O ano marcou uma série de
manifestações ao redor do mundo; confira a entrevista com a historiadora
Angélica Müller sobre a época no País
O ano era
1968 e o mundo - incluindo o Brasil -
passava por diversas mudanças. Na França , o
governo de Charles de Gaulle propunha mudanças cada vez mais assertivas geranto
uma revolta icônica da população. Se por um lado as medidas liberais e
conservadoras se faziam hegemônicas, o movimento estudantil francês buscava
lutar contra essa ascensão, reivindicando diversos direitos políticos e
sociais. As greves foram constantes e, as reações policiais, mais ainda. O
conflito já estava generalizado e ao lado dos operários, os franceses iniciaram
uma greve geral durante o mês de Maio de 68.
Wikipedia
 |
Cena da passeata dos Cem Mil que
aconteceram após o Maio de 68 francês |
Leia também: Há 20 anos fotografando a Família Real, Tim Rooke relembra momentos marcantes
Apesar da
efervescência política – e também comportamental e cultural – no país, as
mudanças não eram exclusivas da França. Para a professora do instituto de
História da UFF e pesquisadora associada do centro de história social do século
XX da Universidade de Paris, o Maio de 68 para
o Brasil foi o Março de 68. “O meio francês é o mais reconhecido em todas as
contestações que existiram, mas na verdade você tem dos Estados Unidos, o
Japão, países da África, todos com rebeliões que estão contestando o movimento
em voga”, comenta.
Leia também: Alvo de preconceito, K-Pop extrapola música e se consolida como cultura viva
Segundo a
pesquisadora, na América Latina o despertar começou com muita influência da
revolução cubana, que acabava de acontecer mostrando que havia uma
possibilidade de mudanças. Em contrapartida, o Brasil fechava o primeiro ciclo
do governo ditatorial de Castelo Branco com crescimento da militarização.
 |
Reprodução |
Morte de
estudante causou revolta durante o mês de março de 1968 no Brasil.
O ápice,
entretanto, veio em Março de 1968 durante uma manifestação estudantil por
melhores condições no restaurante Calabouço que teve como fim a morte do
estudante Edson Luís. “Tem uma conjuntura muito específica. É bem verdade
também que a própria conjunta francesa política pauta o movimento de lá que se
tem uma ideia na memória que o movimento francês é muito maior em termos
culturais e de comportamento, o que necessariamente não é uma verdade”,
explica.
Tempos
depois, a passeata dos Cem Mil emergiu no Rio de Janeiro protestando contra a
violência policial e, em especial, contra a morte do jovem de 18 anos. Na
época, o fotojornalista Evandro Teixeira ganhou destaque pelas suas imagens
fazendo registros que até hoje são utilizadas para relembrar o momento no país.
Suas peças acabaram servindo de inspiração, inclusive, para que outras
performances artísticas sobressaíssem no país, como Carlos Drummond de Andrade
que compôs o poema "Diante das fotos de Evandro Teixeira".
 |
A cultura no Maio de 68 - Divulgação |
A Tropicália foi um movimento que
revolucionou a cultura brasileira. Na música, foi representada por Jorge Ben
Jor, Os Mutantes, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Nara Leão
Nesse âmbito
de efervescência cultural, a historiadora relembra que, no ano anterior no
Brasil em âmbitos culturais, os festivais de música traziam muita música
engajada como a MPB de Chico Buarque e Elis Regina. Entretanto, nem tudo foram
flores. “É nesse ano que entra a tropicália. Eles são vaiados porque parte
dessa juventude mobilizada do movimento estudantil era bem conservadora em
termos comportamentais e estéticos. E quando digo conservadora é homofóbica e
machista. Naquela época o feminismo nem era pauta”, comenta.
Leia também: Tropicália emergiu como voz contra ditadura e ecoa até os dias atuais
Ainda que o
Brasil mostrasse uma tendência de se abrir para o novo em termos culturais,
algo que para a França já não era uma questão central, essa nova trajetória foi
sentida só mais tarde, com influências também de outros movimentos, como o de
contracultura dos Estados Unidos. “Certos anos que eles não podem ser reduzidos
a um único calendário. O ano de 68 acaba abrindo uma certa agenda política e
cultural, mas não se pode reduzir 68 só aos acontecimentos daquele ano, temos
que entender o que está antecedendo em conjuntura maior e ver os desdobramentos
disso”, comenta.
Ainda que emergiam novas formas de pensamento e de se expressar no País,
o fim do ano de 1968 terminou com a instauração do Ato Institucional nº 5
(AI-5), que ficou conhecido por ser o mais severo de todos em que a cultura
sofreu uma forte censura do governo. Os reflexos, por sua vez, apareceram nos
anos 1970, trazendo como um ícone do momento o festival da gravadora Phonogram
 |
Reprodução |
Chico
Buarque e Gilberto Gil tiveram o microfone desligado durante apresentação
Com a música
Cálice, que trazia diversas metáforas em que a crítica ao governo ditatorial
era praticamente explícito, Chico Buarque e Gilberto Gil subiram ao palco
e tiveram os seus microfones cortados quando iniciaram a executar a canção.
“Parte do movimento estudantil ainda estava tentando fazer luta armada, outra
parte estava dentro das universidades fazendo luta pacífica e utilizando de
ferramentas culturais”, comenta a historiadora.
Influências francesas
 |
Reprodução |
Glauber
Rocha ficou conhecido pelo "Cinema Novo" no fim dos anos 1960.
A relação do
Brasil com a França, por outro lado, não era de grandes convergências. “Naquela
época tínhamos uma estética no Brasil de produção cultural que era muito
voltada para valorização do nacional. Temos Glauber Rocha, por exemplo, com o
cinema novo em 1968, que vai falar sobre esse país eldorado”, afirma. Este
cenário por sua vez explica a reação à contracultura tropicália, que trazia
influências externas, e a exaltação do MPB.
Ainda que
Caetano Veloso com sua inovação musical ressurge na época com a frase “É
proibido proibir”, retirada dos cartazes das manifestações de Maio de 1986 na
França, a historiadora defende que, diretamente, o Maio de 68 não influenciou
nos acontecimentos culturais no País.
“Dizer que o
envolvimento de contestação ocorre por conta de um movimento francês não faz
sentido porque temos todas essas especificidades. Entretanto, os eventos acabam
conectando-se porque são construídos e reconstruídos em âmbito local”, explica.
“A gente pode pensar que, de certa maneira, aquela época era o início de
uma determinada pauta global. 68 é uma tomada de consciência coletiva”,
finaliza.
Fonte: http://gente.ig.com.br/cultura/2018-05-10/maio-68-no-brasil.html