
oscar vilhena vieira
A DESIGUALDADE MATA
É desconcertante a constatação feita
pelo Nobel da Economia Jeffrey Sachs, de que 46% das mortes decorrentes do novo
coronavírus ocorreram em apenas três países: Estados Unidos, Brasil e México,
que representam não mais do que 8,6% de população mundial.
Uma das hipóteses explicativas para essa tragédia
humanitária é a conjugação de populismo e desigualdade.
Como foi apontado pelos pesquisadores da Escola de
Economia da FGV-SP Nicolas Ajenman, Tiago Cavalcanti e Daniel da Mata, a
qualidade da liderança política tem um forte impacto sobre a condução de
pandemias.

Na ausência de vacinas e remédios eficazes, o
enfrentamento de uma pandemia como a do coronavírus depende da capacidade de a
liderança política coordenar as ações das diversas esferas da administração
pública na prevenção e mitigação da doença e, sobretudo, de conduzir a
população a um comportamento coletivo que reduza os riscos de propagação da
pandemia.
Como o acesso à informação, especialmente no início
de uma crise como a da Covid-19, tende sempre a ser muito desigual e
fragmentário, é fundamental que a liderança política seja capaz de construir um
forte elo de confiança com a população, de forma a reduzir os comportamentos
irracionais e oportunistas, que aumentem o risco de toda a comunidade.
Para isso é preciso falar a verdade, não
negligenciar o conhecimento científico e propor medidas que protejam toda a
população, especialmente os grupos mais vulneráveis. Da perspectiva jurídica e
moral, a diretriz é clara: ninguém deve ser deixado para trás.
Como sabemos, não é isso que têm feito os líderes
populistas de Estados Unidos, México e Brasil.
Ao negar a virulência da pandemia, desprezar a
ciência, boicotar aqueles que estão levando o combate da Covid-19 a sério e
estimular a população a não tomar os devidos cuidados com a doença, cada um
desses líderes vem dando sua parcela de contribuição para quase metade das
mortes relacionadas ao Covid-19 que ocorreram em todo o planeta, até o presente
momento, como indica a alta comissária de Direitos Humanos da ONU.

A magnitude dessa tragédia sanitária, no entanto,
também tem sido potencializada por altos padrões de desigualdade nesses três
países. Apesar de sua pujança econômica, os Estados Unidos são o mais desigual
entre os países desenvolvidos.
Da mesma forma, o Brasil, embora se encontre entre
as dez maiores economias do mundo, ocupa uma constrangedora posição entre os
países mais desiguais do planeta.
Essa desigualdade profunda e estrutural, como
aponta Paulo Chapchap, diretor do Hospital Sírio-Libanês, lança os mais pobres
numa condição de enorme vulnerabilidade frente ao vírus. A falta de condições
sanitárias, a precariedade da moradia, a necessidade de busca diária pelo
ganha-pão, afeta desproporcionalmente os mais pobres, mesmo num país dotado de
um sistema sofisticado como o SUS.
Como indica a pesquisa SoroEpi MSP, coordenada por pesquisadores da
USP, Laboratório Fleury e Ibope, voltada a aferir a proporção de indivíduos que
já desenvolveram anticorpos em São Paulo, a maior cidade brasileira vive duas
pandemias. O número de infectados é 4,5 vezes maior entre aqueles que não têm o
primeiro grau completo do que entre aqueles que têm o ensino superior
completo.
No mesmo sentido, enquanto 19,7% dos que se
declararam negros e 14% dos pardos são soropositivo, essa número cai para 7,9% para
os brancos.
Se o vírus não discrimina, as vítimas preferenciais
da desigualdade e populismo têm classe e cor. (por Oscar Vilhena Vieira).
Postado por celsolungaretti