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quinta-feira, 3 de março de 2022

Este foi o primeiro colégio particular de Natal - RN - Por HENRIQUE ARAÚJO

O Colégio Imaculada Conceição (CIC) entre os anos 40 e 2010 ficava localizado na Avenida Deodoro, centro de Natal. Ele foi a primeira instituição privada na capital e foi também onde estudei do maternal ao Fundamental; e as lembranças dali são de chorar de tanta saudade.

Sua história começa em 1895, isso mesmo, mais de 120 anos atrás, quando Quatro Irmãs Dorotéias, originárias da Itália, chegaram à cidade, a pedido do Bispo Diocesano Dom Adauto de Mirando Henrique, com o intuito de abrir uma Casa de Educação feminina. Então receberam do governador Alberto Maranhão um prédio na avenida Rio Branco para iniciarem a instalação da casa.

Colégio CIC, Natal-RN no anos 60. Foto: Vento Nordeste (papjerimum.blogspot.com/um-lamentavel-acontecimento-o_23.html)

O CIC então foi fundado no dia 22 de fevereiro de 1902, com a realização de uma missa onde foram abertas as matrículas. As aulas tiveram inicio no dia 01 de março num sucesso tão grande que logo se viu a necessidade de ampliação das instalações.

Com o objetivo de adquirir um novo lugar para o colégio, as irmãs Dorotéias venderam o atual e compraram o Sítio Cucuí, localizado na então distante avenida Deodoro, pertencente à um empresário.

Uma foto da fachada mais recente do colégio, que foi fechado em 2012. Foto: Junior Santos.

Eis que, finalmente, no dia 24 de junho de 1906, as alunas, suas famílias, as irmãs de Santa Dorotéia e a população em geral, fizeram uma nova inauguração, em uma procissão onde se cantavam louvores à Imaculada Conceição.

O prédio então foi demolido em 1937 para construção de um espaço que pudesse albergar o crescente número de estudantes. A construção foi realizada pouco a pouco até ser concluída em 1942 com uma bela arquitetura, se tornando o famoso colégio que conhecíamos até 2012. Foi neste ano em que ele foi fechado devido às altas dívidas e a drástica diminuição de alunos.

As instalações do antigo CIC, em Natal. Foto: Kallyna Kelly

Em 2015 as instalações do CIC foram compradas por uma outra instituição privada, que manteve a estrutura original da primeira escola e fornece aulas de ensino básico e superior. A extinção do colégio foi motivo de vários protestos emocionados por parte de ex-alunos, familiares e demais envolvidos com a escola na época.

Se você gostou não pode deixar de ver: 7 colégios de Natal antigamente

Com informações de História e Genealogia ,Vento Nordeste e Brechando.com.

Rosângela Vieira Rocha: “O mercado Editorial não dá às mulheres o mesmo espaço que aos homens" " CONCORDAMOS PLENAMENTE" - CPC-RN

 Cefas Carvalho

Nascida em Inhapim, em Minas Gerais, Rosângela Vieira Rocha  mora em Brasília, onde milita na literatura. Tem quinze obras publicadas, oito para adultos (sete romances e um livro de contos) e sete infanto-juvenis. Recebeu vários prêmios literários, como o Prêmio Nacional de Literatura Editora UFMG-1988, com o romance "Véspera de lua", e a Bolsa Brasília de Produção Literária 2001, com a novela “Rio das pedras”. Está preparando o lançamento de seu novo romance, “Invisíveis olhos violeta”, deve sair impresso em junho de 2022, pela Editora Ventania.  É Mestre em Comunicação, escritora, advogada, jornalista e professora aposentada da FAC/UnB. Colunista da revista digital literária “Germina”, foi membro de várias comissões julgadoras de concursos literários.  Participa ativamente do Movimento Feminista Mulherio das Letras. Para falar disso tudo, ela concedeu entrevista ao Potiguar Notícias. Confira:
 
Você tem mais de dez livros publicados, entre adultos e infanto-juvenis. Existe uma linha, um conceito que esteja em toda a sua obra? Como avalia a sua produção literária?
 
Tenho catorze livros publicados, e ainda neste semestre devo lançar o 15º, o romance “Invisíveis olhos violeta, em fase de produção na editora Ventania, da Rosa Amanda Strausz. São sete infantojuvenis e oito para adultos. Destes últimos, sete são romances e há um livro de contos, Pupilas Ovais, de 2005. Quanto ao conceito que permearia a minha obra, sempre tenho dificuldade para defini-lo, pois a resposta não é redonda, fechada, formulada, como na academia, por exemplo. Fui professora universitária durante duas décadas, daí a analogia. Mas há pistas, algumas linhas de respostas. Vou me referir primeiro à produção de livros infantis. Em todos, a maioria destinada ao público na faixa de 8-10 anos, existe uma preocupação com fatos contemporâneos, como bullying na escola, racismo e extinção de aves da Mata Atlântica. Eu diria que são livros realistas, assim como os romances e o livro de contos. Só escrevo sobre temas que me mobilizam, angustiam, me fazem refletir e “agir”. Como escritora, minha função é pôr esses temas em discussão, abri-los para o público, oferecer possiblidades de debates. Apresentar o meu olhar sobre eles, que provavelmente despertará novos e diferentes olhares. Nos romances, creio poder afirmar que os temas são atuais e universais, como o luto, por exemplo, trabalhados por mim em dois livros, O indizível sentido do amor e O coração pensa constantemente. Em Invisíveis olhos violeta a protagonista tem setenta anos e a obra trata das possibilidades amorosas que as mulheres idosas têm num país como o Brasil, machista, que privilegia tanto a juventude. No fundo, acho que busco os lugares de fissuras na tessitura social, os buracos, os nós. Todos são livros voltados para a nossa realidade, o contexto social em que vivemos.  
 
Em romances como “Nenhum espelho reflete seu rosto”, você aborda temas delicados como a situação da mulher em relação à manipulação e ao narcisismo perverso. Como foi investigar esses assuntos e qual a recepção que você teve de mulheres que leram a obra?
 
Sem deixar de lado o tamanho da edição, bem pequeno, o livro foi bastante lido, resenhado e debatido. De modo geral, as mulheres gostaram e algumas se identificaram com a personagem principal, Helen. Recebi muitas mensagens privadas em que algumas relataram   suas experiências pessoais com perversos narcisistas. O transtorno de personalidade denominado narcisismo perverso é muito mais comum do que se pensa. Existem mulheres narcisistas, mas estatisticamente em menor número. Foi o livro mais trabalhoso que já escrevi, em matéria de pesquisa. Comecei assistindo a vídeos do Youtube —há excelentes Youtubers que falam sobre o assunto — e depois passei à literatura especializada. Tive de aprender alguns conceitos psicanalíticos para dar conta de elaborar o perfil de Ivan, o vilão da história. Gostei muito da experiência e do resultado, assim como da acolhida dada à obra. Muitos homens leram, também, e isso me gratificou. Sem contar que a história vale como “alerta” para pessoas de todos os gêneros. Helen é joalheira e pude dar vazão também à antiga e grande paixão que sempre nutri por joias e gemas preciosas. 
 
Você é entusiasta do coletivo Mulherio das Letras, já tendo participado de todas as edições nacionais presenciais. Como avalia o Mulherio das Letras e qual a sua importância? E quais os planos para o chamado pós- pandemia?
 
É verdade, sempre brinco que sou do “núcleo duro” do Coletivo Mulherio das Letras. Participo do Movimento desde o início, por afinidade de ideias e por causa da minha estreita amizade com a escritora Maria Valéria Rezende. É um Coletivo feminista, que nesses poucos anos de existência já mudou a vida de muita gente. Estendeu-se pelo mundo inteiro, o Mulherio das Letras já existe em vários países. Um Movimento realmente próspero e exitoso, que estimulou dezenas, centenas de mulheres a escrever ou a tirar seus manuscritos das gavetas. Sem contar as coletâneas do pessoal do Mulherio. É um caminho sem volta, e é um caminho iluminado. O país precisava de algo assim há décadas, e finalmente ocorreu. Quanto aos planos pós-pandemia, estão sendo feitos aos poucos, na medida em que o controle do coronavírus for se concretizando, o que, espero, não vai demorar.
 
Na sua opinião, o Mercado Editorial dá às mulheres que escrevem o mesmo espaço que aos homens? Como vê a relação entre mercado editorial e escritoras?
 
Não, infelizmente o mercado editorial não dá o mesmo espaço. Essa situação vem sendo modificada nos últimos anos, a passos de tartaruga, é bom que se diga. Mas os concursos literários, cuja tendência sempre foi a de premiar mais escritores que escritoras, vêm se movimentando, pois há um número crescente de escritoras premiadas. Ainda se trata de uma modificação lenta, há um longo caminho a ser percorrido e o descompasso vem de muito tempo. O Mulherio das Letras teve e tem um peso sobre essa questão, sem dúvida. Ao propiciar que as mulheres pusessem a “boca no trombone”, o Mulherio deu visibilidade a esse descompasso. Se pensarmos em livros resenhados, por exemplo, os de autoria masculina são em número muito maior. Não me refiro aqui estritamente ao “mercado editorial” e sim à cadeia do livro em todos os seus passos, até chegar às mãos dos leitores. Gostaria de acrescentar que, no meu entendimento, existe também forte preconceito em relação às escritoras mais velhas. Imagino que as editoras consideram mais vantajoso investir em escritores e escritoras jovens, que ainda poderão escrever muitos livros. Percebo, por exemplo, que aos cinquenta anos uma escritora já tende a ser preterida pelas editoras mais importantes. Quanto mais o tempo passa, mais difícil se torna a situação das escritoras idosas, mesmo para as que já obtiveram prêmios literários importantes, como o Jabuti.    
 
Homens leem o que as mulheres escrevem e publicam?
 
Nos últimos anos, vem aumentando o número de homens que leem obras de autoria feminina. Lentamente, como geralmente são as mudanças culturais, especialmente num país como o Brasil. Nosso trabalho literário está ganhando maior visibilidade e isso provoca certa curiosidade por parte dos leitores do gênero masculino, especialmente dos “homens sensíveis”. Tenho leitores homens e nem todos são escritores, isto é, não leem por “dever de ofício” ou para se manterem atualizados e sim por prazer, por puro deleite. Vale ressaltar que não pretendo diminuir a importância da leitura dos escritores, quero ser lida por meus pares, é claro, mas digo isso apenas para ampliar a questão.
 
Você publica periodicamente romances. gênero literário que exige mais de quem escreve. Você tem um método ao escrever um romance?
 
Realmente, produzi bastante nos últimos anos: de 2017 para cá escrevi quatro romances, quase um por ano. É o gênero literário com que mais me identifico, em que me sinto mais à vontade. Acho difícil — para citar a analogia de Cortázar na sua teoria do conto — ganhar o leitor por nocaute, prefiro ganhar por pontos. Sinto-me mais segura na narrativa longa, que dá voltas e é escrita e tecida mais vagarosamente. Gosto muito de fazer pesquisa, hábito adquirido na docência, e no romance esse prazer vem a calhar. Primeiro, leio tudo que posso sobre os temas que vou abordar na história. Leio, releio, geralmente ensaios, literatura especializada, assisto a vídeos, filmes etc. Depois escolho o título, pois só começo a história com o título definitivo. Considero o título a “energia” da história, como ocorre com os arcanos maiores, no tarô. Se não encontro a “energia”, não consigo desenvolver o resto. E adoro títulos, trabalhei muito esse assunto com meus alunos dos cursos de Comunicação. Quanto ao método, não faço planejamento dos capítulos e nem sou rigorosa com horários, como alguns colegas. Há dias que tenho outros compromissos e não escrevo, o que não me provoca nenhum tipo de angústia. Sou professora aposentada, vale ressaltar; meus horários são bastante flexíveis. Tenho grande fragilidade nos dedos das mãos, que inflamam e infeccionam por qualquer dê cá uma palha, algo que venho pesquisando há algum tempo com especialistas, e não posso digitar por muitas horas seguidas. Sem contar as dores causadas pela hérnia cervical. Enfim, questões da idade... Raramente leio ficção quando estou escrevendo, provavelmente por precaução; prefiro livro-reportagem e outras leituras que falam menos às emoções, digamos.     
Como avalia as redes sociais para quem escreve literatura? Trazem mais aspectos positivos ou negativos?
 
Para mim, trazem muito mais aspectos positivos. Algumas redes têm grande potencial para divulgação dos livros, das resenhas e comentários dos leitores. Ainda adotamos no país a divulgação boca-a-boca, a que funciona melhor, a meu ver. E para isso, as redes sociais são fundamentais. Podemos ter conhecimento, também, do trabalho dos colegas, e isso é significativo. Afinal, é o nosso ofício. Além disso, vendo pessoalmente os meus livros, através das redes. São importantíssimas para isso. Creio que o único aspecto menos positivo é o fato de querermos prolongar o número de horas dedicado a elas, mas o controle do tempo, essencial quando estamos escrevendo um romance, depende de cada um. 
 
Quais os seus projetos literários para este ano de 2022?
 
Este ano pretendo envidar esforços na realização de lançamentos, na divulgação e nas vendas de Invisíveis olhos violeta. Raramente começo uma nova história quando estou na “energia” de outra. Depois de percorrer todos esses passos, aí sim, posso voltar a escrever. O que não impede, é claro, que paralelamente eu pense em outros temas, mas é tudo muito embrionário, ainda. É a fase da alquimia chamada nigredo, a primeira, em que tudo é difuso, disforme, escuro, ainda se encontra submerso, no inconsciente. Para passar ao albedo, a etapa em que incide a luz, leva algum tempo. Gosto muito dessa analogia, pois sempre tive interesse pelos processos alquímicos, que me parecem esclarecedores para várias situações de nossas vidas. 

Monteiro Lobato: rasgado, queimado, cancelado e imprescindível

Escritor, já muito atacado no passado sob pretexto de veicular ideias evolucionistas e socialistas, tem mais recentemente sido acusado de racismo. Mas simplesmente banir seus textos das salas de aula e espaços de discussão é renunciar a debater uma obra prenhe de criatividade, inventividade e criticidade.

E Lobato continua “causando”…

Com mais de 70 anos já transcorridos desde a morte de seu criador, os personagens infantis de Monteiro Lobato circulam por leituras polêmicas e atuais dentro e fora da escola. Considerado um divisor de águas na produção literária para crianças, Lobato legou à posteridade textos que, em diferentes situações, suscitaram seu intenso reconhecimento tanto por parte do público leitor, quanto da crítica especializada. Da mesma forma, porém, a polêmica se tornou elemento indissociável desse reconhecimento, o que chega, junto com a ininterrupta edição de seus textos infantis, aos leitores de hoje.

Sobre seus livros para crianças, há pouco mais de uma década, em capítulo intitulado “Monteiro Lobato, um clássico para crianças”, respondíamos à questão: O que há de tão atrativo no Sítio do Picapau Amarelo? Ou, em outras palavras, por que Pedrinho, Narizinho e Emília, principalmente Emília, continuam tão presentes no imaginário infantil brasileiro? Ainda de outro modo: como Lobato fez esta mágica que, embora muitas vezes explicada nos mínimos detalhes pelos mais “maduros”, continua encantando os “menos experientes”? Indagações como essas não têm faltado aos pesquisadores e demais leitores especializados ao longo dos anos. Perguntas impossíveis de serem respondidas em um só texto ou mesmo em muitos outros trabalhos que vêm tentando, no mínimo, tangenciar as mil e uma questões instauradas pela obra de Lobato.

Um escritor publicista

A partir dos anos 1980, foram consolidados estudos sistemáticos sobre a literatura infantil e juvenil brasileira. Nesse contexto, a figura de Lobato se mostra central, trazendo como foco desses trabalhos a discussão de aspectos temáticos relevantes, como aponta Marisa Lajolo em artigo de 1988, “A figura do negro em Monteiro Lobato”, ao abordar Histórias de Tia Nastácia:

As contradições vão se acirrando ao longo do texto lobatiano, que, ao contrário de seus pares, não se limita a reproduzir, em forma de antologia asséptica, as histórias que Tia Nastácia conta. Lobato reproduz a história encenando a situação de narração e recepção, pondo, pois, em confronto o mundo da cultura negra do qual, no caso, Tia Nastácia é legítima porta-voz, e o mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto as crianças como a própria Dona Benta, também ela ouvinte de Tia Nastácia e também ela insatisfeita com as histórias que ouve (…).

Um artigo como esse mostra, ao leitor de hoje, que os estudos sistemáticos sobre a obra de Monteiro Lobato têm sido realizados de forma séria, sem ceder a simples opiniões ou questão de gosto. Por isso mesmo, muitos temas que ocupam o centro de polêmicas em diferentes ambientes sociais ou veículos de comunicação nunca foram desconhecidos daqueles que estudam a obra do escritor.

Assim, em texto mais recente, intitulado “Provocações à longeva Botocúndia: Monteiro Lobato e Urupês”, de 2018, publicado em número da revista Leitura em revista em que se comemorava uma efeméride literária – 70 anos sem Lobato, destacávamos a verve crítica lobatiana. Lembramos, então, que isso foi  um dos aspectos que chamou a atenção de José Guilherme Merquior ao atribuir a Lobato a identidade de “publicista” – “um escritor que discute problemas de interesse público, de interesse coletivo”. Acrescenta o autor, ainda, que é esse o perfil que poderíamos relacionar a certo tipo de jornalismo engajado que “não só discute temas de evidente interesse coletivo como o faz dentro de uma linguagem que sistematicamente aspira a uma comunicação com o grande público”.

Amante de boas brigas

A exposição decorrente desta atividade, na qual Lobato via oportunidade para divulgar seus livros, levaria a uma visibilidade cotidiana ou mesmo à imagem pública de alguém que se colocava disponível ao debate, à discussão, à divergência. A partir dos jornais de sua época, Lobato lançaria questionamentos e reflexões contundentes, provocativas, na expectativa de influenciar ações em seu contexto social. Como aponta Sueli Cassal, o envolvimento de Lobato com grandes causas era movido por um desejo utópico de uma nação desenvolvida, muita próxima da situação econômica dos Estados Unidos, o que seria possível mediante a valorização do conhecimento científico.

“Não deixaria por menos uma boa briga”, poderia ser uma expressão para definir Lobato. “Boas brigas” foram as campanhas por necessidades básicas dos brasileiros, como a do saneamento, de 1918, em que acompanhou médicos sanitaristas, colocando-se a serviço da denúncia em uma séria de matérias sobre moléstias (verminoses, na maioria) que atingiam a população paulista de modo vergonhoso. Seu empenho como adido comercial nos anos 1930, para dar ferro ao Brasil, isto é, para incentivar a produção nacional, bem como sua ação tanto como publicista quanto empresário para desenvolver a exploração do petróleo, se refletiam em artigos e livros. A obra infantil não deixaria, evidentemente, de refletir essas experiências, algumas posteriores, outras concomitantes a atividades de editor, empresário, publicista.

O leitor infantil surge, então, como um destinatário de suas expectativas – aliás, como em todo texto, na obra infantil é evidente que se projeta uma ideia de leitor. Um suposto leitor neutro, raso, manipulável não estava na mira dos livros de Lobato. Ao não subestimar seu destinatário criança, o escritor convidava esse leitor infantil a pensar o mundo ao seu redor por meio de um trabalho inventivo e consciente com o texto literário. Os rompantes de contrariedade de diferentes grupos em diferentes momentos iriam atestar, ainda que de modo inusitado, a relevância daquele labor literário ao longo do tempo e das gerações.

Darwinismo e socialismo

Nos anos 1950, uma obra, em particular, se tornaria paradigmática desse tipo de abordagem polêmica e acusatória, realizando uma interpretação bibliográfica de Lobato cujo título encerra, por si só, um entendimento notoriamente avesso para com as lutas por ele travadas no campo econômico: A literatura infantil de Monteiro Lobato ou Comunismo para Crianças, do Padre Sales Brasil.

O autor projeta sobre a obra infantil temas que, de longe, estariam no centro da proposta lobatiana de formação de leitores, como é o caso da ausência de conteúdos religiosos propensos a reafirmar a identidade católica brasileira. Mais do que as ausências, o autor do estudo busca pistas em livros como A chave do tamanho, de 1942, sobre ideologias danosas à moral das crianças. É dessa forma que entende a miniaturização dos personagens como a extinção de classes sociais, isto é, em A chave do tamanho haveria uma propaganda dos benefícios de uma sociedade comunista: “é o seguinte: quando todos os homens chegarem ao mesmo tamanho (nivelamento das classes sociais), então não haverá sobre a terra nem injustiça nem certos preconceitos”.

Capa de A literatura infantil de Monteiro Lobato, obra crítica dos anos 1950

Ao lembrarmos do texto do padre Sales Brasil, percebemos que a fantasia, a inteligência e a criticidade são ignoradas como excepcionais qualidades da obra de Lobato e rebaixadas segundo uma inegável visão obscurantista.  Em outro trecho, outra denúncia: “Trata-se, evidentemente, da luta pela vida, segundo Darwin, aplicada ao campo sociológico pela teoria da seleção natural, de Spencer, ambas aproveitadas pela filosofia marxista-leninista e feitas balinhas de doce na literatura infantil de Monteiro Lobato”.

Aos olhos de hoje, a obra do padre Sales Brasil pode parecer um brandir de armas desnecessário, exagerado, até mesmo risível para muitos. Entretanto, a fórmula do “cancelamento” dos anos 1950 mostra-se ainda presente nas primeiras décadas do século 21, agora reportando-se à questão do racismo, que é pauta fundamental e premente, mas que tem sido associada a Lobato, na maioria das vezes, de forma ligeira, rasa, equivocada.

No centro dos debates, tivemos o conto “Negrinha” e a obra Caçadas de Pedrinho, a partir de 2010, como objeto de representação junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE) e, também, à Controladoria Geral da União (CGU). O questionamento se debruçava sobre expressões que atentariam contra um item do edital do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), qual seja, a presença de estereótipos ou discriminação nas obras adquiridas pelo programa.

Entre propostas de inserção de notas de rodapé ou mesmo refacção das narrativas, a intensidade dos debates atestou a complexidade do tema, convidando aqueles dedicados aos estudos sobre a obra lobatiana a se manifestarem. Como comentou Marisa Lajolo – em manifestação pública por meio de um artigo intitulado “Quem paga a música escolhe a dança?”, de 2010 – vivenciar debates sobre a literatura e a formação dos leitores na escola equivalia a um reconhecimento público sobre o assunto, bem como da própria obra: “Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, está em pauta e é bom que esteja, pois é um livro maravilhoso”.

Acusações de racismo e debate

O debate, porém, nem sempre tem se dado em campos mais profícuos de ideias, conceitos e ideologias. Ao avocar os escritos lobatianos em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em janeiro de 2021, Marcelo Coelho defendeu que “Pode ser chato saber disso, mas Monteiro Lobato era de um racismo delirante”, reeditando aspectos que há muito deveriam ter sido superados frente à qualidade dos debates em torno da obra lobatiana em curso já há mais de uma década, como a busca de “provas” descontextualizadas do pressuposto racismo de Lobato, não apenas em sua obra mas no interior de sua correspondência pessoal.

Felizmente, a réplica não tardou, pois outra pesquisadora de Lobato, Ana Lúcia Brandão, veio a público em defesa do escritor, no mesmo jornal e em data muito próxima, com o artigo “ ‘Racismo delirante’ é tratamento grotesco, Monteiro Lobato merece respeito”. Entre muitos apontamentos, lembra seus leitores de que “Levar ao pé da letra palavras ou frases de uma mensagem pessoal entre amigos, para classificar um deles como “racista” revela uma enorme incompreensão do que significa a crítica literária”.

De alma lavada, o leitor lobatiano pode seguir de braços dados com Lobato. Entretanto, não se trata de vencer uma discussão ou ganhar o pódio da verdade. Como obra literária, os escritos de Lobato comportam questionamentos, dúvidas, discordâncias. Em evento acadêmico recente, em que discutíamos a obra do escritor, chamou nossa atenção uma fala de um aluno de graduação, cujo apontamento sustentava-se por meio da ideia de que Monteiro Lobato não o representava como cidadão, sujeito, pessoa imbuída e reconhecida como portadora de direitos fundamentais.

Caçadas de Pedrinho, de 1939, uma das obras no centro do debate sobre racismo

É importante esclarecer que nenhuma das ponderações desse estudante pode ser considerada irrelevante para a discussão, assim como é possível compreender o tom de agressividade de suas primeiras manifestações, face ao momento em que se dá o eternamente adiado debate sobre o racismo no Brasil. Nem ainda poderíamos discordar de que não só de Lobato se formam leitores!

O que parece um “problema” ou algo a se lamentar, porém, é o fechamento do interlocutor a textos cujas ideias continuam a contribuir para a formação inequívoca de leitores críticos mais autônomos e audaciosos em suas incursões pelo mundo da literatura. A conversa que travamos com aquele aluno, portanto, não mirava uma desqualificação de seu discurso ou certo menosprezo da intelectualidade por um suposto modismo ideológico. Ao contrário do que se poderia supor, as questões às quais nosso interlocutor se apegava com pertinência e propriedade, são essas mesmas questões que convidam à leitura da obra lobatiana, reitere-se.

É neste ponto que encerramos nosso convite irrestrito à leitura da obra infantil de Lobato. As polêmicas atestam, tanto pelo conjunto de argumentos e exposições, quanto pela presença de seus livros nas mãos de crianças do século 21, a vitalidade de suas narrativas. Presença que deve ser lembrada, sobretudo, agora que a obra do autor se encontra em domínio público e surgem inúmeras edições em papel e digitais de seus textos. O reconhecimento da amplitude e da intensidade de muitos temas, assuntos ou fatos presentes em suas histórias permite a discussão também ampla, aberta e, por que não, profunda desses temas, dos mais aos menos polêmicos. Se há, portanto, uma posição a assumir, ela se configura na busca por preservar a leitura de obras marcadas pela criatividade, inventividade e criticidade.

Cancelar Lobato, portanto, é queimar um ramo literário em que aquela tríade – criatividade, inventividade e criticidade – constitui grande probabilidade de servir a consciências imbuídas de utopias ainda tão caras à sociedade de nosso tempo.

Thiago Alves Valente  fez doutorado em Literatura na Unesp e é professor de Literatura Brasileira do Centro de Letras, Comunicação e Artes (CLCA), Campus de Cornélio Procópio (CCP) da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP) e coordenador do GT Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da ANPOLL

Do Jornal da Unesp