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segunda-feira, 19 de março de 2018

Como a vitória do povo Xukuru fortalece a luta indígena no Brasil

Decisão histórica da OEA obriga o governo brasileiro a demarcar terras indígenas em Pernambuco e a indenizar os Xukuru em US$ 1 milhão
Por Maria Vitória Ramos, na Ponte 
Há quase 30 anos lutando para demarcar seu território no estado de Pernambuco, o povo indígena Xukuru de Ororubá conquistou uma vitória histórica sobre o governo brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), instância máxima da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Corte condenou, pela primeira vez, o Brasil por violações aos direitos dos povos indígenas.
A decisão reconhece como legítima a demarcação da terra indígena Xukuru, o direito coletivo e originário do povo à sua terra tradicional e condena o Estado brasileiro pela demora excessiva em fazer o procedimento de reconhecimento desse direito. O governo federal tem o prazo máximo de 18 meses para cumprir as determinações da Corte, incluindo a indenização de 1 milhão de dólares ao povo Xukuru. O valor será destinado a um fundo, a ser gerido pelos próprios Xukuru. Durante o processo o grupo foi assessorado pelo Conselho Missionário Indigenista (CIMI), pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) e a Justiça Global.
“A decisão da Corte nos traz um alívio muito grande, porque nós passamos por um momento muito difícil no nosso território desde o assassinato do cacique Xikão”, comemorou o atual cacique da tribo, Marcos Xukuru. Foi seu pai, Xicão, que liderou o povo no início do processo de retomada das terras, em 1989. O assassinato foi encomendado por fazendeiros locais e completará 20 anos em maio deste ano.
“Nossa avaliação é que essa decisão recompõe a justiça para com os Xukuru e traz uma série de elementos políticos e jurídicos, que certamente vão influir nos processos atuais de disputa em curso envolvendo o Estado brasileiro e povos de outras regiões do país”, afirmou Cleber Buzatto, secretário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Fim do marco temporal
Uma das consequências da decisão da Corte, segundo Buzatto, é a de “colocar por terra de forma cabal” uma das teses consideradas mais prejudiciais para os povos indígenas, a do marco temporal. Segundo essa tese, que está presente na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, do deputado federal Almir Sá (PPB-RR), só teriam direito à demarcação os povos indígenas e quilombolas que ocupassem seus territórios em 5 de outubro de 1988, data em que a Constituição foi promulgada. A ideia do marco temporal desconsidera os povos que não ocupavam terras em 1988 por terem sido expulsos de seus territórios de origem.
“A jurisprudência da Corte é no sentido de: o que legitima o direito de uma população indígena a uma determinada terra não é um título de posse, mas a ocupação tradicional que aquela comunidade faz. E isso é absolutamente incompatível com a ideia do marco temporal”, explica Raphaela Lopes, advogada da ONG Justiça Global que acompanhou o povo Xukuru na audiência presencial na Guatemala. Antes disso, o marco temporal já havia sido rejeitado por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou constitucional a demarcação de terras quilombolas.
Para a advogada, essa decisão vai fortalecer ainda mais as demandas do movimento indígena na luta pelas demarcações e “é um forte argumento contra os retrocessos propostos pelo marco temporal, o esvaziamento da Funai [Fundação Nacional do Índio] e a PEC 215”.
Na visão do cacique Marcos, a condenação do Estado brasileiro neste caso é um exemplo de como a propriedade coletiva dos povos indígena à terra é ultrajada. “Os indígenas vivem sob ameaças, detenções arbitrárias em ocasiões de luta pela terra e assassinatos”. Ele ressalta ainda que essa decisão não vai ajudar apenas os povos brasileiros, mas de toda América Latina, considerando a abrangência da Corte.
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Fonte: Revista Fórum

BBC resgata áudios emocionantes dos soldados brasileiros na 2ª Guerra


Por Thomas Pappon Da BBC Brasil em Londres
Esse “diálogo com Adolf Hitler” é narrado por um soldado brasileiro no estilo stand-up musical, fazendo uma versão bem-humorada de O Ébrio, grande sucesso de Vicente Celentino na época, em um show de calouros gravado pelo Serviço Brasileiro da BBC na Itália em junho de 1945 com os pracinhas que aguardavam o retorno ao Brasil.
O show, um raro e precioso registro em áudio do momento em que saboreavam a vitória com um misto de alto astral e pesar pela morte de companheiros, foi registrado com auxílio de uma rara unidade móvel de gravação da BBC.

Além de gravar esse show e vários sambas compostos pelos pracinhas em pleno front, essa unidade registrou – sempre em frágeis discos de alumínio cobertos por um laque especial, já que ainda não havia gravadores portáteis de fita magnética – os sons do dia a dia dos soldados nos acampamentos, além de relatos, crônicas e mensagens a familiares.

Essas gravações, feitas pelo correspondente de guerra da Seção Brasileira da BBC, o anglo-gaúcho Francis Hallawell, com ajuda do técnico de som britânico Douglas Farley, foram resgatadas pela BBC Brasil como parte das celebrações dos seus 80 anos e estão sendo disponibilizadas ao público para marcar essas oito décadas de produção de conteúdo para o Brasil.
Historiadores e especialistas que tiveram acesso ao material ouvido pela BBC Brasil foram enfáticos ao situar sua importância.
“Foi emocionante ouvir as gravações”, diz Francisco César Ferraz, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL), com anos dedicados à pesquisa da participação brasileira na Segunda Guerra e autor de dois livros sobre o assunto – O Brasil e a Segunda Guerra Mundial e A Guerra Que Não Acabou.
“Uma coisa é passar anos estudando ou lendo sobre o assunto, outra é realmente ouvir esses registros. A variedade de tópicos, de situações… têm de tudo… desde reportagens relidas por correspondentes de guerra, seleções musicais, eventos, missas, humor, personagens, serviço médico… um material fantástico. É um estímulo a outros pesquisadores.”
Para Vinicius Mariano de Carvalho, professor e pesquisador do Brazil Institute do King’s College, em Londres, que ajudou a BBC a recuperar esse material e está publicando um trabalho focado nas músicas compostas pelos pracinhas, as gravações de Hallawell “nos aproximam demais do que viveram esses soldados na guerra”.
“O som do acampamento, da panela ao fundo, pessoas falando… é a única imagem que a gente tem do universo sonoro desses pracinhas. Esse material é extremamente importante, possivelmente o único documento sonoro que dá voz ao soldado brasileiro na Itália.”
As gravações resgatadas totalizam pouco mais de quatro horas de áudio. São 12 programas de duração e temas variados com material gravado durante os oito meses de campanha militar dos 25 mil integrantes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália.
‘Cartas, pessoal!’

Parte desse material foi transmitido ao Brasil por rádio durante a guerra, como por exemplo as reportagens que mostram uma distribuição de cartas e a “hora do rancho” em um acampamento, a visita a um hospital – transmitida para o Brasil na noite de Natal de 1944 – e o registro de uma missa na Catedral de Pisa, em que mais de mil soldados e oficiais, com a presença do comandante da FEB, general Mascarenhas de Morais, cantaram o Hino Nacional.

Um dos mais curiosos é o programa com um show de variedades celebrando a vitória, realizado no clube da FEB em Alessandria, no norte da Itália, quando os soldados aguardavam o retorno ao Brasil. O programa segue a linha de shows de rádio ao vivo populares na época, com concurso de calouros, música e muito humor, e foi gravado especialmente “para as famílias (dos expedicionários) no Brasil, enquanto espera-se o grande dia do embarque”.
Mas boa parte dos programas foi montada mais tarde, quando os soldados já tinham sido desmobilizados e retornado a suas cidades, como as homenagens aos três regimentos de infantaria da FEB – o 1º, também conhecido como Regimento Sampaio, baseado na então capital, Rio de Janeiro, o 6º, baseado em Caçapava (SP) e o 11º, de São João del-Rei (MG) -, recontando suas campanhas com depoimentos e dramatizações feitas no estúdio da BBC.
O material do “Chico da BBC” deu impacto às transmissões da Seção Brasileira da BBC em ondas curtas. Eram três horas diárias de transmissão, sempre à noite, no horário nobre dos anos de ouro do rádio no Brasil. Havia notícias, programas de variedades, música, radioteatro e “cerca de 15 minutos dedicados ao noticiário sobre a guerra”, segundo o livro Vozes de Londres, de Laurindo Lalo Leal Filho, que conta a história da Seção Brasileira da BBC desde sua criação, em março de 1938.
Arquivo revela Natal de soldados brasileiros sob granadas e ao som de Noel Rosa na 2ª Guerra
As notícias que os brasileiros ouviam sobre a guerra eram traduzidas do inglês, o que, segundo Rose Esquenazi, professora da PUC-Rio e autora de O Rádio na Segunda Guerra: no ar, Francis Hallawell, o Chico da BBC, longe de ser um problema, ajudou a dar crédito ao conteúdo.

“A BBC trouxe maior equilíbrio. Falava quando um navio inglês era afundado”, diz ela à BBC Brasil. “As pessoas sabiam que havia a censura do Estado Novo. Se você ouvia em outra rádio, a notícia seria mais parcial. Os brasileiros sentiam que o noticiário da BBC era mais isento.”
As vozes dos combatentes brasileiros e as crônicas enviadas por Hallawell “traziam humanidade” nessas transmissões. “As pessoas queriam que a guerra acabasse, e o Chico trazia as informações lá do front, onde estavam os filhos, os maridos e os noivos”, afirma Esquenazi.
‘Ô Félix, tá caindo muita coisa no front?’

Hallawell, nascido em Porto Alegre e educado parcialmente na Inglaterra, falava português com um leve sotaque britânico, mas sua voz, diz Esquenazi, “tinha certa intimidade com o ouvido do brasileiro”.

Apesar de muitos soldados estarem “lendo” suas falas – em particular nos programas feitos em homenagem aos regimentos de infantaria -, a impressão que fica no ouvinte é de que eles se comunicam com “Chico” de forma aberta e direta.
Para Francisco Ferraz, as gravações ajudam a traçar um perfil mais nítido dos pracinhas.
“Esse perfil é um dos pontos sobre o qual menos temos informações, a documentação da FEB não é muito pródiga nisso. Em vários momentos (nas gravações), há o cuidado de se perguntar o nome e a origem do soldado, a cidade de onde vem, o que ele fazia…”
“Nos anos 1940, o Brasil era muito diferente, tínhamos uma população pouco alfabetizada. Dados estatísticos indicam que, apesar de restrições do Exército, 6% dos soldados eram analfabetos. Quando você vê essa gente simples, que enfrentou temperaturas que nunca tinha enfrentado, nunca havia treinado para combater em montanhas – bem diferente a combate em terra plana -, vê que esses jovens pertencem ao coração do povo brasileiro, no sentido de sua extração.”
Vinicius Mariano de Carvalho aponta para a riqueza “fabulosa” das gravações do expedicionários fazendo música. “Nos dá a dimensão da expressão humana musical que esses soldados estão encontrando e fazendo no meio do campo de batalha”.
Hallawell e Farley gravaram 16 músicas em pelo menos quatro locais diferentes na Itália. Treze dessas canções, em sua maioria sambas e marchinhas, foram compostas por pracinhas.
“Música e guerra andam a par e passo”, diz Carvalho. “Ela exerce uma função catártica incrível.”
“A FEB tinha uma banda de música, formada por cerca 60 músicos. Essa banda se desmembrava em pequeno grupos para tocar em acampamentos e circular com mais facilidade. Uma delas era a orquestra de jazz, formada pelo pessoal do regimento de São João Del Rey (o 11º), quase imitando uma big band americana.”
As orquestras militares eram comuns na Segunda Guerra. O conhecido músico americano Glenn Miller dirigiu a banda da Força Aérea americana na Europa – e morreu em um suposto acidente quando seu avião desapareceu em um voo de Londres a Paris em dezembro de 1944.
Um dos programas diz, entretanto, “ser interessante notar que os brasileiros são os únicos de todos os combatentes na Itália que escrevem suas próprias canções”. Carvalho diz ser “difícil saber” se a afirmação procede, mas que os pracinhas fizeram na Itália “o que se fazia no Brasil, com incorporação de termos em italiano, com narração do cotidiano que eles estão vivendo”.
“É uma rica transposição de uma vivência musical do Brasil para lá”, diz o pesquisador, salientando “a grande relação de mútua troca” entre brasileiros e italianos.
Não se ouve a palavra “alemão” nos sambas. Ouve-se “tedesco” – como nos sambas Tedeschi Portare Via ou Tedesco Levante o Braço. “Ou ‘paúra’, em vez de ‘medo’.”
“Há um fator que não podemos negligenciar dessa união, que é o catolicismo. A Itália é extremamente católica, o Brasil é eminentemente católico. É comum a narrativa de famílias italianas que abrigavam os brasileiros, compartilhando o que tinham na mesa, rezavam o terço juntos.”
“Outra coisa é a facilidade da língua. De todo o contexto do 5º Exército (americano, ao qual a FEB se juntou) e seus aliados, um grupo extremamente multicultural – com indianos, poloneses, neozelandeses, americanos, ingleses, canadenses – a única língua neolatina é o português. O entendimento foi facilitado por essa raiz comum na língua.”
As composições próprias, segundo Mariano de Carvalho, em sua maioria “são músicas humorísticas, ironizando os alemães ou louvando as batalhas que fizeram”. Dessas, ele destaca Onde Vi Muito Tedesco, uma embolada que descreve passo a passo a tomada de Monte Castello. “É uma música fantástica. Narra detalhadamente as linhas de defesa, o avanço da tropa, a aviação ‘que criou muita confusão’, o Major Syzeno Sarmento, comandante de um os batalhões… e assim vai.”
As exceções são O Morto Vivo, uma surreal conversa entre um soldado e um cadáver, o emocionante samba Lembrei (‘Se algum dia eu voltar/ jamais eu hei de pensar/ nas crises que eu passei/ pela vitória da pátria que tanto amei/ E será nobre dizer/ quando meu filho crescer/ a história de seu pai/ que com muito sacrifício/ buscou em seu benefício/ a vitória e a paz…), composto por um soldado morto em Monte Castello, Alcebíades Sodré, e apresentado pelo grupo de jazz da FEB no show de variedades em Alessandria.
“É um samba bem dramático, dolente, como se (o autor) estivesse prevendo que fosse morrer”, diz Mariano de Carvalho.
Menosprezo

Os especialistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que essas gravações podem ajudar a reverter o que Mariano de Carvalho chama de “tendência a menosprezar a participação brasileira na Guerra”.

Francisco César Ferraz diz que essa reversão já está em curso há alguns anos, e que as gravações “vêm em hora oportuníssima”.
“Durante muito tempo, a historiografia universitária, que é a que dita os tópicos que serão valorizados (no ensino escolar de História do Brasil, por exemplo), desprezou a participação brasileira na Segunda Guerra.”
Uma explicação para esse “desprezo” seria o fato “de parte da cúpula do golpe de 1964 ter pertencido à FEB”. “Há essa associação, a meu ver errada, entre militares da FEB e militares que patrocinaram o regime militar. Na FEB havia de tudo. Havia células comunistas dentro da FEB. Dois dos dirigentes nacionais do PCB pertenceram à FEB, Salomão Malina e Jacob Gorender.”
“No últimos dez anos houve um volume crescente de interesse pela participação na FEB e na FAB (Força Aérea Brasileira, que também esteve na Itália). E isso começou a repercutir no material didático. O número de documentários sobre a FEB e a participação do Brasil na Segunda Guerra aumentou bastante.”
Um exemplo da retomada das produções sobre o assunto são os livros (1942: O Brasil e sua Guerra quase Desconhecida e Minha Segunda Guerra) e documentários (1942: O Brasil e sua Guerra quase Desconhecida, Um Brasileiro no Dia D e O Caminho dos Heróis) de João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso, que se interessou pela Segunda Guerra Mundial em parte por seu pai ter sido pracinha.
“Todo mundo que toma conhecimento desse assunto fica surpreso, impressionado com o que aconteceu, com os fatos que levaram o Brasil a entrar na guerra, se comove e se emociona”, conta.
Quando conversou com a BBC Brasil, Barone ainda não tinha ouvido as gravações de Hallawell – das quais conhecia apenas “algumas coisas que circulavam pela internet, aquela gravação do Hino Nacional sendo cantado em Pisa, algumas músicas”.
Mas disse que “está todo mundo curioso para ouvir isso, é um material preciosíssimo”.
A participação na Segunda Guerra e o contexto em que ela se deu “foi uma experiência tão valiosa do nosso povo”, ressalta.
“É muita coisa interessante que ajuda a explicar o Brasil de hoje.”
Experiência e espírito de corpo

De fato, é difícil não se surpreender com a jornada dos pracinhas e como ela se encaixa na história recente do país. A aproximação com os EUA se consolida durante a guerra, com os acordos entre Getúlio Vargas e o então presidente americano, Franklin D. Roosevelt.

O Brasil permite a instalação de bases militares (notadamente em Natal), promete fornecer munição e borracha e envia soldados para lutar contra os alemães. Em troca, os EUA bancam a criação da Companhia Siderúrgica Nacional com a construção da usina de Volta Redonda, o “marco zero da nossa industrialização”, como diz Barone.
Além disso, os EUA treinaram e armaram os soldados brasileiros na Europa – ajudando, talvez involuntariamente, a criar o que muitos viram como um “monstro” indesejado no Brasil.
Ao final da guerra, os mais de 24 mil expedicionários compunham uma força militar sem rival no país. Tinham experiência de combate, armas e um invejável espírito de corpo.
Não à toa, foram desmobilizados ainda na Europa. Após os desfiles no Rio de Janeiro, onde foram saudados como heróis, tiveram de retornar imediatamente às vidas que tinham antes. Francisco Ferraz explica que havia um grande receio no país, tanto no governo como na oposição e nos quartéis, com o possível engajamento dos pracinhas nos eventos políticos do país.
“Eles queriam despolitizar os pracinhas o quanto antes. A história já havia dado os exemplos dos soldados russos que voltaram da Primeira Guerra e acabaram apoiando os bolcheviques, e dos militares alemães que retornaram da mesma guerra e moldaram as bases do Partido Nazista.”
“A FEB teve células comunistas”, lembra Ferraz. “Vargas tinha promovido uma abertura no fim de seu governo. Ele não apenas libertou líderes comunistas como (Luis Carlos) Prestes, como também permitiu a legalização do Partido Comunista.”
“Era um clima político bastante conturbado. E nos quartéis, os oficiais que haviam ficado no país receberam com hostilidade os que voltaram condecorados da Itália. Eles temiam ser preteridos por oficiais da FEB. A cúpula militar também não ajudou. Muitos ex-combatentes foram transferidos para bases distantes.”
Outra história pouco conhecida é a dos problemas de adaptação que muitos ex-combatentes sofreram. Muitos voltaram com traumas e neuroses e tiveram grande dificuldade para retomar suas vidas. O governo prestou pouca ajuda – ao contrário do que ocorreu nos EUA, onde houve um plano de reintegração com vários tipos de apoio aos soldados que regressaram da guerra.
Logo esquecidos – e, aos poucos, perdendo cada vez mais espaço nos livros de História do Brasil -, os pracinhas mantiveram acesa a chama do espírito de corpo com associações de veteranos. Essas foram fundamentais na luta por benefícios como uma pensão, aprovada apenas em 1988 – 43 anos depois do retorno -, chegando tarde demais para muitos ex-combatentes.
Com agradecimento especial à Embaixada do Brasil em Londres, que guardou parte dos arquivos usados no documentário.
BBC Brasil

Leitura histórica e científica do golpe se multiplica em aulas


Um dos desdobramentos mais significativos desses cursos será a transformação do golpe que tirou do poder a presidenta Dilma Rousseff em objeto de estudo científico. Teremos, com certeza, daqui para a frente, o surgimento de pesquisas de mestrado e doutorado investigando o tema através de suas várias facetas. Com isso, os cursos agora oferecidos pelas universidades prometem ser apenas o ponto inicial de um longo e aprofundado debate sobre as raízes do golpe e suas consequências para a frágil democracia brasileira.
Pode-se prever o surgimento de trabalhos capazes de dar consistência aos dados e análises do período político que vivemos, tornando-se referência para pesquisadores no futuro. Dessa forma, esses estudiosos estarão a salvo de tornarem-se reféns das interpretações uniformes oferecidas pela mídia conservadora que quando raramente usa a palavra golpe a faz entre aspas. Será instigante confrontar as revelações e descobertas realizadas pelos trabalhos acadêmicos com o que publicam os jornais e revistas.
Antes disso, ainda no calor da hora, já temos algumas publicações analisando o processo de destituição da presidenta eleita e de suas consequências para o país. A mais recente delas é o segundo volume da coletânea “Enciclopédia do Golpe” dedicada ao papel da mídia, com 28 artigos escritos por acadêmicos e profissionais da área. Que os meios de comunicação foram decisivos para realização do golpe não resta a menor dúvida. Basta lembrar o empenho dos veículos das Organizações Globo em chamar a população para participar dos atos contra o governo de Dilma Rousseff. O livro trata desse fato, mas vai além, circunstanciando as ações da mídia em apoio ao golpe por diversos ângulos.
Trata-se de um conjunto de análises que vão desde o papel da Lava Jato no processo de deposição da presidenta até a forma como as fotografias eram publicadas nos jornais e revistas da chamada grande imprensa. Em seu artigo o fotógrafo Lula Marques lembra que “as fotos foram cuidadosamente editadas e manipuladas, ilustrando matérias não menos desonestas, distorcidas e inverídicas. A ordem nas redações era deixar todos do governo do PT mal na foto”. Ele salienta que “Dilma era retratada como uma histérica a beira de um ataque de nervos. Não é possível deixar de lembrar da ultrajante capa da revista Istoé em que a presidenta é comparada à rainha Maria, a Louca, sob a manchete “As explosões nervosas da presidente”.
Em outro artigo a jornalista Bia Barbosa analisa a cobertura realizada pelo Jornal Nacional da condução coercitiva do ex-presidente Lula. O primeiro bloco do telejornal “teve 21 minutos de matérias sobre o episódio, e nada menos que 50 segundos (25 vezes menos) com a posição da defesa”. Padrão mantido nos blocos seguintes, sempre com amplo destaque para as acusações e minúsculos espaços para a defesa.
Outros dados significativos são apontados pelo jornalista Olimpio Cruz Neto. É pública e notória a posição golpista da revista Veja mas o artigo a concretiza com números. Entre janeiro de 2014 e setembro de 2016, quando Dilma foi afastada em definitivo da Presidência, a revista “publicou 123 edições, das quais 76 foram críticas ao governo e ao PT”. Durante 2014, antes do pleito presidencial, os principais candidatos foram capa da revista chamando para os seus planos de governo, com exceção de Dilma. A ela foi reservada, junto com Lula, a famosa capa às vésperas do segundo turno sob a manchete “Eles sabiam de tudo”, numa infundada referência aos esquemas de corrupção na Petrobras.
São alguns exemplos da importância do livro como documento histórico de um momento trágico para a democracia brasileira. Através dele é possível entender melhor o papel decisivo jogado pela mídia no golpe de 2016. Multidões foram às ruas insufladas pela televisão articulada com os demais veículos como mostra, em feliz analogia, o editor do site O Cafezinho, Miguel do Rosário. Diz ele que “o processo de impeachment foi um jogo de futebol. Globo passava a bola para a Folha, que deixava a Veja perto do gol, que tocava para Sergio Moro completar de cabeça”. E assim as ideias da classe dominante tornavam-se as ideias dominantes na sociedade, como dizia Karl Marx, referindo-se a Alemanha do século 19, mas tão atual neste Brasil do século 21.
Rede Brasil Atual