Legalizado pela reforma Trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB), em 2017, o ‘bico’ passou a ser chamado de ‘trabalho intermitente’, uma forma de contratação em que os patrões exploram a mão de obra pagando somente pelas horas trabalhadas.
"Isso
não é emprego, é escravidão. Só falta colocar a corrente no pé das
pessoas". Foi assim que o ex-presidente Lula (PT), um crítico ferrenho da
reforma de Temer, que destruiu mais de 100 itens da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), definiu o trabalho intermitente em discurso em Olinda (PE), na
semana passada.
E Lula tem razão. Por este modelo, o trabalhador é convocado a realizar a atividade profissional por um tempo determinado, de acordo com a conveniência do patrão, sem cumprir uma jornada fixa e, dependendo de quanto ganha e de quantas vezes for chamado, pode ganhar por mês menos de um salário mínimo, hoje de R$ 1.212.
O PortalCUT ouviu especialistas para saber quais
as regras do trabalho intermitente, quais os direitos dos trabalhadores, como
fica a aposentadoria e as obrigações dos patrões.
Veja quais são as regras e os direitos nesta foram de contratação:
O trabalhador tem os mesmos direitos que os
demais trabalhadores de jornadas fixas, porém, proporcionais às horas que
trabalha, ou seja, nos períodos em que é convocado pelo patrão.
1 – Carteira de trabalho: a
contratação é feita por escrito e o registro deve constar em carteira de
trabalho,
2 – Valor da hora: uma das
dúvidas que sempre surgem em relação à remuneração do intermitente é sobre a
impossibilidade ser menor do que o salário mínimo. O advogado especialista em
Direito do Trabalho, sócio do LBS Advogados, Fernando Hirsche explica que “sim,
pode acontecer”.
“Sempre a proporcionalidade por hora trabalhada
em relação ao salário mínimo deve respeitada. Se ele trabalhar menos que uma
jornada normal, trabalhar apenas 10 horas, por exemplo, pode receber menos que
o mínimo”, ele diz.
Ou seja, a hora trabalhada não pode ter valor
inferior ao valor de referência da hora do salário mínimo. Como exemplo, se a
jornada da categoria for como a da maioria das categorias, de 220 horas
mensais, o valor da hora, levando em consideração o salário mínimo atual, será
de R$ 5,51.
O valor também não pode ser inferior ao pago para
os demais funcionários que exercem a mesma função na empresa.
O pagamento não pode exceder o prazo de 30 dias a
partir da convocação. Sobre o valor pago, já incidem as verbas
proporcionais referentes a férias e 13° salário.
3 – Férias: por ser a mesma
regra das contratações habituais, os períodos são de 30 dias, concedidos a cada
12 meses, que podem ser fracionadas em três períodos.
Neste caso, os trabalhadores não recebem
adiantamento de férias e 1/3 de férias pois esses valores estão incluídos no
pagamento feito ao final de cada convocação.
4 - 13° Salário: assim como
no caso das férias, o abono de fim de ano é pago junto com a remuneração que o
trabalhador recebe ao final da convocação.
5 – FGTS: o
recolhimento para o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é feito pela
empresa, com base na remuneração paga ao trabalhador. Em caso de demissão sem
justa causa o trabalhador tem o direito de sacar comente 80% do saldo
depositado na conta do fundo.
6 – Seguro-desemprego: o
trabalhador com contrato intermitente não tem direito ao benefício, mesmo
quando é demitido sem justa causa.
7 – Contribuições ao INSS
As contribuições ao Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) e, portanto, as garantias previdenciárias do trabalhador com
contrato intermitente de trabalho é outro item falho da legislação, muito
criticado por especialistas e dirigentes sindicais que lutam pelos direitos da
classe trabalhadora.
“Para pagar um mês de contribuição ao INSS, é
preciso trabalhar dois ou três meses e isso torna quase impossível a
aposentadoria para os intermitentes”, diz o secretário de Assuntos Jurídicos da
CUT, Valeir Ertle, que acrescenta: “Como disse Lula, é uma forma de
escravidão”.
“Os salários menores representam menores
contribuições e, com todas as dificuldades impostas pela reforma da Previdência
[aprovada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2019] para poder se aposentar,
o trabalhador teria de conseguir trabalhar em mais de um emprego com contrato
intermitente”, complementa a técnica do Dieese, Rosângela Vieira.
Relação empresa x trabalhador
1 – Prazo para convocação: é dever da
empresa convocar o trabalhador respeitando a antecedência de 72 horas. Não pode
‘avisar de última hora’.
A partir da convocação o trabalhador tem até 24
horas para aceitar ou não. Se não responder a empresa entenderá como se o
trabalhador tivesse recusado atender ao chamado.
A convocação, em geral, é feita por meios que
permitam um registro do contato, como mensagem de texto ou áudio no WhatsApp,
e-mail etc.
2 – Multas para trabalhador ou empresa
Caso o trabalhador ou a empresa não cumpra as
regras depois de acertar como fazer
a convocação, há uma multa de 50% da remuneração prevista,
que deverá ser paga no prazo de 30 dias. Se o trabalhador desobedecer as regras
ele terá de pagar. Se for a empresa, é ela que pagará a multa.
Ou seja, no caso do trabalhador, se ele for
chamado e aceitar o trabalho, mas por qualquer motivo não puder cumprir, terá
de pagar metade do que receberia de remuneração.
No entanto, a lei prevê a possibilidade de
compensação dessa multa também no prazo de 30 dias.
3 – Jornadas: as empresas devem manter
períodos de inatividade entre uma convocação e outra. Caso o trabalhador atinja
o limite de 44 horas semanais ou 220 mensais, conforme estabelece a CLT, ele
passa a ser considerado trabalhador tradicional e não mais intermitente.
Não há um limite mínimo para convocações. O
trabalhador, por exemplo, pode ser chamado para cumprir apenas uma hora em um
mês ou até mesmo, nem ser convocado.
Formalidades
1 – Contratação
Os contratos de trabalho devem ter a identificação
da empresa, do empregado, o valor combinado e a forma de pagamento, o prazo
para pagamento, local e horários de trabalho (diurnos ou noturnos), as formas
de contato para convocação e regras de como proceder em casos de desistência da
convocação.
2 – Rescisão
A rescisão do contrato é automática quando há a
inatividade por mais de 12 meses.
Pode ocorrer também por demissão
com justa causa e rescisão indireta – quando o trabalhador
decide romper o contrato por quebra de alguma regra do contrato.
Ou ainda a demissão
sem justa causa. Neste caso a empresa terá de arcar com verbas
rescisórias e aviso prévio calculados com base nos meses em houve atividade,
efetivamente.
Panorama do trabalho intermitente
A reforma Trabalhista, conforme alertou a CUT,
foi uma das ações orquestradas pela direita brasileira, que incluiu o golpe
contra a presidenta Dilma Rousseff e que, como denunciava a Central e suas
entidades, era um golpe contra a classe trabalhadora. A afirmação é do
secretário de Relações do Trabalho da Central, Ari Aloraldo Nascimento.
Ele afirma que o que mais chama a atenção e
precisa ficar claro para os trabalhadores é que a reforma foi anunciada como
uma grande ação que geraria no mínimo seis milhões de empregos, o que não
aconteceu e, pior, legalizou formas precárias de contratação que tiraram
direitos e reduziram a renda dos brasileiros. “E o trabalho intermitente é um
destaque dessa mentira que foi a reforma Trabalhista”, ele diz.
“Não é através do trabalho intermitente que se
garante trabalho, renda e vida dignas a esta parcela da classe trabalhadora. É
com a garantia de todos os direitos e conquistas trabalhistas, tais como férias
remuneradas, descanso semanal remunerado, piso da categoria, adicional de hora
extra, medidas de saúde e segurança, negociação coletiva, reajuste salarial”,
reforça o dirigente.
Ao contrário do que dizia o governo Temer, a
flexibilização das leis trabalhistas não gerou os empregos prometidos.
Dados levantados pelo Departamento Intersindical
de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base no Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho mostram que,
em 2020, o número de trabalhadores nesse regime foi de 199.604, um aumento de
223% em relação a 2018, ano seguinte a promulgação da reforma (em novembro de
2017) quando eram 61.705 trabalhadores intermitentes
Em termos de remuneração, a média de rendimentos
desses trabalhadores, em 2020, foi de 601,08, cerca de metade de um salário
mínimo, que naquele ano foi de R$ 1.045,00.
Outro dado levantado e que mostra que era mentiroso um dos argumentos para legalizar o trabalho intermitente – o de que trabalhadores poderiam prestar serviços para vários patrões e, assim, até ganhar mais do que a média salarial nacional. Não é o que acontece. A média traabalhada em 2020 ficou em 12 horas por semana, enquanto a média nas contratações habituais, com jornada fixa foi de 40 horas.
Os setores que mais se utilizaram dessa foram de
contratação foram o de serviços (47%) e o comércio (22%).
Com base nos dados do Caged, o dirigente da CUT
avalia que este tipo de inserção no mercado de trabalho ainda se mantém
reduzido já que, “apesar de a reforma legalizar o bico ainda há a possiblidade
de manter relações trabalhistas informais, que são milhões no Brasil hoje, ou
seja, trabalhadores sem nem ao menos os poucos direitos que a contratação
intermitente mantém”
A afirmação de Ari Aloraldo é atestada por outra
especialista no assunto. “O trabalho intermitente foi incapaz de resolver a
deterioração do mercado de trabalho brasileiro. Foi somente a legalização do
trabalho precário que já existia”, diz a técnica do Dieese, Rosângela Vieira.
Fonte: CUT NACIONAL