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domingo, 27 de junho de 2021

“NÃO votei no Bolsonaro e NÃO apoio o seu governo”, diz Djavan

  por Pedro Zambarda de Araujo

Djavan. Foto: Divulgação/Facebook

O cantor Djavan resolveu se manifestar sobre seu real posicionamento político a respeito do atual governo.

Ele escreveu em sua conta oficial no Facebook.

LEIA MAIS – Djavan após afirmar que estava otimista com governo Bolsonaro: “acredito na democracia”

O seguinte:

“Em 2018, tentaram me associar a esse governo por eu ter dito em entrevista que tinha esperança no futuro do Brasil. O futuro, para mim, pertence ao povo que sempre poderá buscar – nas ruas e nas urnas – as transformações sociais que farão do Brasil um país livre e próspero.

Depois de dizer algumas vezes que aquilo era mentira, eu percebi que de nada adiantaria: o desmentido na internet tem efeito contrário, coloca a mentira em evidência.

Tenho décadas de vida pública e uma longa carreira, e quem me conhece sabe dos meus posicionamentos sobre política, problemas sociais, culturais, raciais, homofobia, xenofobia etc. Por isso, é impossível haver qualquer compatibilidade entre mim e um governo errático, que tem atuado na contramão da ciência e que, sempre que pode, demonstra seu desprezo pela democracia.Não tem cabimento.

Eu NÃO votei no Bolsonaro e NÃO apoio o seu governo.

Djavan”

Fonte: Diário do Centro do Mundo - DCM

João Guimarães Rosa: Homem Humano

 

Êh! Fácil não é, nunca foi. Fosse pra ser fácil não valia a pena. Pra ler o mestre Rosa é preciso paciência, tomar gosto devagarinho, ir aprendendo a gostar de pouco em pouco, até quando, sem nem perceber, a gente já tá ali gostando de verdade, não parando mais de acompanhar o mestre.

dia 27 de junho de 1908 – Nasceu o escritor Guimarães Rosa.

Por Joan Edesson de Oliveira*

Ilustração: Tainan Rocha Liso do Sussuarão – Ilustração: Tainan Rocha Liso do Sussuarão – Ilustração: Tainan Rocha

Eu tinha quase trinta anos já, quando li a primeira vez. Comecei do maior e fui voltando para as estórias menores, mas não menos importantes. Comecei com o “Grande Sertão”. O vivente, pra terminar aquele sertão todo, tem de enfrentar primeiro o Liso do Sussuarão, feito os medeirovazes. Assim, cinquenta, oitenta páginas primeiras do livro. Se conseguir, se der conta disso, não volta mais, segue Riobaldo e Diadorim até o fim, até quando o jagunço Tatarana vê pela primeira vez o corpo nu, sem vida, do jagunço Reinaldo. Mas pra chegar lá, tem um sertão inteiro a se cumprir. Se não passar na travessia do deserto, se não aguentar o Liso do Sussuarão, melhor voltar, esperar um tempo, até tentar de novo o desafio. Ou se corre o risco de desgostar, de incompreender, de largar o sertão e ir em busca de outras paragens.

Mestre João criou um mundo inteiro. O sertão é um mundo.

“O sertão está em toda a parte. […] Sertão. O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”

É mesmo assim. A obra do mestre Rosa é como fosse um sertãozão, imenso, sem fim. Manda quem é forte. Quem quiser se aventurar por ela, que venha armado. Ah! Mas que vale a pena. A obra do mestre é feito uma lonjura de boniteza, que o vivente, por mais que peleje, não consegue abarcar com a vista. As duas cadernetinhas da viagem com a boiada, com os apontamentos dele, eu comecei a ler depois que já tinha lido tudo dele. Voltei pro princípio, praqueles garranchos, as páginas transcritas datilografadas, cheias de riscos, de anotações. Que coisa linda, sabe?

Antônio Callado indagou o mestre Rosa, certa vez, sobre o conto “A terceira margem do rio”.

Callado achou bonito, perguntou de onde veio, qual a fonte, a ideia. A resposta do mestre Rosa era de um personagem seu: “Ai, Callado, nem me pergunte, eu cheguei a ficar assustado, parei pra rezar.”. Assim fiquei eu, ao ler as cadernetinhas da viagem com os bois. Descrente que sou, quase parei pra rezar, de tão assustado. Precisei compartilhar aquelas coisas com alguns amigos, de tão grandes, de tão bonitas que não cabiam dentro de mim sozinho, que eu precisava guardar em outros aquelas bonitezas.

É quase uma unanimidade comparar o mestre João com Joyce. Dizem que é um escritor joyciano. Sei não. Acho que a gente pode é dizer que algum outro seja rosiano. Mestre João não era assim comparável, era ele, apenas ele. Verdade que concordo quando dizem que ele leu outro mestre, o Euclides, que ele estudou os sertões descritos por Euclides. Mas o sertão do mestre Rosa era dele, sabe? Um sertão rosiano.

“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar.”

Assim com a obra de seu João. Ali, parece que o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder dele mesmo. Aqueles personagens, aqueles lugares, dizem que acabou, que não existe mais, que aquele sertão não existe mais. Há quem diga que nunca existiu. Ah! O sertão sobrevive dentro do sertão. Lugares há iguaizinhos àqueles, ainda, do mesmo jeitinho, com as mesmas casinhas, a mesma igrejinha, os mesmos vaqueiros, as mesmas mulheres Joana Xaviel contando histórias. Tudo, tudo igualzinho, sobrevive ainda em recantos escondidos e esquecidos dentro do sertão. Até os bois, os burros, a vaca Porcelana, os paus d’arcos cheirosos, as porteiras gemendo.

Tudo igual, igualzinho, assim a gente entrasse num livro do mestre Rosa. Ainda há os mesmos amores, os ódios, as traições, os homens matando outros, em perversidades, as bondades, as malvadezas, deus e o diabo no meio do redemoinho. Ah! Existe sim, o sertão, existe sim. Precisa é conhecer o sertão, adentrar lá dentro, com a mesma disposição e a mesma paciência que fosse pra ler o mestre. Se conseguir, se entrar… Ah! Moço! Não volta nunca mais não. Fica sendo sertão a vida inteira. Porque sertão mora é dentro da gente.

“O sertão é do tamanho do mundo.”

Pois se for? A obra do mestre João é assim também, do tamanho do mundo. Esse conto mesmo que falei há pouco, “A terceira margem do rio”, é assim, do tamanho do mundo, um conto imenso, que não tem fim. E “A hora e a vez de Augusto Matraga”, o que dizer dele? E “Meu tio o Iauretê”, que Callado disse ser a história curta mais importante da literatura brasileira, comparável com “A metamorfose”, de Kafka? E “Conversa de bois”, uma das mais fantásticas fábulas que já li? E “O burrinho pedrês”, trágica história de amor e traição sem par na nossa literatura? E…? E…? A obra do mestre é assim, feito o sertão, do tamanho do mundo, sem fim. Paulo Mendes da Rocha escreveu que “O ‘Grande sertão: veredas’ é uma universidade toda de escrita naquelas poucas linhas”. Ah! Que é isso mesmo. A obra do mestre Rosa dá uma universidade, da graduação ao doutorado.

“Senhor vê, o senhor sabe. Sertão é o penal, criminal. Sertão é onde o homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada.”

O sertão do mestre Rosa é amor, é ódio, é dialética pura. Afinal, o que é a obra do mestre? É o sertão. E o que é sertão? Ora, o sertão é o Brasil, é o mundo. O sertão é ainda maior do que o mundo, sem fim, sem começo, dentro de nós e se esparramando pra fora, derramando-se assim pelas beiradas do universo. O sertão é isso. Leia o mestre e depois se aventure por aí, pelo sertão, deixe que ele adentre pela sua alma, pra conhecer. Ou faça o contrário, entre pelo sertão, sinta os cheiros e as cores dele, converse com o povo sertanejo, e depois vá ler o mestre Rosa, que está tudo lá, tudinho, um no outro, a obra dele no sertão, o sertão na obra dele, tudo misturado, a dialética rosiana, o amor, o ódio, o sertão. Sertão é o quê? A gente, os sertanejos, isso é o sertão.

“Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo. Dia da lua. O luar que põe a noite inchada.”

O que eu acho mesmo, pensando como o mestre, é que a gente tinha que fazer um ajuntamento de muita gente, pra ler a obra dele, pra divulgar pelo sertão afora, pra todo mundo poder conhecer e ter o direito de entender, assim, tim-tim por tim-tim, tudo o que ele escreveu. A homenagem a ele era ler, ler muito, o que ele e o que outros escreveram sobre o Brasil. Porque o mestre Rosa escreveu mesmo sempre, foi sobre os problemas universais do homem. Antônio Cândido disse isso, que “através do homem do sertão havia uma presença dos problemas universais”. E disse mais, que “o mundo de Guimarães Rosa não é em Minas, o mundo de Guimarães Rosa é o mundo. Porque o sertão é o mundo…”.

“A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro…”

Pois vamos fazer isso, vamos tomar conta do sertão, desse mundão rosiano que ainda há por aí. Vamos ler o mestre Rosa, e entender melhor esse país.

“… cidade acaba com o sertão. Acaba?”

Acaba nunca. Nunca acaba. O sertão há de haver mesmo quando não houver mais nada, ainda assim há de haver o sertão. Enquanto houver homem humano haverá o sertão. Rosiano. O sertão que houve e que ainda há, escondido, esquecido, dentro de tantos outros sertões.

O que proponho, então, aos todos poucos que aqui leem, é que vão buscar o mestre João, esquecido nalguma prateleira, vão em busca dele, leiam, releiam. Depois, se quiserem uma prosa, vou me dispondo, enquanto termino a leitura das cadernetinhas, pensando naquela boiada chefiada por Manoel Nardy, com João Guimarães Rosa na culatra, ou como flanqueador no contra-coice do lado esquerdo, sua posição predileta.

Riobaldo Tatarana ficava se perguntando, martirizado: era pautário? Tinha feito o trato? Não sei. Mas e o mestre João? Era pautário? Fico com seu conterrâneo Drummond: “Tinha parte com… (sei lá/ o nome) ou ele mesmo era/ a parte de gente/ servindo de ponte/ entre o sub e o sobre/ que se arcabuzeiam/ de antes do princípio,/ que se entrelaçam/ para melhor guerra,/ para maior festa?/ Ficamos sem saber o que era João/ e se João existiu/ de se pegar”.

Mestre João Guimarães Rosa era pautário, fez trato com o coiso, naquela sua escrita onde o demo salta de cada linha? Porque aquilo que ele escreveu, aquela lindeza que ele escreveu, aquelas bonitezas todas… Ah! Aquilo é coisa de gente, de homem? Tão bonito daquele jeito, será? Ah! Riobaldo que responda:

“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for… Existe é homem humano. Travessia.”

*Joan Edesson de Oliveira é poeta, no outubro seco do sertão do Ceará.

Fonte: Portal BRASIL CULTURA

Daphne, a mulher que prefere o silêncio eterno à agressão sexual

Os muitos ângulos a história triste e violenta, na qual a mulher se transforma em árvore para escapar da atenção lasciva do deus Apolo.

Os mitos e contos populares da Grécia Antiga estão moldando a cultura popular, de filmes de grande orçamento a séries de televisão e romances . Você pode até encontrar conselhos sobre como se parecer com uma deusa ou heroína grega no dia do seu casamento, com vestidos inspirados em Afrodite e Helena de Tróia (entre outras).

Em particular, os mitos de transformação têm apelo para artistas e escritores que são atraídos pelo desafio de recontar histórias de formas mutáveis ​​- os estranhos movimentos entre humanos e animais ou plantas. Esses estados de fluxo podem lançar luz sobre nossa própria compreensão da identidade.

Entre as muitas figuras míticas alteradas pela metamorfose está a ninfa ou dríade, Daphne. Um dos seres míticos que cuidavam de árvores, nascentes e outros elementos naturais, Daphne era filha de Peneus, um deus do rio da Tessália .

Sua história decididamente triste e violenta, na qual ela se transforma em árvore para escapar da atenção lasciva do deus Apolo, dá origem à antiga explicação da criação do loureiro, conhecido como “daphne” pelos antigos gregos.

A situação de Daphne continua a intrigar os artistas. Hoje, novas interpretações estão encontrando novas maneiras de ler esse mito influente e muito contestado, com seus temas de violência sexual e autonomia corporal.

Andrea Schiavone, Apollo and Daphne, 1542. Wikimedia Commons

Parthenius (1 º século aC-1 º século dC) fornece a versão mais antiga completa existente do mito de Dafne e Apolo. Como gramático, Parthenius coletou histórias de textos que agora perdemos para nós. Ainda assim, sua versão da história pode ser rastreada até trabalhos anteriores datados do século 3 aC, sugerindo que o mito é ainda mais antigo.

A versão de Partênio começa com Leucipo , filho do mítico rei de Pisa, apaixonando-se pela bela ninfa. Daphne foi favorecida pela deusa Artemis, que concedeu a ela o dom de atirar uma flecha reta. Leucippus planejou passar um tempo com Daphne vestindo-se de mulher e juntando-se a ela durante uma caçada.

Mas isso enfureceu Apolo, que também desejava Daphne. Ele encorajou Daphne e suas companheiras caçadoras a se banharem em um riacho próximo. Quando Leucipo se recusou a se juntar a eles, as mulheres o despiram, descobrindo seu ardil e o apunhalando com suas lanças.

Apollo, então aproveitou a chance :

mas Daphne, vendo Apolo avançando sobre ela, fugiu vigorosamente; então, enquanto ele a perseguia, ela implorou a Zeus que ela pudesse ser transladada para longe da vista mortal, e ela deve ter se tornado a árvore de louro que é chamada de daphne depois dela.

Apollo e Daphne de Rupert Bunny, início dos anos 1920. Wikimedia Commons

‘Destrua esta bela figura’

O poeta latino Ovídio (43 aC-17 dC) reconta a história de Daphne no Livro 1 de seu poema épico de mitos de transformação, as Metamorfoses . Ovídio explica que o desejo de Apolo foi causado por Cupido, a quem Apolo havia desprezado. Em resposta, o Cupido atirou em Apolo, fazendo-o sentir intensa paixão por Daphne. Mas ela foi atingida por outro tipo de flecha, garantindo que ela não retribuiria sua atração.

A versão de Ovídio retrata uma Daphne assustada fugindo de seu perseguidor com uma linguagem que a pinta como uma lebre caçada por um galgo. O medo de Daphne de ser pega por Apollo enquanto ele a persegue é evocado com realismo visceral. Sua transformação acontece quando ela não tem mais forças para correr:

Esgotadas as forças, empalideceu de medo e, vencida pelo esforço da sua fuga frenética e contemplando as águas de Peneus, gritou: ‘ajuda-me, pai, se as tuas águas possuem poder divino! Ao mudá-lo, destrua esta bela figura pela qual gerei muito desejo. ‘

Com sua oração mal completada, um pesado torpor apoderou-se de seus membros: seus seios macios estavam presos por uma fina camada de casca de árvore, seu cabelo cresceu em folhagem, seus braços em galhos; seus pés, agora tão rápidos, seguram-se firmemente em raízes lentas, uma crista possuía suas características faciais, apenas o esplendor permanecia nela.

Mesmo sem a forma humana, Daphne não é salva da luxúria de Apolo. Após sua transformação, Apollo estende a mão para tocar o tronco da árvore, que se encolhe diante dele.

Nos versos finais desse episódio, Ovídio revela o que Apolo faz com as folhas dessa árvore: elas são tecidas em uma coroa de louros e ao redor de sua aljava e lira, para serem utilizadas em rituais realizados em sua homenagem.

Enquanto Daphne é salva do ataque de sua forma humana, ela é, no entanto, objetivada à força por causa do desejo de Apolo.

Perda de si mesma

Apollo e Daphne de Bernini. Wikimedia Commons

Desde a antiguidade, a história de Daphne foi recontada continuamente – pintada, esculpida, encenada e analisada.

Podemos olhar para Daphne em todos os tipos de poses em museus e galerias por toda a Europa. A Galleria Borghese em Roma exibe Daphne de Gian Lorenzo Bernini sendo apreendida por Apollo em uma estátua de mármore em tamanho natural.

Concluído em 1625, ele retrata a intensa determinação de Apolo quando ele agarra a ninfa pela cintura com uma das mãos, embora ela esteja em processo de se transformar em uma árvore.

Embora seu rosto esteja assustadoramente calmo, o de Daphne reproduz o medo que ressalta a descrição de Ovídio.

Desse modo, a escultura de Bernini é a poesia de Ovídio em forma material. Obras-primas da arte e da literatura, respectivamente, nos comprometem pela beleza que retrata uma narrativa de tentativa de estupro.

Retrovisor da escultura de Bernini. Eva Petrilllo / Shutterstock

O Louvre tem a versão do mito de Giambattista Tiepolo, datada de aproximadamente 1774. Aqui, um bebê Cupido iça Daphne como se ela fosse uma bailarina, enquanto Apolo parece um tanto confuso. Um Peneus envelhecido cai no chão, aparentemente exausto de sua magia transformadora.

Enquanto a Daphne de Bernini fica chocada e traumatizada, a ninfa de Tiepolo – com sua narrativa de medo e sofrimento – foi domesticada para um público barroco refinado. Esta representação tola e passiva de agressão sexual é acentuada pelos delicados brotos de folhagem que crescem da mão direita de Daphne.

Giambattista Tiepolo, Apollo e Daphne, por volta de 1774.

Historicamente, os estudos mostram uma interpretação patriarcal profundamente arraigada do mito, tornando o papel de Daphne em sua própria transformação secundário em relação às ações do poder masculino, representado por Apolo.

A criação da coroa de louros, por exemplo, registrada por Ovídio, foi interpretada como um ato de luto, transformando o corpo transformado de Daphne em um símbolo da dor de Apolo .

As interpretações feministas , no entanto, nos lembram que a intenção de Apolo era estuprar Daphne. Assim, sua dor estava firmemente baseada em sua tentativa fracassada e nada mais. Essas interpretações nos encorajam a considerar a intensa violência inerente ao mito.

Como uma árvore frondosa e terrestre, a perda de si mesma de Daphne é tanto física quanto psicológica. Deixando de ser humana, ela perde a capacidade de se expressar por meio de seus traços faciais e o poder da fala. Como tantas mulheres nos mitos da transformação, Daphne está perpetuamente silenciada. Ela só pode “falar” através do farfalhar das folhas.

O peso da experiência histórica de assédio sexual, violação e estupro das mulheres também é vividamente narrado na história de Daphne. Ovídio, um mestre em narrativas de violência e abuso, revela o fardo de Daphne ao sugerir que ela se considera parcialmente responsável pela perseguição de Apolo. Em sua oração a seu pai, ela implora para ser aliviada de sua beleza, que ela acredita ter causado as ações do deus.

Seus apelos ecoaram por milênios na autocensura de muitas mulheres e em seu desejo de se tornarem invisíveis ao olhar masculino. Daphne atinge uma forma de invisibilidade – ou assim ela pensa – em sua nova forma como uma massa de folhas e cascas. Mas, como Ovídio nos diz, nem mesmo como uma árvore ela pode escapar da luxúria persistente do deus.

O puro absurdo de todo o mito levanta a questão: uma mulher prefere se tornar uma árvore do que ser estuprada?

Interpretações modernas

No século 20, Salvador Dalí, Paul Delvaux e Ossip Zadkine retrabalharam Daphne; pintando e esculpindo-a para um público modernista.

A escultura de Zadkine, Daphné (1958) espelha, mas zomba do trabalho de Bernini, tornando a ninfa uma poderosa árvore com raízes de grandeza monumental e desafio desajeitado. Ela, porém, permanece em silêncio.

Em uma nova exposição que abre no Centro Australiano de Arte Contemporânea de Melbourne, o público australiano pode ver algumas das encarnações de Daphne ao longo dos séculos, incluindo as primeiras obras, como a gravura de Apollo e Daphne de Anthonie Waterloo (anos 1650) e a gravura de Agostino dei Musi de 1515 .

Agostino dei Musi, Apollo e Daphne 1515, gravura, 23,0 x 17,0 cm. Galeria de Arte de New South Wales, adquirida em 1937. Fotografia: AGNSW

Obras tradicionais que celebram a chamada grandeza da mitologia clássica, tão em voga na Renascença (e além), são unidas e contestadas por interpretações concorrentes. Estes incluem Nature see you (2021), de Erik Bünger, um ensaio em vídeo sobre o gorila mundialmente famoso, mas inerentemente vulnerável, Koko; e 2 or 3 Tigers de Ho Tzu Nyen (2015), uma projeção digital que medita sobre tigres no contexto malaio.

Em ambas as obras, vemos a história de Daphne como uma natureza senciente na forma de gorila e tigre, e uma natureza tanto mítica quanto metafórica. Também vemos a natureza como silenciosa e, portanto, frágil em um mundo de deuses humanos que são tão cruéis e destrutivos quanto suas contrapartes míticas.

Ho Tzu Nyen, 2 ou 3 Tigers 2015 (vídeo estático), projeção HD sincronizada de dois canais, som de 12 canais, 18:46 min. Cortesia do artista e Edouard Malingue Gallery, Hong Kong

A humanidade de Daphne – sua feminilidade – também é referenciada na pintura sobre tela de Wingu Tingima, Kawun (2005). Baseado na tradicional história indígena australiana das Sete Irmãs, a obra de Tingima sugere o trauma das mulheres enquanto viajam para escapar dos desejos do Ser Ancestral Nyiru , que está determinado a tomar uma delas como esposa.

Como Daphne, as irmãs escapam subindo ao céu e se transformando na constelação conhecida como Plêiades .

Esta rica exposição aborda o mito de Daphne de muitos ângulos. Trabalhando para frente e para trás ao longo do tempo, misturando formas tradicionais de ver com narrativas contemporâneas vitais (incluindo o Antropoceno, #MeToo e pós-humanismo ), é um lembrete desconfortável do poder do mito e sua própria vulnerabilidade às forças de transformação.

Uma biografia de Daphne é inaugurada no Australian Centre for Contemporary Art em Melbourne em 26 de junho e vai até 5 de setembro de 2021.

Autores

  1. Marguerite Johnson é professora de Clássicos, University of Newcastle
  2. Tanika Koosmen é candidata a PhD, University of Newcastle

 Fonte: Portal BRASIL CULTURA