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segunda-feira, 6 de maio de 2019

Deputado Allyson Bezerra se pronunciou-se neste domingo (05) sobre o corte orçamentário de mais de R$ 100 milhões anunciado pelo Governo Federal para a área da Educação.

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Imagem do Google - Dep. Allysson Bezerra

Boa noite, caros jornalistas.

Segue release do Dep. Est. Allyson Bezerra.

 "Precisamos agir", diz deputado Allyson Bezerra sobre corte na Educação.

O deputado estadual Allyson Bezerra (Solidariedade) se pronunciou neste domingo (05) sobre o corte orçamentário de mais de R$ 100 milhões anunciado pelo Governo Federal para a área da Educação.
UFRN, UFERSA e IF's têm comprometimento de suas atividades, prejudicando milhares de alunos e serviços que prestam à sociedade, no ensino, pesquisa e extensão.

"Conheço bem essa realidade, como ex-estudante do IF e Ufersa. Acho equivocado se pensar em desenvolvimento, crescimento econômico e bem-estar social, com desmonte do ensino público. Precisamos agir. Comecei a contactar com colegas deputados estaduais e outras autoridades, para mobilizarmos nossa bancada federal", afirmou Allyson Bezerra.

"A reação à medida começa a se espalhar pelo país. Acredito que a integração de forças em cada estado, com esforços no campo do Congresso Nacional, é o caminho para revertermos essa decisão", concluiu o deputado.

Fonte: Assessoria de Comunicação do Deputado.

Na briga das TVs, o rádio esportivo vence

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Por Rafael Duarte Oliveira Venancio*, especial para os Jornalistas Livres

Em jogo sem câmeras entre CSA e Palmeiras pelo Campeonato Brasileiro, o velho campeão de audiência, e emoção, entra novamente em campo.

A atual problemática dos direitos de transmissão do futebol brasileiro entre os clubes e as televisões, notadamente a Globo e o Esporte Interativo, produz a cada rodada um novo capítulo. Um capítulo que decidirá o futuro da comunicação em nosso país.

Já escrevemos sobre isso anteriormente nos Jornalistas Livres, em 2017, no artigo “O futebol não será televisionado” (link aqui – https://jornalistaslivres.org/o-futebol-nao-sera-televisionado/), quando Athletico e Coritiba sem acordo com a Globo, transmitiram o seu jogo pelo Campeonato Paranaense pelo “ao vivo” do Facebook e do YouTube em suas contas oficiais nestas redes sociais.

No entanto, agora na segunda rodada do Campeonato Brasileiro de 2019, houve uma significativa diferença no Estádio Rei Pelé, em Maceió-AL, entre CSA e Palmeiras. Não havia câmeras de transmissão, apenas as do VAR (Video Assistant Referee, na sigla em inglês para Árbitro Assistente de Vídeo).

Isso aconteceu porque o Palmeiras não possui acordo com a TV Globo e o CSA não o tem com o Esporte Interativo. Logo, as câmeras lá postas eram apenas as do VAR no acordo entre a Confederação Brasileira de Futebol – CBF e a Globo, sob a alcunha de CBFtv.

Seria um jogo que ninguém dos conglomerados de comunicação resolveria ir? Claro que não! Um velho herói esportivo surgiu com renovada força: o rádio.

Ora, a briga entre Globo e Esporte Interativo – cujo principal protagonista é o atual campeão brasileiro, a Sociedade Esportiva Palmeiras – é uma dita “briga de cachorro grande”.

Em outubro de 2018, em entrevista à Jovem Pan, o presidente do Palmeiras, Maurício Galliote descreveu como seria o acordo em vigor entre 2019 e 2024: “A Globo apresentou um contrato com algumas penalizações, algumas situações em que não concordamos. Além de números muito inferiores ao que a gente pede. Quando apresentamos a proposta para a Globo foi com números: qual o tamanho da nossa torcida, qual é o nosso público, qual é a nossa audiência, qual é a nossa perspectiva para ganho de títulos. Então nossa proposta está na mesa e vamos defender nossos números, porque temos total convicção que esses números são verdadeiros”

NÃO EXISTE NENHUMA MANEIRA DO PALMEIRAS ROMPER COM O ESPORTE INTERATIVO.

“Temos o contrato com eles e o Esporte Interativo é que transferiu para a TNT”. Este contrato é estimado em 100 milhões de reais.

Por outro lado, a Globo faz valer sua pressão econômica com os times que assinaram com ela. Esse é o exemplo do CSA, que disputa uma Primeira Divisão Brasileira após quase três décadas. O clube alagoano tem contrato de exclusividade com a Globo. Assim, sem a anuência do Palmeiras para a Globo e a proibição de possibilidade de acordo pontual do CSA com a Esporte Interativo, o jogo não pode ter sua imagem transmitida.

Em um primeiro momento, dizia-se que a TV Palmeiras faria uma transmissão  próxima daquela que já faz, porém com as câmeras viradas para os locutores. Inicialmente foi descartada por “problemas técnicos” e o clube fez a divulgação que a sua TV seria como se fosse uma rádio, fazendo alusão no tweet de chamada a um torcedor palmeirense ouvindo no bom e velho radinho de pilha. No entanto, já com o jogo começado, a TV Palmeiras fez a sua transmissão mostrando os locutores, algo próximo do que faz a Rádio Jovem Pan em seu canal no YouTube.

Restou apenas o bom e velho áudio e seu campeão comunicacional: o rádio, seja nos FMs dos aparelhos ou em suas modernizadas transmissões via YouTube ou Facebook.

A primeira a propagandear isso foi a rádio Transamérica 100,1 FM de São Paulo através de um apelativo tweet. Logo depois, os demais grandes grupos comunicacionais – tal como Rádio Bandeirantes – mandaram equipes. Outras rádios optaram por transmitir o jogo entre Corinthians e Chapecoense, realizado em São Paulo no mesmo horário de CSA e Palmeiras.

Na transmissão da Transamérica, o locutor Gavião lia frases dos ouvintes tais como

“QUE SAUDADE DE OUVIR UM JOGO QUE SÓ EXISTE NO RÁDIO”

e “Eu sigo a Transamérica porque ela não nos abandona.”

Já na transmissão da Rádio Bandeirantes, o nosso colega radialista André Russo me mandou prints muito interessantes onde havia alguma estranheza (como se fosse ruim assistir um jogo apenas com o áudio), mas muita redescoberta, tal como se o futebol voltasse para um querido e bom parceiro amoroso. Um desses prints pode ser visto a seguir.
Ora, em um trocadilho com a famosa música do The Buggles, sabemos que a TV matou a estrela de futebol radiofônica. Leônidas e Zizinho eram gigantes tal como Pelé, mas o Rei do Futebol surge junto com a popularização do futebol na TV na metade dos anos 1950, enquanto os outros dois – imensos craques dos anos 1930 e 1940 – tinham suas jogadas geniais irradiadas apenas.

Nos anos 1970 e 1980, programas de humor (ou seria de comédia ficcional – estou fazendo um pós-doutorado sobre isso para entender) tal como o Show de Rádio de Estevam Sangirardi e locutores excepcionais como Osmar Santos chamaram o futebol de volta para o rádio. Surgira até a mania de colocar a TV no mudo e ouvir pelo rádio simultaneamente.

Dos anos 1990 para cá, a Globo consolidou um estilo de transmissão onde o rádio fora novamente esquecido. Na minha opinião até agora, 2019. Com o uso do YouTube e das demais mídias sociais, os radialistas esportivos ganham novo fôlego. As TVs brigam mais um pouco em cima do desafio da Internet e do DIY inerente a ela. Nisso, o rádio – que se reestruturou enquanto podcast, audiocast, audiostreamming ou mesmo mídia sonora digital – nada de braçada.

Teremos mais jogos nessa situação antes da Copa América em junho: Chapecoense x Athletico (5/5), Atlético-MG x Palmeiras (12/5), Botafogo x Palmeiras (25/5), Chapecoense x Palmeiras (2/6), Palmeiras x Avaí (13/6) e Goiás x Athletico (13/6). É de observar.

No entanto, nesta rodada do 1º de maio, o jogo pode ter sido empate entre CSA e Palmeiras, mas o rádio esportivo ganhou de goleada das TVs em briga.

Jornalista, pós-doutorando da Universidade de São Paulo e professor da Universidade Federal de Uberlândia.

Irene, a potiguar que transformou o luto em luta por moradia


O Jornalistas Livres entrou na ocupação 9 de julho, em São Paulo, e encontrou Irene da Silva, aposentada potiguar que virou militante pelo direito à moradia aos 60 anos de idade. Ocupação transformou prédio abandonado no centro de São Paulo em lar para famílias que não tinham para onde ir.

Ocupado desde 2016, o antigo prédio do INSS na Avenida 9 de Julho, em São Paulo, é hoje uma das ocupações modelo no país. Abandonado na década de 1970, o prédio já foi palco de inúmeras reintegrações de posse e ocupações. Atualmente 120 famílias vivem no prédio. São aproximadamente 450 trabalhadores e trabalhadoras de baixa renda, brasileiros e imigrantes que, dia a dia, transformam um local antes abandonado, depredado e sem função social, em um lar organizado, com capacidade residencial e produtiva.

Em meio a essas pessoas, uma potiguar: a aposentada Irene da Silva, de 66 anos. Natural de Sítio Novo, cidade com pouco mais de 5 mil habitantes no Agreste do Rio Grande do Norte, ela tem uma história de vida com muitos trechos comuns aos milhares de nordestinos que fizeram e ainda fazem a travessia em busca de uma vida melhor em São Paulo.

De família de agricultores, dona Irene viveu até os 16 anos na zona rural. O pai era vaqueiro, trabalhava para fazendeiros da região. Sem alternativa de emprego, ela e os quatro irmãos foram para a pequena cidade de Sítio Novo, onde a mãe arrumou emprego como empregada doméstica na casa do prefeito. A jovem seguiu para Natal e, repetindo o destino da mãe, também foi trabalhar como “doméstica”. Alguns anos se passaram e, após uma passagem por Manaus, chegou em São Paulo:

“Nessa época ainda tinha emprego. Os nordestinos que chegavam se ocupavam rápido na construção civil, como porteiro, cozinheiro, manobrista…Eu fui ser empregada doméstica novamente. Morei por três anos no meu primeiro trabalho aqui ”, conta.
Ocupação 9 de julho transformou antigo e abandonado prédio do INSS num lar para 450 pessoas.

Dona Irene casou, teve duas filhas e viveu uma vida simples e digna na maior metrópole do país, sempre trabalhando. Foi também ASG, costureira, office-boy e cuidadora. O marido, de Maceió, era garçom. Com as duas rendas eles sustentavam a família e pagavam aluguel, sempre no centro da cidade. Mas os anos passaram, o Brasil mudou e, muitas crises econômicas depois, Dona Irene, já viúva e idosa, se viu sem condições de pagar aluguel.

Foi então que, através de uma sobrinha envolvida com o Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), surgiu a oportunidade de se mudar para uma das ocupações:
“Eu só não vim antes porque eu tinha medo, e não era dos outros moradores não. Eu tinha medo da polícia, de ser expulsa, de sofrer algum tipo de violência junto com as minhas filhas durante uma possível reintegração de posse. Mas criei coragem e vim. Morei primeiro na Ocupação do antigo Hotel Cambridge e estou aqui na Ocupação 9 de julho há cerca de um ano”, explica.
“Eu só não vim antes porque eu tinha medo, e não era dos outros moradores, não. Eu tinha medo da polícia, de ser expulsa, de sofrer algum tipo de violência”

A filha mais nova vive com ela e a mais velha, casada, também mora na Ocupação 9 de julho, em outro apartamento.

Hoje Irene espera ansiosamente para realizar o sonho da casa própria. Em até dois anos deve ser contemplada com um imóvel desapropriado que agora integra o programa de empreendimentos populares da Prefeitura de São Paulo. Mas garante que, independentemente disso, vai continuar militando:

– “Aprendi muito e aprendo todos os dias aqui dentro. Aqui são as mulheres que lutam. No último dia 8 de março, um grupo de mulheres ocupou um prédio para mostrar aos nossos governantes o que mulher sabe fazer. Minha vida deu uma reviravolta, mas não há mal que não venha para o bem. Cheguei nova em São Paulo, trabalhei, trabalhei e nunca consegui comprar minha casa. Chegava na Caixa Econômica Federal e dava com a cara na porta. Agora, com a ajuda do movimento, vou realizar esse sonho e o melhor: sem sair do Centro”, orgulha-se.

“A gente vive em vários Brasis”
A baiana Carmem Silva é uma das lideranças da Ocupação 9 de julho.

A Ocupação 9 de julho é coordenada pelo Movimento Sem Teto do Cento (MSTC), que organiza também outras cinco ocupações na região central de São Paulo.  A sigla faz parte da Frente de Luta por Moradia (FLM), que agrega outros movimentos sociais do qual fazem parte cerca de 25 mil famílias espalhadas pelos quatro cantos da cidade. A missão principal é mobilizar e organizar cidadãos que estão na luta por moradia digna. O movimento promove ações e debates, junto ao governo e à sociedade civil, para que o direito constitucional de acesso a moradia seja cumprido pelo Estado.

A baiana Carmen Silva é a líder do MSTC. Nascida em Santo Estevão, no Recôncavo Baiano, filha de um militar e de uma empregada doméstica, ela casou aos 17 anos na tentativa de escapar do machismo do pai. A tão sonhada liberdade seria apenas ilusão. “Só fiz transferir o problema. Fiquei casada por quase 16 anos e aos 32 vim para São Paulo. Sofri muita violência doméstica até conseguir tomar as rédeas da minha vida”.
Vítima de violência doméstica, Carmem enfrentou e conquistou São Paulo.

Carmen acredita ter sido salva pela política:

– “A gente vive em vários Brasis. Os governantes fazem questão de estabelecer essa gentrificação territorial para nos dividir. É uma estratégia da minoria dominante que nos separa culturalmente e nos enfraquece. Enfrentei muito preconceito quando cheguei, fui parar nas ruas, depois em um albergue e lá fui apresentada aos movimentos sociais. Quase três décadas depois, posso dizer que também sou cidadã paulistana porque conheço essa cidade como poucos e adquiri a compreensão geopolítica necessária para discutir políticas públicas de direito à cidade”, conta antes de explicar o papel do movimento na Ocupação:

“O papel do MSTC é organizar trabalhadores para cobrar do Estado. Se a gente ocupa é porque está abandonado e sem função social. O cidadão de menor renda não precisa ficar isolado em glebas, nas periferias extremas. Ele pode sim viver no coração da cidade e ter acesso a tudo o que ela oferece. Em todas as capitais brasileiras existem vazios urbanos – empreendimentos erguidos apenas para fins especulatórios. Enquanto isso, os governos não desenvolvem políticas públicas eficientes no âmbito da moradia. É aí que entram os movimentos sociais. A gente toca a luta pelo direito de existir”.

Almoços de domingo tamanho família.
Almoços mensais na Ocupação 9 de julho têm programação cultural ativa e é aberto à população.

Tem luta e sobretudo alegria e afeto. A gestora cultural Laura Maringoni faz parte do Aparelhamento, um grupo que desde 2017 atua em parceria com o MSTC na Ocupação 9 de julho. Eles montaram uma cozinha industrial no prédio, que é utilizada exclusivamente durante ações coletivas. Uma das principais é o almoço mensal. Aberto ao público, o evento é considerado hoje a principal vitrine do movimento. Chama atenção para a causa e estreita laços com uma parcela privilegiada e influente da população paulistana.

“Essa troca é muito importante até mesmo para desconstruir a ideia que as pessoas tem dos moradores de ocupações. Imagem inclusive que é fomentada pela grande mídia. Aqui não tem bagunça, não tem bandido. São famílias. Cidadãos que não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive, por exemplo, e que merecem ter direito à moradia”, conta.
Artistas como Otto, Zeca Baleiro, Chico César e Anelis Assumpção já se apresentaram na Ocupação 9 de julho.

O que era apenas comida farta, foi ganhando corpo com o passar do tempo e se transformou em um grande acontecimento cultural. A movimentação artística é intensa. Cantores como Otto, Zeca Baleiro, Chico César e Anelis Assumpção já se apresentaram por lá. Além da música, tem oficinas, exposições e todo tipo de intervenções artísticas. Cultura é palavra de ordem e as ações nesse sentido não acontecem apenas durante o evento. Semanalmente, por exemplo, os moradores participam de uma oficina de desenho.

“Quando se fala em direito à moradia, não significa apenas um espaço físico, um teto sobre a cabeça. Morar é ter acesso à saúde, à educação, ao transporte público, à saneamento básico e, claro, à cultura. Trazendo as pessoas de fora aqui para dentro, a gente cria um cordão afetivo em volta desse lugar e isso se transforma em proteção para a causa”, justifica.

Laura reforça o viés político do movimento. Para ela, quem se envolve de qualquer forma está se posicionando:

“Só podemos pensar em uma sociedade melhor, mais justa e mais equânime se a gente descruzar os braços, se unir e trabalhar. É preciso lutar juntos, de forma prática, por uma sociedade diferente da que temos hoje. Mais que nunca, precisamos resistir”, explica.

Fonte: Jornalista Livres

“Financiamento público da cultura não é uma questão ideológica”

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Foto: Gustafo Stefano. Fonte: Rede SP de Memória e Museologia Social, 2018.

Diretor do Sistema Estadual de Museus de São Paulo fala sobre programas e projetos, precariedade dos equipamentos culturais, orçamentos e nossa classe política anticultura.

Reportagem: Humberto Meratti / Revisão: Jéssica Souza (Coletivo Balaioo)

Na última semana, estive nas dependências da Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo e obtive uma entrevista exclusiva com, Davidson Panis Kaseker, mestre em museologia pela USP, e Diretor do Grupo Técnico de Coordenação do Sistema Estadual de Museus de São Paulo (SISEM-SP), desde 2013. Kaseker é considerado por muitos gestores públicos, um militante cultural ferrenho na área.

Meratti: O que é o Sistema Estadual De Museus De São Paulo (SISEM-SP) e quais suas respectivas responsabilidades enquanto órgão vinculado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo?

Kaseker: O Sistema Estadual de Museus de São Paulo, foi criado em 1986, é o sistema de museus mais antigo do país. Sua função é congregar e articular os museus paulistas, com o objetivo de promover a qualificação e o fortalecimento institucional em favor da preservação, pesquisa e difusão do acervo museológico do Estado. No último mapeamento, realizado em 2010, foram listadas 415 instituições museológicas públicas e privadas, distribuídas em 190 municípios do Estado. Trata-se de um conjunto muito expressivo de museus, bastante heterogêneo, com instituições de distintos portes e estágios de desenvolvimento, que colocam São Paulo em destaque no campo da mediação da memória, o que só aumenta a nossa responsabilidade no que diz respeito à formulação e implementação de políticas públicas para a área.

M: O SISEM atua em todos os estados brasileiros?

K: Nem todos os Estados contam com sistemas de museus, mas todos aqueles que têm um número significativo de instituições museológicas criaram este tipo de organismo, o que é de vital importância para a atuação em rede e a qualificação das instituições museológicas brasileiras.

Mi: Como o SISEM-SP vem se estruturando e atuando neste momento atual de retrocesso, com a falta de investimento e o congelamento de recursos e, até mesmo a reduções orçamentárias?

K: O SISEM-SP se estrutura em torno de premissas de parceria e responsabilidades compartilhadas, isso requer o envolvimento de parceiros institucionais como as prefeituras e instituições do terceiro setor, além dos próprios profissionais da área. Para tanto, criamos uma instância participativa de representações regionais, composta por voluntários, o que nos permite ampliar a capilaridade de nossa atuação. Dessa forma, as ações previstas para cada região administrativa são concebidas levando-se em conta o contexto, as demandas e as potencialidades locais e regionais. Ao todo, o sistema atua em cinco linhas de ação principais: articulação, apoio técnico, comunicação, formação e fomento. Neste momento, com sucessivas reduções orçamentárias sofridas nos últimos quatro anos devido à crise econômica que o país atravessou, nossos esforços têm sido direcionados a preservar as ações estruturantes e buscar a recuperação orçamentária. Nem por isso deixamos de manter constante interlocução com os profissionais dos museus, atuando fortemente por meio de nosso site, onde disponibilizamos para consulta e download materiais técnicos de grande utilidade para a atuação na gestão cotidiana dos museus, assim como tempos forte presença nas mídias sociais.

M: Qual é a situação atual do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)? Existe algum tipo de atividade conjunta entre ambas entidades e o SISEM-SP?

K: Com o IBRAM, que na atual gestão federal acabou sendo mantido e subordinado a uma Secretaria Especial de Cultura junto ao Ministério das Cidades, o SISEM-SP mantém um convênio de parceria que nos reconhece como entidade credenciadora dos museus paulistas. Assim, os museus que aderem ao Cadastro Estadual de Museus de São Paulo também são registrados na Rede Nacional de Informações Museais. Já com relação ao IPHAN, não há uma ligação direta nem atividades mutuas, embora todas estas instituições atuem no campo da preservação da memória.

M: Nos últimos anos, incêndios destruíram importantes museus brasileiros que estão sob guardas federais, estaduais e municipais, acarretando em perdas irreparáveis. O descaso é notável nos últimos anos com os equipamentos públicos culturais no sentido mais amplo. Você acredita que tudo isso ocorre em virtude do que?

K: O risco de incêndio está presente sempre nos museus e em outros equipamentos culturais, que em geral ocupam edificações de grande porte, e muitas delas antigas. Isso é um fenômeno mundial.

NO BRASIL, O AGRAVANTE É A NOSSA CULTURA POLÍTICA, QUE TRADICIONALMENTE NÃO VALORIZA A CULTURA DE UM MODO GERAL E MUITO MENOS DESTINA OS RECURSOS ADEQUADOS PARA A MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS CULTURAIS. NA VERDADE, É UMA PRÁTICA NADA RACIONAL, POIS FICA MUITO MAIS CARO RECONSTRUIR UM MUSEU DO QUE GARANTIR AS CONDIÇÕES TÉCNICAS DE SUA MANUTENÇÃO, O QUE REQUER SERVIÇOS DE ZELADORIA PREDIAL, EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA E, PRINCIPALMENTE, EQUIPES TÉCNICAS CAPACITADAS PARA A CONSERVAÇÃO TANTO DOS EDIFÍCIOS COMO DOS ACERVOS. SEM FALAR QUE SINISTROS COMO INCÊNDIOS OU ALAGAMENTOS PROVOCAM PERDAS IRREPARÁVEIS DE ACERVOS.

Outro fator que também deixa a desejar é a população, a qual tem de fazer a sua parte, em primeiro lugar frequentando os museus, o que significa fazer valer os seus direitos de cidadania cultural. Infelizmente existem barreiras de natureza social, cultural e econômica que não facilitam a criação de hábitos culturais de frequência a museus.

M: Tem como reverter esse panorama?

K: Uma maneira de atrair e formar novos públicos, é garantir o acesso irrestrito de crianças e jovens aos museus, mas isso depende de vontade política traduzida em recursos para a manutenção de um programa de visitação a museus para estudantes de escolas públicas. Por fim, também os museus têm de fazer a lição de casa, atuando como espaços democráticos, antenados aos dilemas do mundo contemporâneo e, por meio de suas exposições e ações educativas, de forma atraente e responsável, tornar-se relevante para seus públicos.

Mi: Sabe-se que um dos principais mecanismos de fomento a cultura no Brasil, é a Lei Rouanet, a mesma que foi bombardeada nos últimos anos, tem passada por diversas reformulações. Qual a importância da lei ao setor?

K: O governo federal fez reformulações na lei e uma delas é o limite de R$ 1 milhão de reais por projeto, deixando brecha para tetos mais elevados para algumas exceções, dentre elas os museus, que dependem em grande parte da captação de recursos incentivados para custear suas programações anuais. Os prejuízos se acumulam para os museus, pois o primeiro trimestre já está no fim e os procedimentos de tramitação, análise e aprovação de propostas ainda não foram normalizados. Além de tudo, os ataques à Lei Rouanet sistematicamente lançados por agentes públicos nos últimos anos têm minado o interesse de empresas patrocinadoras em apoiar projetos, com receio de terem sua imagem institucional associada negativamente, mesmo que os eventuais parceiros não estejam envolvidos em escândalos. Pessoalmente acredito que, ainda há ajustes que podem ser feitos para aprimorar esse mecanismo de financiamento público da cultura e no debate público reverberado pela imprensa. Há várias medidas que certamente seriam bem-vindas para evitar as principais distorções da legislação, como o excesso de centralização de recursos no eixo Rio-São Paulo ou mesmo a dificuldade de acesso para projetos culturais de pequeno porte, dado que o aporte de incentivo das empresas segue a lógica do mercado. Em todo caso, esse é o modelo que há mais de 40 anos tem sido adotado pelo país como a principal fonte de financiamento da cultura. Se não queremos continuar adotando esse caminho, que os recursos de renúncia fiscal sejam incorporados ao orçamento aos órgãos públicos para que eles próprios atuem diretamente com esta função. A legislação do ProAC paulista que baseia-se na renúncia de tributos do ICMS, é mais eficiente que a Lei Rouanet, tanto do ponto de vista operacional, graças à parceria entre a Secretaria da Cultura e a Secretaria da Fazenda, como do ponto de vista de acesso, ainda que os volumes disponibilizados sejam de certa forma muito aquém do que seria necessário para fazer frente às demandas.

O IMPORTANTE É QUE TODOS SAIBAM QUE, O FINANCIAMENTO PÚBLICO DA CULTURA NÃO É UMA QUESTÃO IDEOLÓGICA. NO MUNDO TODO, HÁ VÁRIOS MODELOS DE GESTÃO PÚBLICA DA CULTURA E PODEMOS BUSCAR SOLUÇÕES QUE POSSAM SER APLICADAS NO CONTEXTO BRASILEIRO. HOJE, QUEM HÁ DE DUVIDAR QUE AS POLÍTICAS CULTURAIS SEJAM UM IMPORTANTE RECURSO PARA O DESENVOLVIMENTO DO TURISMO E, CONSEQUENTEMENTE, DA ECONOMIA CRIATIVA?

Mi: As últimas semanas foram marcadas por várias manifestações realizadas por trabalhadores da cultura em diversas cidades paulistas, devido a medidas anunciadas como cortes financeiros em programas e projetos, como o Projeto Guri, Pinacoteca entre outros. Você possui alguma consideração, sobre tudo o que vem ocorrendo com a área cultural no Estado de São Paulo?

K: O avanço das políticas culturais paulistas, não só na área dos museus, como também na área de formação e difusão cultural, é reconhecido nacional e internacionalmente. Ações e programas desenvolvidos pela SEC como as Fábricas de Cultura, Conservatórios Musicais, Companhias de Dança, Escola SP de Teatro, Projeto Guri, dentre tantos outros como o Festival de Inverno de Campos de Jordão, a Osesp e a própria rede de museus da SEC, representam um capital cultural que não pode ser precarizado, sob pena de se comprometer décadas de construção, um legado do próprio PSDB. Por isso não acredito que deixará de ser encontrada uma saída para evitar o que seria um grande colapso e um enorme dano aos interesses e necessidades culturais da população. Por outro lado, é importante observar que os agentes culturais de todos os segmentos e linguagens estão unindo esforços para mobilizar a opinião pública e convencer o governo da necessidade de rever as medidas de contingenciamento. Isso representa o reconhecimento de que os equipamentos e programas culturais são relevantes para a população. Costumo fazer uma analogia, sempre que tenho a oportunidade de falar em público, entre os museus, as escolas e os centros de saúde. Se um município fecha uma escola ou um posto de saúde, no outro dia a população está no corredor do gabinete do prefeito para reverter à medida. Se um museu ou um equipamento cultural é fechado, a população só irá se mobilizar se eles de fato forem relevantes para a comunidade. Nesse sentido, a despeito de seus efeitos traumáticos, o presente episódio demonstra primeiro que as políticas culturais mantidas pelo Estado são relevantes pela população e, como estamos falando de São Paulo, o debate coloca a política cultural em pauta em todo o território nacional. Não é pouca coisa.

Humberto Meratti é gestor cultural e especialista em políticas públicas culturais. Jéssica Souza é jornalista e produtora cultural.

Fonte: Jornalistas Livres

Eustáquio Neves expõe trabalhos inéditos no Museu Afro Brasil


Aberto pela aduana – Livro de Artista de Eustáquio Neves

Artista mineiro volta à São Paulo para a sua primeira exposição individual após quatro anos.

Como parte das comemorações do aniversário dos seus 15 anos, o Museu Afro Brasil, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, gerida pela Associação Museu Afro Brasil – organização social de cultura, abre no sábado, dia 7 de maio, às 19h, a exposição “Aberto pela aduana – Livro de Artista de Eustáquio Neves”.

Trata-se da primeira exposição individual do premiado fotógrafo e artista multimídia mineiro em São Paulo desde 2015, quando exibiu “Cartas ao Mar”, também no Museu Afro Brasil.

Aberto pela Aduana, além de ser o título da exposição, é o nome da principal obra da mostra, o “Livro de Artista de Eustáquio Neves”, produzido a partir da manipulação de materiais de arquivo do fotógrafo, desenhos, colagens entre outras técnicas. Apesar de ter uma estrutura geral semelhante a um livro, a obra é na verdade um objeto de arte que fala por si próprio. Segundo Eustáquio, o nome “Aberto pela Aduana” foi escolhido para estimular a discussão entorno das múltiplas violações do corpo negro, desde o tráfego negreiro aos dias atuais.

Aduana, vale lembrar, é o nome dado a repartição governamental de controle do movimento de entradas (importações) e saídas (exportações) de mercadorias para o exterior ou dele provenientes. E é justamente neste ponto que as relações envolvendo a objetificação de milhares de corpos negros durante o tráfico atlântico e, na contemporaneidade, com os estratosféricos números de mortes por causas violentas de jovens negros em todo o território nacional, são traçadas.

Entre as obras apresentadas ao público pela primeira vez, além do próprio “Livro de Artista”, estão trabalhos da emblemática série "Máscara de Punição", formada por imagens construídas a partir da apropriação de um retrato da mãe do artista mesclado a uma foto de uma máscara de ferro. Compõe a mostra obras da emblemática série “Encomendador de Almas”, de 2006

Nas palavras de Emanoel Araujo, curador da exposição, “a fotografia encontra em Eustáquio Neves um homem devoto dos dramas que envolveram e envolvem um passado atormentado e atormentador da nossa história. História de um povo que foi conduzido ao degredo humano e de tamanha força que não se apaga, não sai da nossa alma. (...) Por certo o seu desempenho de grande artista manipulador dessas imagens comove, penetra, sangra e une passado e presente”.

Eustáquio Neves

Fotógrafo e artista multimídia. Comprou sua primeira câmera fotográfica no quarto ano do curso técnico de Química Industrial. Aprendeu a fotografar de modo autodidata, ouvindo outros fotógrafos e acompanhando cursos de fotografia publicados em revistas de fascículos. Trabalhou durante alguns anos em sua área de formação, para posteriormente abandoná-la e começar a atuar como freelancer nas áreas de publicidade e documentação. Em 1987 consegue montar um pequeno estúdio fotográfico em Belo Horizonte (MG). Segundo Eustáquio Neves, seu objetivo era fazer fotografia de autor, porém, naquele momento ainda não havia mercado para tal prática.  O gosto pela manipulação experimental das imagens volta-se então para o laboratório fotográfico, lugar onde o artista acaba desenvolvendo um processo criativo único que o leva ao reconhecimento como um dos mais importantes fotógrafos da cena contemporânea.

Serviço
Exposição: ““Aberto pela aduana – Livro de Artista de Eustáquio Neves”.
Curadoria: Emanoel Araújo
Abertura: 07 de maio, terça-feira, às 19 horas
Período expositivo: de 07 de maio a 07 de julho de 2019

Fonte: Brasil Cultura

Claudio Daniel: Recordação de Mário Quintana

Mário Quintana faleceu há 25 anos, na cidade de Porto Alegre (RS), aos 87 anos de idade. Um dos poetas brasileiros mais lidos no país e no exterior, Quintana nasceu em Alegrette (RS), em 1906, foi poeta, tradutor e jornalista, colaborando em jornais e revistas como O Estado do Rio Grande, Província de São Pedro e Correio do Povo, onde foi colunista da página de cultura até 1977, quando saiu do jornal.
Por Claudio Daniel*
Quintana recebeu o prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra, e o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano Quintana recebeu o prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra, e o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano
O trabalho na imprensa diária foi vital para o trabalho poético de Quintana, pelo contato mais próximo com os leitores e também pela incorporação de temas da vida cotidiana. Um dos resultados desse diálogo entre poesia e jornalismo é o livro Hora H, publicado em 1973, que reúne poemas e textos veiculados pelo autor em jornais e revistas. A popularidade de Mario Quintana deve muito a textos como esses, reproduzidos até em agendas escolares, mas também valeram a ele a acusação de facilidade.
Sua obra, porém, é multifacetada e nela encontramos desde textos de compreensão imediata e forte apelo emocional, que muito contribuíram para a sua estima pelo público, até peças mais elaboradas, de refinado acabamento artístico, que revelam o apurado artesão do verso, capaz de escrever, com originalidade, desde sonetos e haicai até poemas modernistas, em verso livre, e composições próximas à vanguarda
A rua dos cataventos (1940), livro de estreia de Mario Quintana, reúne sonetos escritos conforme as regras tradicionais de métrica e rima, inserindo-se numa estética neoclássica. Porém, já estão presentes aqui elementos da fase madura do poeta, como o uso de palavras simples, o humor, a coloquialidade e o retrato de cenas do cotidiano.
Encontramos neste volume referências urbanas, lembranças da infância, evocações religiosas e a nostalgia de um passado real ou imaginado, mas o tema-chave é o próprio poeta, que representa a si mesmo de forma irônica, usando por vezes o humor negro: “Sou o meu próprio Frankenstein — olhai! / O belo monstro ingênuo e sem memória”.
Já em Canções (1946), Quintana revela uma linguagem próxima da modernista, abandonando o soneto e usando formas mais livres. A mudança de estilo em seu segundo livro levou a crítica a apontar uma evolução do autor da lírica parnasiana para a modernista, hipótese contestada por Tânia Franco Carvalhal, que, no ensaio O poeta fiel a si mesmo, afirma: “Mario Quintana começou a publicar na imprensa desde os anos vinte e só iria reunir seus poemas em livros a partir de 1940. Ocorreu assim que os textos que integram cada obra foram elaborados simultaneamente, o que levou o poeta a afirmar: ‘o fato é que nunca evoluí. Sempre fui eu mesmo’. Esta afirmação quer contradizer a aparência de uma evolução que a disposição lógica dos poemas ocasionou. E não há como negar: organizados de acordo com características formais, os textos desenham um percurso que vai da forma fixa e da regularidade métrica a formas mais livres, em busca de um ritmo próprio. Deste modo, mesmo que tenham sido compostos quase ao mesmo tempo, os diversos poemas atestam a procura de diferentes maneiras de dizer e indicam como o poeta vai optando por uma expressão coloquial, próxima da prosa”.
Em Canções, Quintana mantém a sutileza, a musicalidade e o tom sentimental ou ingênuo de seu livro de estreia, mas encontramos peças de surpreendente inovação formal, como a Canção de nuvem e vento: “Medo da nuvem / Medo Medo / Medo da nuvem que vai crescendo / Que vai se abrindo / Que não se sabe / O que vai saindo / Medo da nuvem Nuvem Nuvem / Medo do vento / Medo Medo”, que permite uma aproximação com o poema O medo, de Carlos Drummond de Andrade, publicado um ano antes, no livro A rosa do povo: “Em verdade temos medo. Nascemos escuro. (…) Cheiramos flores de medo. / Vestimos panos de medo”.
Os dois livros foram publicados pouco após o término da 2ª Guerra Mundial, período marcado pela violência, devastação, angústia e medo, mas, enquanto Drummond concilia reflexão, expressão emocional e referência direta aos fatos políticos da época, Quintana é mais sutil, paradoxal ou enigmático: “Medo do gesto / Mudo / Medo da fala / Surda / Que vai movendo / Que vai dizendo / Que não se sabe… / Que bem se sabe / Que tudo é nuvem que tudo é vento / Nuvem e vento Vento Vento!”.
Sapatos floridos, publicado em 1948, inaugura uma nova fase na obra poética de Mario Quintana, que passa a utilizar o poema em prosa, a epígrafe, o paradoxo, o epigrama, as definições absurdas, formas que ele voltaria a trabalhar em obras posteriores, como A vaca e o hipogrifo, de 1977. Alguns dos poemas breves mais conhecidos de Quintana pertencem a este volume, como Carreto: “Amar é mudar a alma de casa” ou Epígrafe: “As únicas coisas eternas são as nuvens”. O humor, neste livro, aproximava-se muitas vezes do non sense, o que levou alguns críticos a apontarem uma faceta surrealista do poeta. Se a aplicação do conceito é questionável, pois o surrealismo é um movimento de vanguarda da década de 1920, com manifestos, textos teóricos e procedimentos criativos específicos, como a escrita automática, é possível identificar em Quintana elementos similares aos da poesia surrealista, e em especial as imagens poéticas que alteram a natureza ou a função de seres e objetos, como no poema Calçada de verão: “Quando o tempo está seco, os sapatos ficam tão contentes que se põem a cantar”. Tânia Franco Carvalhal reconhece que na poesia de Quintana “realidade e fantasia se misturem”, porém, nunca há um divórcio com o mundo objetivo: “mesmo nos textos mais oníricos, onde a imaginação adentra para a instalação de um clima super-realista, sua poesia não perde o pé da realidade. Em seus poemas, a dimensão sobrenatural está intimamente articulada com o real”.
A obra de Quintana é enorme e seria impossível analisar todos os seus livros em um breve artigo, mas as três obras que comentamos rapidamente aqui dão uma ideia aproximada da diversidade e riqueza de sua poesia. Na opinião de José Paulo Paes, Quintana “sem dúvida, foi o maior poeta do Rio Grande do Sul deste século. Dentro da segunda geração modernista, ele seguiu um caminho próprio”.
O poeta tentou por três vezes obter uma vaga na Academia Brasileira de Letras, mas em nenhuma das ocasiões obteve os votos necessários para conquistar uma cadeira. Em 1980, no entanto, recebe o prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra, e no ano seguinte recebeu o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano. Em 2006, no centenário de seu nascimento, várias comemorações foram realizadas no estado do Rio Grande do Sul em sua homenagem.
* Claudio Daniel, poeta, tradutor e ensaísta, é formado em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, com mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa pela USP, além de pós-doutor em Teoria Literária pela UFMG. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte