans…”
E vem então uma melodia que é um estender-se de Tom ao piano, uma canção que acende na gente uma melancolia tão doce quanto letal:
“I’ve never been in Paris for the summer
I’ve never drank a Scotch with this bouquet
My life is such a mess let’s have a Brahma
I’m happy that you called,
I really feel touché
Oh, it’s been a long, a very long time
Since a Brazilian has been in Paris com você”
E chegam uns acordes breves do piano que são uma impressão digital de Tom, que remetem a Wave, que remetem a Águas de Março, que remetem à voz nos dedos do Jobim maduro. Então ele retoma, num prolongamento, numa repetição com outras palavras:
“You look so cute there wearing my pajamas
You look so sexy with my pince-nez
Let’s highjack this Concord to the Bahamas
Come on dress up my love
Let’s go to the ballet
Oh, it’s been a long, a very long time
Since a Brazilian has danced with you
Le pas-de-deux”.
Por que a gente lembra e insiste em lembrar uma canção de versos tão bobos? Esqueçamos por ora a lição antiga de que a letra na música não tem vida própria, autônoma. Esqueçamos que os estruturalistas, quando reclamam a primazia absoluta do texto, são tão medíocres quanto estreitos e amesquinhadores. Esqueçamos. Un, deux, trois. E volta a melodia:
“I’ve never been in Paris for the summer
I
’ve never drank a Scotch with this bouquet
My life is such a mess let’s have a Brahma…”
Não é nem o “a minha vida está uma bagunça, uma confusão tamanha, vamos a uma cerveja”, que nos toca de passagem como uma confissão. O que há nessa música é a história que sabemos de Tom, posterior a ela. Como esquecer que Tom morreu em Nova York? Como esquecer que o câncer de bexiga fez com que ele morresse, com toda tecnologia e avanço norte-americano, em um hospital tão longe? Não riam, por favor, mas os artistas são meio bruxos, meio profetas. Sei que esta não é a hora de uma discussão racionalista, para que se prove a vigorosa intuição que possui um artista.
Isso exigiria uma descida até o nascimento da arte nas sociedades mais primitivas, quando a religião, a invocação aos deuses anímicos era ao mesmo tempo uma representação do sonho humano. Isto exigiria ainda o relato da experiência viva, que temos observado ao longo do tempo. Não, agora é começo do ano. O que importa agora é dizer: a brincadeira, a piada de Tom, sobre uma sua chegada a Nova York, traz para nós, seus sobreviventes, a luz da precariedade da vida humana.
“I’m happy that you called,
I really feel touché
Oh, it’s been a long, a very long time
Since a Brazilian has been in Paris com você.”
Assim foi, assim é. Até parece que its been a long, a very long time, mas não, foi hoje, 8 dezembro.
Urariano Mota, jornalista, é autor dos romances Soledad no Recife, O Filho Renegado de Deus e A Mais Longa Duração da Juventude. É colunista do  Portal Vermelho e colaborador do Prosa, Poesia e Arte.

Um oráculo chamado Grande Sertão: Veredas

O trabalho de criação brasileiro que mais me impacta, e há muito tempo, é Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa. Li o romance algumas vezes. Li também a versão em quadrinhos, assisti à série do Walter Avancini dos anos 1980, que está no Globoplay, vi o longa em preto e branco rodado em 1965 por Geraldo e Renato Santos Pereira. E assisti recentemente à premiada montagem para teatro da Bia Lessa.
Por Fernando Meirelles
Montagem de Bia Lessa adaptada de <i>Grande Serão: Veredas</i>: atores recriam a paisagem com seus corpos Montagem de Bia Lessa adaptada de Grande Serão: Veredas: atores recriam a paisagem com seus corpos
A paisagem do sertão, a flora e a fauna são parte importante do livro; na peça, os atores interpretam os animais, a vegetação, recriam a paisagem com seus corpos. Uma montagem primorosa. Agora o diretor Guel Arraes está preparando uma nova adaptação, bem livre, para cinema.
Não recordo ter lido ou assistido a outra obra em tantos formatos, e as versões me fascinam sempre.
A primeira vez que eu tentei ler o livro, não fui até o final. Esse era o livro favorito do meu pai que, também médico, sempre achou que Guimarães Rosa fosse o nosso principal escritor. Cheguei lá pela página 50 e não consegui entrar naquela história, me dava sono. Desisti.
Anos depois, já na faculdade, quebrei a perna e fiquei seis meses de repouso. Não tinha nada para fazer, então comecei a ler compulsivamente. Nessa onda de ler dois, três livros por semana, pensei: “Agora é a hora”.
Mergulhei e fiquei fascinado. Entendi que Grande Sertão: Veredas é uma leitura para períodos em que a mente esteja liberada, uma época de férias, por exemplo. É difícil sair do nosso mundo e entrar naquele quando se está ocupado com o dia a dia.
Percebi que é um livro difícil de começar, é preciso entender a linguagem, se acostumar com os neologismos, compreender como vai ser a jornada. Depois de certo ponto, aquele ritmo passa a ser natural. Você nem percebe mais as construções sofisticadas, é como aprender a falar uma nova língua. Vira puro prazer.
Foi nesse período que passei a gostar mais de leitura, ou de boa literatura. Desde então, toda noite antes de dormir preciso ler ao menos uns 20 minutos, mesmo se cansado. Desde então, quase todos os dias de minha vida têm sido assim. Não por acaso, quase tudo o que eu faço no cinema é adaptação de livros.
Adaptar Grande Sertão: Veredas para cinema é um sonho há 20 anos. Um tempo atrás, eu queria, mas não ousava, achava que faria um arremedo, uma anedota do livro. Agora eu acho que já estou mais maduro, não para encarar o livro, mas sim para encarar o ridículo de errar feio.
Se algum dia eu adaptar a história, iria pelo caminho da Bia Lessa: usaria muitas imagens da natureza do sertão. Mas este não é um filme que se financie facilmente e não dá para rodá-lo com pouco dinheiro. São muitos cavalos, muitos atores e figurantes, muito figurino e estrutura a levar para o meio do sertão. Mas a cada seis meses eu penso nisso. E a versão do Guel será tão livre que não impede uma mais clássica.
A história de Grande Sertão: Veredas é a narração de um ex-jagunço, Riobaldo, revendo a sua trajetória e tentando entender se o Diabo, o mal, existe e de onde ele vem.
Essa mesma questão está em uma das sequências cinematográficas de que mais gosto, em Além da Linha Vermelha (1998), do Terrence Malick. Na Segunda Guerra, o Exército americano invade um acampamento japonês e os soldados vão trucidando e destruindo tudo e todos que encontram. É muito violento, vemos de perto o sofrimento dos japoneses.
De repente, o som da cena é cortado e, diante da barbaridade, entra uma narração do personagem que conta a história. É um recurso muito usado pelo Malick. Ele se questiona de onde vem essa crueldade, a vontade de destruir. “De onde vem este mal diabólico?”, pergunta-se.
É a mesma reflexão sobre a origem do mal, sobre o porquê de agredir os outros, que faz Riobaldo. Às vezes me faço essa pergunta ao entrar na internet: por que entrar em redes sociais para xingar quem não se conhece? Por que, em vez de discordar, queremos aniquilar o outro?
No livro, existe uma história objetiva que permeia toda a jornada, mas o que gosto não é dessa trama, ótima aliás, mas da subjetividade do Riobaldo, suas reflexões e conclusões, que sempre deixam espaço para a dúvida. “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”, diz.
Há muitas leituras sobre o significado do livro. Uma de que gosto é a que vê o “grande sertão” como os espaços desconhecidos e selvagens da nossa mente. As “veredas” seriam as dobras do nosso cérebro. A obra seria um mergulho na consciência, na profundidade da psique.
Em uma passagem, os personagens precisam atravessar o liso do Sussuarão, uma jornada à qual ninguém sobrevive. É como estar diante de áreas da psique com as quais não se ousa lidar. Mas eles escolhem atravessar.
Acho interessante essa interpretação do livro como um processo de autoconhecimento, cada parte da história sendo uma etapa do desenvolvimento no processo de individuação.
Para mim, Grande Sertão: Veredas funciona até como um oráculo. Abre-se uma página ao acaso, lê-se o que está à frente e ali estará uma pequena revelação. Dificilmente outra obra me tocará tanto na vida.
* Fernando Meirelles é cineasta
Publicado originalmente na Ilustríssima (Folha)