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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

CULTURA: Nei Lopes reage ao “analfabetismo funcional” sobre a população negra

Augusto Diniz
 

Livros lançados em 2019 pelo escritor e compositor sublinham o negro na sociedade.

Um dos maiores estudiosos da cultura afro-brasileira no país, Nei Lopes lançou este ano mais três livros que evidenciam o protagonismo do povo negro na sociedade brasileira.
As obras desse escritor e compositor ganham ainda mais relevância nesses tempos de preconceito exaltado. “Esses livros vão na contramão do racismo estrutural que nos inviabiliza, até mesmo como personagens de ficção”, diz.
Os três livros em questão são Agora Serve ao Coração (ficção ambientada no subúrbio carioca), Meu Lote (textos com pensamento crítico) e Afro-Brasil Reluzente – 100 Personalidades Notáveis do Século XX (perfis de afrodescendentes).
Com isso, Nei Lopes ultrapassa a marca de 40 livros publicados com ênfase à importante presença negra na história do país e suas diferentes manifestações nas artes, na religião e na construção da identidade nacional.

“Quando um ministro da pasta da educação, ou de outra pasta qualquer dessas aí, diz que não existe povo negro no Brasil e, sim, gente de ‘pele escura’, me sinto na obrigação de mostrar o quanto a civilização brasileira deve aos negros, ou seja, aos pretos e pardos, que hoje constituem a maioria da população”.
Ele lembra que os ancestrais que vieram da África foram sempre a maioria da população, principalmente entre os séculos XVII e XIX.
“Então, só diz que a civilização brasileira é apenas ‘judaico cristã’ quem não sabe o que é civilização. Nós, que sabemos, não podemos ficar calados ante essas manifestações de analfabetismo funcional”.

Mais dois livros

E em 2020 tem mais. Nei Lopes promete o segundo volume do Dicionário de História da África, escrito em parceria com o professor José Rivair Macedo, da UFRGS, universidade onde se tornou doutor honoris causa desde 2017.
O primeiro volume desse dicionário aborda o período que vai dos séculos VII ao XVI. O segundo volume tem como foco o período entre os séculos XVI e XIX.
Também previsto para o ano que vem, sai o livro Ifá Lucumí, a Tradição Preservada. De acordo com Nei, trata-se de uma obra sobre “uma forma religiosa de matriz africana sofisticadíssima (considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco) que desapareceu no Brasil na década de 1930 e ressurgiu por aqui nos anos 1990, via Cuba”.

Álbum novo de samba

Nei Lopes, na faceta de cantor e compositor, surge em 2020 com um álbum novo já pronto chamado Pagode Black-Tie. Seu último trabalho solo saiu em 2009.
Em seu décimo álbum, Nei canta acompanhado por uma grande orquestra conduzida pelo maestro Guga Stroeter.

“Nele, canto, principalmente, sambas de melodias elaboradas que se tornaram imortais a partir dos anos 80, no ambiente dos pagodes de fundo de quintal. E homenageio gênios como Almir Guineto e Luiz Carlos da Vila. Este projeto me envolve há cerca de dez anos”.
Sobre as perdas recentes no samba, como seu parceiro musical Wilson Moreira, D. Ivone Lara, Beth Carvalho e Elton Medeiros, diz acreditar na nova geração.
“Tem muita gente nova fazendo samba de qualidade. A internet está ajudando esta rapaziada, com quem aliás mantenho diálogo permanente, em parcerias que sacodem as rodas”.
Samba jamais morrerá, “mesmo que destruam tudo o que é material”, diz sambista.

E acrescenta que o samba jamais morrerá: “Mesmo que destruam tudo o que é material, acabem com os órgãos públicos e as fontes de financiamento, e criem frentes de retrocesso”.
Ele acredita que para conter o sufocamento da expressão cultural e das artes, um dos assuntos polêmicos do ano, é preciso continuar criando.
“A natureza tem suas leis. Contra elas nenhum autoritarismo ou ‘forçação de barra’ pode resistir. E a cultura é uma força da natureza”, finaliza.
Nei Lopes dignifica a arte e a cultura miscigenada. A Academia Brasileira de Letras, casa na qual vem sendo indicado informalmente há mais de um ano para ser membro, tem se tornado pequena para este grande brasileiro.

ELISA LUCINDA: A mão que balança o berço

Aprendizado na natureza: Kaianaku dos Kamaiurá ensina sua neta a alimentar o pássaro. 📷 @callanga, Xingu, 26/10/2016
A grave enfermidade consumista que se instalou em nós em detrimento da mãe natureza levou ao resultado terrível: nos fudemos!

Um passarinho vem cantar no meu ouvido. Logo logo fica claro que o que chamamos civilização caminha galopante em torno do dinheiro como maior significante de tudo. Este objeto, aquele, este pedaço de papel impresso capaz de justificar mortes, homicídios, separações, rupturas de sócios, fins de amizades, falcatruas, impedimentos de relações, e ainda determinar categorias, valores, qualidades e tipos de gente. Tal poder contaminou um tanto de cidadãos, outro de políticos, outro tanto do judiciário, a ponto de ir lá balangar pros lados do privilégio e da ganância a Balança tão bem quista da Justiça! Bem quista pelo imaginário dos românticos. Dos que se negam a reverenciar o dindin como poder superior aos seus criadores e acreditam numa justiça de Xangô, digamos, pura.
O que o passarinho continuou a soprar-me com seu canto alegre e preciso era da ordem das riquezas que não têm valor aparente no rol das fortunas, mas que são outras qualidades delas. Hilda Hilst bradava em lírica profunda: “É de outro amarelo que vos falo.” isso pra se referir ao ouro que não vemos mas que é. Brilha. É raro. É jóia. É tesouro. A diferença é que não se compra, ninguém rouba e nenhum dinheiro no mundo sabe como ou onde encontrar. Seu caminho em mapas, assim, desses de filmes, não se encontra planejado. Creio que haja uma outra cartografia. Mas não de simples decifração ou leitura, nem é coisa da qual se pode ter, antes da prova, acesso ao gabarito. Não há caminho explícito descrito em receita.
Por isso talvez eu venha insistindo tanto na necessidade de as crianças estarem em conexão com a NATUREZA o mais que puderem, brincando com folhas secas, sementes, terra, caroços, chuva, lama, praia, areia, concha, árvore, águas de rio, cachoeiras e, não lobotomizadas pelos tablets e celulares, antes mesmo de conhecerem uma árvore. Babando ali nas telas, sem se relacionar no mundo real, sem gastar energia física com a vida, tudo leva ao seu adoecimento repleto de doenças não-infantis. Se somos nós os adultos que lhes mostramos os primeiros elementos logo cedo, nós que lhes dizemos os nomes do que é estrela, planeta, água, estação, então segue sendo igualmente importante também aula de contato imediato com a lua e suas fases, com o ciclo dos alimentos e NATUREZA, a grande escritura da humanidade. Dos búzios ao I Ching, a mãe NATUREZA sempre foi e é referência. Fora dela nos fudemos. Não há outra palavra, “cara” leitora ou leitor. A NATUREZA é berço da humanidade. Ponto.
O resultado desta grave enfermidade materialista consumista em detrimento do conhecimento de nosso planeta, é que, quando se propõe, por exemplo, um simples jogo de “amigo oculto” sem que seja com presente comprado, tem gente que se sente perdido, impedido de inventar no afeto. Funcionar nestes valores. “Era mais fácil comprar um”, dizem alguns. E olha que a brincadeira é valendo de um tudo: vale um passeio, uma comida, um batida de tarô, um cinema, um banho de rio, uma música, uma piada, uma parábola, uma filosofia, um poema, um verso, um beijo, um abraço demorado, um trecho de livro, uma folha, uma fruta, uma flor do pé. Sem a referência do dinheiro ficamos sem rumo. Que doido. Há inclusive os miseráveis de amor e ricos de dinheiro que não encontram outra graça neste viver. Pode ser por outros ouros nossa corrida. E mais devagar. Claro que há quem tenha dinheiro e dê também muito amor. Mas meu alerta é para quem relativizou o amor por dedicar ao dinheiro um lugar acima de tudo. Um lugar de Deus.

O LINDO VALOR DA AMIZADE 

Agora mesmo, perto do fim da gostosa temporada do “Parem de falar mal da rotina”, no teatro João Caetano no Rio, tive que cancelar a sessão, embora contrariada, porque passei mal grande parte do dia, só vomitando. Estava sozinha neste dia. Tudo ruim, ôca de tanto esvair-me em bílis. Estava fraca. Quando depois de falar com meu produtor, liguei pro Eduardo Brandão, meu fiel camareiro há dez anos, avisando que não haveria espetáculo, sua mãe resolveu, preparou e mandou por ele, uma panela de pressão quente, enrolada na toalha, contendo uma sensacional, completa e cheirosíssima canja de galinha! Veio do Méier pra Copacabana. Cheia de amor de mãe. Acolheu minha orfandade. Veio do Méier pra mim! Quantas vezes isso acontece numa vida hoje na cidade grande? Quando chegou, comecei a chorar. Era exuberante aquela beleza. Ardia nos olhos. Brilhava. Diamante, pedra preciosa, riqueza. Fortuna. Representava também o brilho das cooperações, do coletivo. Comi. O mensageiro do feitiço estava ao meu lado. Cuidando. Anjo. Fiquei boa na hora. Com a canja veio a saúde, voltou a força, bebi sua maternidade sobre mim. A saúde voltou. Fiquei de pé de novo. Janice, autora da obra culinária, cientista e alquimista da milagrosa mistura, me contou depois ao telefone as iluminuras que desejou pra mim enquanto preparava a poção com os temperos decisivos do lindo amor da amizade.
Como são abstratos, é difícil achar uma balança de comprovação de peso, uma lupa que enxergue tais bens. Crianças tendem a encontrar essas fortunas naturalmente: “ô mamãnhê, guarda meu galhinho?” É bom que identifiquem essas “joias caras” da vida antes de conhecerem o dinheiro, enquanto são livres pra reconhecer grande valor num graveto. Mas, milhares de vezes, quem cuida delas as obriga a terem cofrinhos aos quatro anos e, o que é pior a quebrarem o porquinho lindo que guarda as moedas dentro. Mas o porquinho estava fazendo o papel do porco na brincadeira de fazendinha de animais de plástico e é muito bonitinho ele. É difícil querer quebrá-lo por motivo de moeda!!!! Por que será mais importante a moeda para o pequenino do que o bichinho que é também brinquedo? Por isso tem tanta importância o que pensa de tudo isso a mão que balança o berço. De quem é, e o que entende por riqueza?
Senhoras e senhores, em meio a este tempo de festas de fim de ano, compartilho com todos a querida, Janice Pires que foi quem me mandou na sua amorosa canja uma deliciosa lição. Mãe de Geovana e do Eduardo, fez deles herdeiros de sua bondade. Bondade no coração. Aquela família tem berço. Berço não é sobrenome nem grana. Berço é afeto. Acho que, cantando na janela, assim, sem nada querer, foi isso que o bico de ouro deste passarinho Sanhaço veio me dizer.

Os ‘ratos e urubus’ de Joãosinho Trinta voltam a assombrar em 2020

O histórico desfile da Beija-Flor de exatas três décadas trazia mazelas que há pouco tempo começávamos a superar. Àquela época, tínhamos esperança. E hoje?
por Wagner de Alcântara Aragão
Foto: reprodução de frame de trechos do desfile de 1989 da Beija-Flor.
Dá para afirmar sem medo de errar: é unanimidade, ao menos entre quem pensa num outro mundo possível, que 2019 já vai tarde. Antes da despedida, convém lembrar um aniversário celebrado neste malfadado 2019. O aniversário de um episódio que nos apresentava um cenário que, há pouco, considerávamos como superado. Cenário, no entanto, que volta a nos assombrar.
Refiro-me aos 30 anos do histórico desfile “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”, do Carnaval de 1989, concebido por Joãosinho Trinta (1933-2011), protagonizado pela comunidade de Nilópolis, da Beija-Flor. Um desfile que levou para a avenida o povo marginalizado. Que apontou a desigualdade social e a elite do atraso como as responsáveis pelas mazelas de uma nação que tinha (e tem) tudo para ser soberana. Desfile que foi, assim, à raiz dos nossos problemas.
Trinta anos depois, o desfile de Joãosinho Trinta representaria com precisão os tempos de hoje. Equívoco considerar, porém, que nada mudou. O desfile da Beija-Flor de 1989 não continua atual. O desfile da Beija-Flor de 1989 voltou a ser atual.
Se a gente quer se livrar dos ratos e urubus que aterrorizam o Brasil para 2020, é imprescindível que não deixemos que se percam no tempo e na memória as conquistas recentes. Sim, podemos considerá-los lentos, aquém das necessidades, mas avanços fizeram ficar no passado a fome, a miséria, o desalento. Estávamos longe do paraíso, não vivíamos às mil maravilhas, todavia até o pré-golpe de 2015 e a consumação do golpe de 2016 experimentávamos o sabor de um mínimo de dignidade.
Ficavam cada vez mais para trás o desemprego nas alturas, a informalidade e precariedade do trabalho, o desalento, a mendicância, a censura, a ignorância, o descaso com os mais pobres, com os grupos identitários diversos. Tudo aquilo que Joãosinho Trinta fez a Beija-Flor mostrar na Sapucaí em 1989 aos poucos superávamos. Ou, ao menos, tínhamos perspectivas e instrumentos reais e concretos para superar.
A política de cotas começava a incluir negros, indígenas, pobres no ensino superior. Um dique de contenção à retirada de direitos trabalhistas, à entrega das nossas riquezas e patrimônio estava sendo erguido. O pré-sal ficava sob controle da nação brasileira, e seus dividendos seriam canalizados para a educação e saúde. Assistência médica chegava aos rincões, o sonho da casa própria começava a se tornar realidade.
Há um detalhe que faz deste 2020 que se aprochega mais desafiador (para não dizer menos animador) que o 1989 de Joãosinho Trinta e da Beija-Flor. Naquele Carnaval, estávamos às vésperas da primeira eleição presidencial depois da ditadura. Naquele Carnaval, a Constituição, recém-nascida, iluminava e ampliava os horizontes. Para 2020, o que temos para nos agarrar?
Talvez o próprio Carnaval possa nos sinalizar um caminho. Os desfiles deste novo ano devem vir carregados de crítica social e política. De inspiração, também – afinal, o que não deverá ser Elza Soares sendo homenageada pela Mocidade Independente de Padre Miguel?
Como disse o mesmo Joãosinho Trinta lá em 1989, em entrevista à TV Manchete enquanto entrava na avenida, “escola de samba é muito mais que oba-oba de Carnaval. É um grande momento da vida brasileira. É momento de emoção, de beleza, de realização”. Podemos nos fortalecer bebendo dessa fonte, não?