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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Único artista brasileiro negro selecionado pela Bienal de Florença abre vaquinha online para ir à Itália

 

Deivison Silvestre em seu ateliê

O artista plástico Deivison Silvestre, 32 anos, é o único mineiro (e único negro) entre quatro brasileiros selecionados para participar da XIII Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Florença, na Itália, que vai acontecer entre os dias 23 a 31 de outubro.

Essa edição aborda conceitos de feminilidade em arte e design. Se conseguir os recursos necessários, Deivison Silvestre irá expôr três trabalhos. Tudo depende de quanto ele conseguirá arrecadar por meio de uma vaquinha online: https://benfeitoria.com/deivisonsilvestrenabienaldeflorenca2021

Natural de Mariana, o artista autodidata, formado em filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), impressiona pela mistura de delicadeza e brutalidade das imagens que cria, com forte apelo político e social





DCM: Deivison, não só as obras selecionadas pela Bienal, mas muitos de seus quadros contém representações impactantes da mulher. O que te inspira a criar essas figuras femininas?





Sua obra carrega uma constante denúncia social, sobretudo do Brasil miserável. De que maneira a realidade provoca sua arte?

Minhas obras podem ser divididas em dois grupos: psicossocial, que busca expressar a dimensão subjetiva humana e sua articulação racional em negociar seu desejo (falta) no contexto contratual político – o homem político (zoompolitokos); e o grupo psicofisiológico, das expressões humanas que se justificam na angústia, no medo da morte, da dor e prazer. As narrativas que construo mostram a condição humana como um servo da vontade, tendo o paradigma da racionalidade como possibilidade de controle sobre o desespero. Minhas obras são resultado das minhas experiências fenomenológicas e, dessa forma, é coerente que meu olhar esteja voltado para os eventos sociais e políticos nacionais que me cercam, ou seja, a realidade brasileira.

De que forma sua formação em filosofia interage com sua obra?

Minha formação em filosofia foi determinante para a construção do conceito que criei, para explicar meu estilo e meu processo: o de “simiosofia”, em que as obras emergem à consciência após um processo dialético de um determinado recorte social. Uni as palavras símio (primatas = uma alusão às pulsões desmedidas) e sofia (sabedoria = a racionalidade como evidência histórica e não uma condição natural), para apontar o que torna coerente a construção política. A simiosofia se fundamenta no discurso próprio da filosofia. Minha intenção é negar a metanarrativa da arte e seus cânones clássicos, aproximando a filosofia e a arte. 

Você é de Mariana, cidade histórica marcada pelo barroco. Isso te influenciou? Quais suas influências artísticas?

A atmosfera da cidade impõe a reflexão em direção à apreciação artística, em que ateliê e arquitetura somam um conjunto notório de riquezas visuais. Fui afetado por isso, certamente. Por vezes, caminhava pelas ruas da cidade, admirando pintores em seu ato de criação, percebendo cores e a harmonia das obras. Crescia com a inclinação às artes até compreender que minhas primeiras criações eram um resultado do meu silêncio diante da vida, por não compreendê-la e, por essa razão, negá-la. Meus estudos em arte me levaram a conhecer grandes artistas que, de alguma forma, atravessam meu trabalho, como Picasso, Dali, Saudek, Zdzistaw Beksinski, Modigliani, Olivier de Sagazan…

É impressionante saber que você é autodidata, quando observamos a maestria dos seus traços. Como foi o seu processo de aprendizagem?

Um grande amigo certa vez me disse: “sua arte é um dom, é quem você é, está na sua medula”. A arte sempre foi meu maior recurso para dizer quem sou e sobre o que penso. O aprimoramento técnico deu-se a partir de uma vida intensa de dedicação, que se desdobrou em reflexões, estudos, experiências, visibilidade – tudo isso retroalimentou meu processo de aprendizagem.

Qual o significado de ser o único artista mineiro e negro selecionado para a Bienal?

Ser o único mineiro traz a responsabilidade de representar grandes artistas regionais, que buscam tornar sua arte instrumento de dignidade; me faz continuar o fluxo da representatividade negra nas artes visuais, adormecido historicamente em Antônio Francisco Lisboa (Aleijadinho), que teve sua cor apagada no tempo, pelas narrativas coloniais. Sendo negro, percebo o quão relevante esse momento é para o quadro de referências históricas de figuras negras, que começam a ocupar lugares restritos (próprios àqueles que não vivem presos ao “mundo do trabalho”) – como tem sido nas artes visuais – e tenho consciência de que isso poderá ressoar na história de outros artistas negros.

Qual o papel social e político da arte e como é ser artista num contexto como o atual, sobretudo no Brasil, contaminado por essa onda conservadora, que hierarquiza a cultura e tenta definir o que é ou não digno de admiração?

A arte conduz o espectador à reflexão sobre a condição humana, é um espelho que reflete tormentos e paixões reprimidas pela moralidade. Como artista, exerço papel fundamental nesse contexto político nacional, assim como outros artistas o fizeram noutros momentos históricos – posso citar o expressionismo alemão – , quando assumo a posição de canalizar perspectivas possíveis sobre a vida, num período de posturas conservadoras, discursos inflamados de ódio e ancorados pela religiosidade.

Você foi convidado a participar da Bienal de Florença, em 2019, mas não teve dinheiro para ir. Agora, tenta mobilizar doações para a edição de 2021. Faltam políticas públicas de apoio à arte no Brasil?

O contexto atual no país é de paralisação de programas que fomentam a cultura. Faltam não só investimentos públicos, como também participação das empresas em manifestações artísticas diversificadas, para além de nomes consagrados e centros urbanos. A maior parte das verbas das leis de incentivo à cultura ainda ficam nas capitais e sobra quase nada para a riquíssima produção artística do interior.

Ainda não entendemos a força econômica da cultura, o que ela gera em emprego e renda. Como políticas públicas culturais ainda não são eficientes no país, recorremos a iniciativas como a vaquinha online. Atualmente a Produtora Cultural Asante gerencia minha carreira, mas estou à procura de patrocinadores engajados na construção de novas realidades na arte.

Como é sobreviver e resistir pela arte nesse país?

Parafraseando o pensador Nietzsche: “Estar à beira do abismo e ainda ser capaz de dançar”. O triste é conviver com a certeza de que muitos caem e seus “corpos” são recuperados pela história.

O que você espera ao pisar em Florença, berço do Renascimento, com todo esse simbolismo histórico, cultural e artístico?

Espero firmar meu nome e arte na eternidade. Espero contribuir com meu conhecimento artístico, fruto de um trabalho ininterrupto na tentativa de documentar as relações sociais do meu tempo. Ser tomado pela atmosfera de uma cidade referência na construção da história da arte, poder admirar diretamente obras de grandes mestres como Michelangelo, Botticeli, Caravaggio… estou certo de que essa experiência será encantadora – permito-me, aqui, um impulso metafísico para prever esse acontecimento -, e terá grande influência sobre meu processo artístico.

Fonte: DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO - DCM

Como eu tirei as fotos de Lamarca ensinando mulheres a atirar e perdi o crédito por elas. Por Bia Parreiras

 

Bia Parreiras e suas fotos de Carlos Lamarca

Eu comecei a fotografar durante a efervescência do Movimento Estudantil em 1968 e logo fui convidada a estagiar no jornal Última Hora, na sucursal de São Paulo. Eu estava com 20 anos e cursava a faculdade de Sociologia. 

A cobertura da matéria pautada era ir até Osasco, em Quitaúna, fotografar o treinamento de tiro ao alvo das caixas do Bradesco para defenderem as agências bancárias de assaltos. 

Eu cheguei ao quartel e percorri com os olhos todas as cenas. Havia um grupo de executivos vestindo terno e gravata, mais vários militares fardados ostentando muitas estrelas. O grupo de garotas com outros fardados sem estrelas. As garotas empunhavam armas mirando num alvo com dois ou três treinadores. 

Comecei a fotografar sem entender o porquê daquele monte de gente. Lá pelas tantas me deu vontade de atirar e pedi para o capitão e ele me passou a arma, que era de calibre baixo. 

Eu reconheci porque morei muitos anos em fazenda e junto com o meu irmão praticávamos tiro ao alvo com espingarda de chumbo. Assim, eu segurei firme a arma, mirei concentrada e acertei o alvo. 

Depois voltei a fotografar e fui para o grupo de homens olhar quem teria de importante. Lamarca logo apareceu por lá e e se reuniu com o grupo. 

Ele era de um um dos melhores atiradores e campeão brasileiro nessa modalidade, o que logo soube pelos comentários do grupo. Era uma pessoa respeitada por todos os seus superiores, por isso foi convidado para dar esse treinamento. 

O evento continuou e em seguida aconteceria um plantio de árvores pelos convidados. Foi então que o Lamarca se aproximou de mim e pediu que eu plantasse uma árvore, em nome da imprensa, para o Exército Brasileiro. Eu recusei imediatamente, agradeci e me afastei, mas ele voltou a me procurar e insistiu. A essas alturas eu já estava com medo de ser presa se recusasse e plantei a árvore.

Quando eu cheguei de volta em casa contei a história para um grupinho de amigos que sempre se reunia para discutir as estratégias do Movimento Estudantil em torno de uma mesa de mármore. Era na casa da minha tia, onde eu morava. 

Todos me deram a maior bronca por eu ter plantado a tal árvore. Isso foi em dezembro de 1968 e o AI5 foi decretado dias após o treinamento. 

Um mês depois o capitão Carlos Lamarca desertou do exército e fugiu com um caminhão lotado de fuzis para iniciar a guerrilha contra a ditadura. Ele tinha 32 anos anos quando fez isso. 

Claro que a minha turma de revolucionários estudantis me pediu para repetir cada palavra que o nosso herói falou comigo. E o Exército Brasileiro a que ele se referiu era o da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR.

Lamarcar ensina caixas de banco a atirar (FOTOS DE BIA PARREIRAS)

Desde 1969 as as fotografias que eu fiz naquele dia vêm sendo publicadas na imprensa, livros, enciclopédia etc sem o meu crédito, que se perdeu lá atrás quando a Última Hora foi vendida. Tudo isso foi contado só para amigos e amigas e eu nunca assumi publicamente, mesmo com o ressentimento de ter uma fotografia histórica não reconhecida. 

Agora, foi o grupo Fotógrafos pela Democracia que me motivou e cobrou essa declaração pública. Eu demorei para juntar as peças dessa História. Primeiro fui ao arquivo oficial do Estado de São Paulo, onde encontrei algumas ampliações e publicações do Última Hora. 

Depois fui no arquivo da Folha, onde estão algumas poucas tiras dos dois filmes TRI X e o restante foi levado para outros jornais, porque ainda não havia controle e organização. Eu fui pesquisar isso só depois que me aposentei da Editora Abril, porque era um trabalho demorado e antes eu não tinha tempo. 

Tem mais outro detalhe: naquela época as fotografias publicadas não levavam crédito, por isso eu estou assumindo publicamente que a autoria dessas fotografias do capitão Carlos Lamarca, um grande herói brasileiro, que lutou contra a ditadura militar assassina, são que minha autoria: Bia Zaccarelli Parreiras.

Naquela época, eu era Beatriz Zaccarelli.

Lamarca em 1968 (FOTOS DE BIA PARREIRAS)

Fonte: https://www.diariodocentrodomundo.com.br