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domingo, 5 de maio de 2019

Milton Nascimento, um cidadão de Juiz de Fora, por Jorge Sanglard

Obra de Carlos Bracher

Milton Nascimento, um cidadão de Juiz de Fora

por Jorge Sanglard 

Milton fez de seu canto um canal direto até onde o povo está, muitas vezes “com sabor de vidro e corte”, mas sempre semeando o sonho de liberdade e a esperança de ter fé na vida.
Com seu alegre e contundente canto de fé, esperança e sonho, Milton Nascimento completou 76 anos. Nascido em 26/10/1942, no Rio de Janeiro, veio morar com a avó no bairro Dom Bosco, em Juiz de Fora, e foi criado em Três Pontas. Atualmente, mora em Juiz de Fora. Bituca se tornou um autêntico arauto da liberdade e, junto com outros companheiros de eterna travessia, teceu e entreteceu uma ponte para atravessar este verdadeiro oceano que é o Brasil. Ao mesmo tempo, Milton – como Gilberto Gil, Chico Buarque, Caetano Veloso – é o oceano atravessado e o barco que atravessa, e vai solidificando uma ponte sobre este mar. Essa feliz definição de Gilberto Gil sobre expoentes de sua geração sintetiza a essência musical de compositores que renovaram o panorama da MPB e permanecem atentos, como faróis.
Afinal, Milton fez de seu canto um canal direto até onde o povo está, muitas vezes “com sabor de vidro e corte”, mas sempre semeando o sonho de liberdade e a esperança de ter fé na vida.
Milton e Juiz de Fora são inseparáveis. Quando celebrou 50 anos de música, em 2012, o cantor e compositor escolheu para dar início às comemorações fazer um show “em casa”, no Cine-Theatro Central, em Juiz de Fora, num simbólico dia 21 de abril, quando Minas e o Brasil celebram o sonho libertário de Tiradentes e dos inconfidentes. E Juiz de Fora, na ocasião, foi escolhida para essa celebração musical porque marca a vida e a trajetória de Bituca como poucas cidades deste vasto Brasil. E foi na Câmara Municipal de Juiz de Fora que o cantor e compositor teve reconhecido todo seu envolvimento com a cidade ao receber o título de Cidadão Honorário e a Medalha Nelson Silva, em 27 de novembro de 2009. Agradecido e emocionado, Milton sintetizou aquele momento: “Sou de Juiz de Fora desde que nasci”. Ao ser homenageado, Bituca foi ovacionado de pé pelos juiz-foranos e reafirmou seu legado fecundo e viu confirmada a força de sua criação: sua música abre perspectivas para além de seu tempo. Sua obra é eterna.
A retribuição é por tudo que Milton fez pela MPB e por suas raízes encravadas na cidade mineira. Autor da proposta do título, quando vereador, Antônio Jorge Marques, ressaltou que a homenagem era uma retribuição da cidade a toda presença de Milton na vida de Juiz de Fora.
Além dos fortes laços familiares, desde a década de 1970, Milton coleciona amizades em Juiz de Fora. Quando o médico e músico Márcio Itaboray lançou o livro “Assuntos de Vento”, em 2001, com a presença de Bituca, foram revelados esses laços sobre a trajetória e as amizades de Milton em Juiz de Fora. Laços que ficam consolidados definitivamente. Em maio de 2009, durante um show no Cine-Theatro Central, Milton afirmou com todas as letras: “Juiz de Fora é onde tenho mais amigos”. E seu saudoso parceiro de sempre, Fernando Brant (09/10/1946 – 12/06/2015), também não se cansava de bradar aos quatro ventos: “Em Juiz de Fora, eu sou de dentro”.
Na Manchester mineira, Milton também emprestou seu prestígio artístico para encabeçar lutas importantes pela preservação do patrimônio cultural. Foi de Bituca o slogan “Central, a emoção de todos nós”, que marcou as manifestações de amplos setores culturais pela preservação, pelo tombamento municipal e federal e pela aquisição pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) do histórico teatro no coração da cidade. Símbolo da vocação de vanguarda cultural da cidade, o Cine-Theatro Central corria risco e passou a ser o alvo preferencial de uma campanha por artistas plásticos, músicos, atores, diretores teatrais, escritores e jornalistas num movimento que foi vitorioso e mostrou vigor. À voz de Milton em defesa da preservação do Central, se juntaram Tom Jobim, Ney Matogrosso, João Bosco, Sueli Costa, MPB4, Affonso Romano de Sant’Anna, Carlos Bracher, Dnar Rocha, Jorge Arbach, Bibi Ferreira e Rodrigo Pederneiras do Grupo Corpo.
Durante o governo Itamar Franco, tendo à frente do Ministério da Educação (MEC), Murílio Hingel, o Central foi tombado pelo Iphan, adquirido pela UFJF e restaurado na administração municipal de Custódio Mattos. Palco de diversas apresentações antológicas de Milton, desde os tempos do grupo Som Imaginário, o Theatro Central viu ao longo de cinco décadas e meia Bituca revelar uma das músicas mais instigantes e vigorosas das Minas Gerais e ganhar o mundo com seu canto afiado e afinado com seu tempo. Mais carioca dos mineiros, Milton sempre marcou presença no Central para mostrar seus novos trabalhos musicais e sentir a reação do público juiz-forano. Aqui, Bituca sempre se sente em casa. E Juiz de Fora sempre soube e sabe muito bem retribuir todo esse carinho e generosidade.
Uma vida dedicada à boa música
A partir de 1962, como crooner no Conjunto de Célio Balona, Milton abriu alas, aos 20 anos, para uma das mais bem sucedidas trajetórias musicais brasileiras. Ao lado de Hélvius Vilela, Gileno Tiso, Wagner Tiso, Paulo Horta, Nivaldo Ornelas, Pascoal Meireles, Nazário Cordeiro e muitos outros expoentes da música em Belo Horizonte, Bituca marcava presença e amadurecia na noite e nos bailes da vida. Daí para a frente, é história marcada pelo Holiday, pelo Evolussamba, pelo Som Imaginário, pela turma do Clube da Esquina e pela afirmação de Bituca como um dos maiores cantores de seu tempo.
Milton e seus parceiros, como Ronaldo Bastos, deixaram pistas sobre suas intenções: “Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia / beber o vinho e renascer na luz de todo dia / a fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada / o chão, o chão, o sal da terra, o chão, faca amolada / deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia”. Não é à toa que, em outra parceria com Ronaldo Bastos, Milton cantou: “Eu já estou com o pé na estrada / qualquer dia a gente se vê / sei que nada será como antes, amanhã”.
No palco do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, o jovem cantor, violonista e compositor Milton Nascimento, poucos dias antes de completar 25 anos, nos dias 19 e 21 de outubro de 1967, há quase 52 anos, não poderia sonhar que, a partir de suas três músicas no II Festival Internacional da Canção – “Travessia”, “Morro Velho” e “Maria, Minha Fé” –, trilharia uma autêntica travessia rumo a uma das mais significativas trajetórias na Música Popular Brasileira da segunda metade do século XX e do início do século XXI e que se projetaria como um mestre do canto.
Milton sempre entrou de coração em tudo, desde os tempos de contrabaixista nos bailes de Minas Gerais, passando pelos encontros musicais do Clube da Esquina, pela projeção a partir do segundo lugar no II FIC-1967, até consolidar uma trajetória vitoriosa na Música Popular Brasileira. O cantor e compositor nunca perguntou para onde ia esta estrada, se jogou por inteiro no caminho, seguindo “o brilho cego de paixão e fé, faca amolada”. O importante sempre foi “deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo / deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo / brilhar, brilhar, acontecer, brilhar, faca amolada / irmão, irmã, irmã, irmão de fé, faca amolada”, como em “Nada será como antes”, parceria com Ronaldo Bastos.
Bituca – apelido dado pela mãe adotiva Lília Silva Campos –, como era conhecido na família e entre os amigos, depois do segundo lugar na classificação geral e da premiação como melhor intérprete do II FIC-1967, inscreveria o nome Milton Nascimento no primeiro time de compositores e cantores que renovariam a MPB. Os festivais injetavam sangue novo no universo cultural brasileiro e a música ainda era uma das poucas manifestações de expressão popular no Brasil dos primeiros anos da ditadura militar.
Em entrevista exclusiva, publicada pela Tribuna de Minas, em Juiz de Fora em outubro de 1987, marcando os 20 anos da premiação de “Travessia”, durante o lançamento do disco “Yauaretê”, Milton confessaria: “Desde criança, eu sabia que ia mexer com a música. Nunca me enganei, nem minha família, nem nada. Todo mundo já sabia que era música mesmo. Apesar de morar em Três Pontas, que naquela época era longe, a estrada era de terra, sabia que ia sair e ia procurar…Se ia vencer, só Deus sabia, mas eu ia tentar.. Acontece que a música caminha comigo como a minha alma. Por isso e pelo fato de cada canção refletir um momento meu, chega nas pessoas com a mesma intensidade que estou querendo botar pra fora, e aí não tem barreira de língua, não tem barreira de chão, não tem nada, em qualquer parte”.
Para ilustrar essa entrevista, o artista plástico Jorge Arbach criou com exclusividade uma imagem de forte impacto. Inseriu recortes dos olhos, do nariz e da boca de Milton num desenho de uma onça negra, um Yauaretê. A capa do referido disco trazia a foto de um Yauaretê e inspirou Arbach em sua criação. O resultado final da obra de arte é um desenho intenso e instigante.
O sucesso de “Travessia”, parceria entre Milton Nascimento e Fernando Brant, no II FIC-1967, projetou Milton como um cometa. Mas a criatividade e a qualidade musical do novo talento transcenderam os limites da passagem de um cometa e o transformaram num feixe de luz permanente a apontar caminhos na Música Popular Brasileira. O próprio Milton já afirmou: “Isso está nas mãos do que se quiser chamar, pode ser Deus, pode ser destino, pode ser o que for”.
Amigo de sempre e parceiro, Márcio Borges, em depoimento exclusivo, descreve a emoção que tomou conta da apresentação de “Travessia”: “De tarde, nós saímos do hotel, todos no mesmo ônibus, rumo ao Maracanãzinho. Eu ia sentado ao lado de Toninho Horta, com quem havia classificado a dolorosa canção ‘Correntes’. Mas no ônibus só se falava no Bituca, o cara que havia classificado três canções, uma delas considerada a favorita para ganhar o festival. Senti uma emoção muito grande quando o ônibus ultrapassou os portões que davam direto no fundo do enorme palco. Parecia dia de futebol. As filas já davam volta no estádio e ainda nem era de noite. O ensaio geral foi impressionante. Astros e estrelas da música nacional e internacional circulavam em áreas restritas – e eu lá! Quando caiu a noite, vi o estádio encher-se de gente. Vi as arquibancadas se colorirem de todas as cores e matizes, cabelos, cartazes e bandeiras. Vi chegar a hora de ‘Travessia’.. A favorita de todos. Bituca colocou o Maracanãzinho de pé e foi classificado. ‘Correntes’ ficou de fora. Fomos torcer pelo Bituca e pelo Fernando, que surpreendentemente, e contra todas as emoções presentes, inclusive a do vencedor Guarabyra, conseguiram apenas um segundo lugar. Na reapresentação da música, vencedora moral e imortal, o apresentador Hilton Gomes chamou os nomes de Milton Nascimento e Fernando Brant e eles saíram de perto de nós para voltarem ao palco. Eu e Gonzaguinha corremos atrás deles e nos sentamos no limite extremo entre a coxia e o palco, bem aos pés dos nossos amigos. Sei que quando vimos e ouvimos o Maracanãzinho cantar com os dois e soltar a voz nas estradas, não conseguimos conter a emoção. Eu e Gonzaguinha nos abraçamos e deixamos nossas lágrimas correrem soltas, molhando os ombros um do outro. Quarenta anos se passaram desde aquela noite. Mas aquelas lágrimas serão para sempre”.
Trajetória de sucesso
A trajetória do cantor e compositor mineiro mais carioca que existe foi contada em detalhes na biografia “Travessia – A vida de Milton Nascimento” (Record), da jornalista mineira Maria Dolores, nascida em Belo Horizonte e criada também em Três Pontas. O livro é um mergulho na vida e na música de Milton e revela aqui e ali detalhes da consolidação do mestre do Clube da Esquina como um ícone da MPB.
Em depoimento exclusivo, Maria Dolores fala do livro, para dizer sobre Milton: “Essa biografia começou como projeto de conclusão do meu curso de Comunicação Social – Jornalismo, na Universidade Federal de Minas Gerais, em 2003. Eu queria fazer um livro reportagem de algo relacionado a Três Pontas, cidade onde cresci. Entre os temas mais interessantes – a cafeicultura, o Padre Victor (um padre negro milagreiro) e o Milton Nascimento – preferi fazer sobre o Milton. A idéia era contar a vida dele na cidade. Aproveitei um dia que ele estava em Três Pontas, criei coragem, e fui atrás dele. Disse que ia fazer o trabalho e pedi uma entrevista. Ele aceitou fazer. Uns quatro meses depois fui fazer a entrevista e aí eu já tinha realizado uma pesquisa sobre ele, e descoberto que não havia quase nenhum material biográfico do Milton, a não ser essas biografias resumidas de sites, revistas, etc.. O que tinha de mais completo era o livro do Márcio Borges, ‘Os sonhos não envelhecem – histórias do Clube da Esquina’, que é ótimo e tem o Milton como personagem principal, mas aborda só um período da vida dele, até bem extenso, e fala também dos outros personagens do Clube da Esquina. Resolvi então escrever uma biografia do Milton, a primeira, ainda mais ao descobrir o quanto a vida dele era incrível, como um romance”. O livro abrange o período que vai de 1939, antes mesmo de Milton nascer, até 2005.
Desde a primeira parceria com Fernando Brant, “Travessia”, Milton abriu alas para uma geração de grandes músicos e compositores mineiros e nunca transigiu sua arte, nunca aceitou os apelos fáceis da massificação. Na entrevista citada, Milton declarou incisivo: “A massificação vai bitolando a cabeça das pessoas e bitola a música popular brasileira também”. Assim, o cantor e compositor sempre procurou a qualidade musical, sabedor de que escolhera um caminho mais difícil, porém, passadas quatro décadas de seu batismo de fogo com a interpretação de “Travessia”, fica a certeza de que a criatividade e a qualidade resistem a tudo.
Fernando Brant, em depoimento exclusivo, afirmou que “a música de Milton Nascimento não se explica, ouve-se. Desde que o conheci, e à sua música, o Bituca é um repertório de surpresas interminável. Até hoje, quando ele me mostra algo que acabou de compor, sua genialidade não dá descanso. Ele me surpreende agora como me surpreendia 30 anos atrás. A melodia, o ritmo, a harmonia, ele sintetiza o mundo em suas músicas. Devo a ele não só o fato de encontrar uma profissão que me sustenta e dá prazer, como a oportunidade de colocar minhas palavras e minhas idéias em canções belas e diferentes. E, ainda por cima, ele as canta. Ele é fonte inesgotável da música popular brasileira, um gênio”.
Outro artista plástico que retratou Milton Nascimento com rara sensibilidade é Eliardo França. Um dos mais importantes ilustradores brasileiros da literatura infantil e infanto-juvenil, Eliardo também se consolidou como pintor e utilizou da técnica mista para criar o rosto de Bituca sobreposto à imagem de uma igreja barroca mineira. A fusão das imagens marca bem a essência das coisas mineiras no universo do cantor e compositor. Esta ilustração foi publicada com exclusividade em matéria sobre Milton em Portugal e depois ganhou uma versão digital para texto editado no Portal Cronópios, em São Paulo.
O artista é o arauto da liberdade
Na referida entrevista exclusiva publicada em Juiz de Fora, Milton adverte que criaram um tipo de música, um tipo de som, que virou tudo a mesma coisa e, num mercado fechado, a renovação de artistas é mais difícil, porque as grandes gravadoras determinam a política para a área musical, só investindo naquilo que elas acreditam que dá retorno. E revela: “Eu apareci numa época em que todo mundo estava brotando, com mil experiências diferentes, não tinha um som pasteurizado. Nos últimos tempos é mais difícil a pessoa nova ser ouvida, mas não impossível”. Já em 1987, Milton advertia na mesma entrevista publicada na Tribuna de Minas: “É terrível ver um país como esse, onde o músico se forma por esforço próprio, porque não tem escola, nem nada. O Brasil é um desamparo total, e com tantos músicos fantásticos tendo que tocar qualquer coisa, sem poder desenvolver seu próprio trabalho musical, é muito triste. E olhe que o país é rico, é tão grande, com tanta diversidade e o povo é muito musical. Mas prefiro não perder a esperança, porque o dia em que eu perder a esperança, paro de cantar, minha vida acaba”.
Para Milton, o Brasil é um país onde a mistura é tão forte que todas as influências que vierem nas coisas feitas honestamente virão para acrescentar, mas nunca para esmagar a cultura brasileira: “medo de influência esmagar eu não tenho nenhum não”. E arremata: “O lance da arte é a liberdade, o artista é o arauto da liberdade”.
Nélson Ângelo, parceiro dos primeiros tempos, em depoimento exclusivo comenta: “Meu primeiro contato com Milton Nascimento, meu amigo Bituca, deu-se no ano de 1964, em Belo Horizonte, logo após um show do grupo Opinião, realizado no Teatro Francisco Nunes. Desde então construímos uma sólida amizade que dura até hoje, pautada em muito respeito, atenção e paixão pela música. Sempre fomos parceiros em diferentes formas: como amigos, na vida, em trabalhos. Antes mesmo de ‘Travessia’, já curtíamos e nos admirávamos. Nesta época compus ‘Fim de caminho’, ‘Canto triste’ (anterior a do Edu e Vinícius; claro que mudei o título da minha!) e o Bituca tocava pra mim ‘Crença’ e ‘Terra’, parcerias dele com o Márcio Borges. No mesmo período, compus com o Valdimir Diniz a música ‘Ciclo do Ouro’, que foi muito elogiada pelo Milton. Ele foi um grande incentivador do meu trabalho. Mais tarde um pouco, ele e o Márcio fizeram uma que foi dedicada a mim (pelo menos foi o que me contaram), chamada ‘Irmão de fé’”.
Ainda segundo, Nélson Ângelo, “quando o Bituca conheceu o Fernando Brant, foram logo estreando com ‘Travessia’, e muitas outras que surgiram e marcaram seu lugar na história. Mais tarde, eu e ele fizemos ‘Sacramento’ e ‘Testamento’, ambas músicas minhas e letras do Milton. Mais tarde ainda, o samba enredo ‘Reis e Rainhas do Maracatu’, com mais dois parceiros: o Novelli e o Fran”. Portanto, assegura Nélson Ângelo, “minha opinião sobre o Milton e parcerias é abrangente da mesma forma como foi consolidada nossa amizade. Sou suspeito sobre todas as instâncias e circunstâncias. Ainda bem que a admiração e a boa impressão são compartilhadas com tantas pessoas mundo afora que conhecem o assunto”.
“Travessia” é a primeira letra da vida de Fernando Brant, escrita sob pressão, jogada, num papel dobrado, na mesa da padaria São José, em Belo Horizonte. O nome da música foi inspirado no livro “Grande Sertão: Veredas”, do escritor mineiro Guimarães Rosa, que tinha como última palavra da obra o termo “Travessia”. O próprio Milton explicaria a escolha: “O importante não é a saída, nem a chegada, mas a travessia”.
A segunda letra de Brant foi “Outubro”, e o parceiro teria dito anteriormente a Milton: “Agora que você me pôs nessa, trata de compor outra música para eu colocar uma letra logo, senão estou perdido!”. O assédio da imprensa, logo após as apresentações no II FIC-1967, mexia com os dois tímidos compositores mineiros. O cantor, compositor e violonista Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura no Brasil, disse certa vez que a timidez de Milton não é uma timidez pura, mas um ato de observação: “Ele é como essas pedras enormes da Gávea, quietas, silenciosas…observa tudo ao seu redor, fala com o olhar e, quando usa palavras, diz a coisa certa no momento certo”.
Caetano Veloso também fez revelações sobre Milton: “Ele é uma força profunda da expressão cultural brasileira, com raízes muito fortes na nossa história e com um talento na área da genialidade, uma coisa meio espiritual, e se há algo que a gente possa chamar de espiritual é exatamente isso, é quando alguém está ligado a tantas coisas tão importantes por fatores casuais, tantas vezes. Isso para mim é o caso de Milton, é o caso mais radical desse acontecimento no Brasil”.
Só mesmo Milton Nascimento para tornar permanente toda a emoção de coisas tão simples e fundamentais como as brincadeiras de crianças, a cumplicidade entre amigos de verdade, a pulsação de um povo na luta pela liberdade, a dor do amor e do desamor, tudo isso com “o coração aberto em vento, por toda eternidade, com o coração doendo de tanta felicidade”.
No livro, “Os sonhos não envelhecem – histórias do Clube da Esquina” (Geração Editorial), escrito por Márcio Borges, o parceiro e amigo mergulha na essência das vivências desde os tempos em que se conheceram no Edifício Levy, em Belo Horizonte, até a gravação do disco “Angelus”, em 1993. Este disco foi concebido por Milton para simbolizar sua trajetória de vida e seu compromisso com a música.
Milton e Bracher, a comunhão da criação
Um dos momentos mágicos vivenciados por Milton Nascimento, em Juiz de Fora, simbolicamente num dia dedicado à consciência negra, em 20 de novembro de 1999, foi quando o pintor mineiro Carlos Bracher, mergulhado nas cores e ao som das canções do Clube da Esquina e da Nona Sinfonia de Beethoven (1770 – 1827), pintou em óleo sobre tela, durante cerca de 1h30, o retrato do cantor e compositor, antecedendo uma apresentação no baile-show intitulado “Crooner”. Pela primeira vez, Bracher – um dos grandes pintores brasileiros – retratava um artista negro e foi buscar inspiração no erê que dá vivacidade a Milton Nascimento.
Ao expressar o menino que impregna a alma de Milton de alegria e de generosidade, o pintor mineiro celebrava a eterna juventude do autor de “Travessia” (em parceria com Fernando Brant). E Milton estabeleceu com Bracher uma relação de intensidade imensurável. Simplicidade e criatividade de mãos dadas e corações abertos, estabelecendo um elo de cumplicidade e possibilitando um encontro de almas capazes de irradiar harmonia, onde cada um a seu modo criou as condições para estabelecer a alquimia das cores e dos sons. O artista da voz e o artista das cores unidos na comunhão da criação.
Ao reconhecer-se como um erê (como os meninos da capa do antológico disco “Clube da Esquina”, de 1972), Milton posou para o retrato de Bracher deixando fluir todo o sentimento de eternidade que sua música passa e que sua travessia revela, trilhando o caminho da criatividade e do compromisso com a cidadania cultural e com a vida. Como o romancista Guimarães Rosa e o poeta Carlos Drummond de Andrade, Milton Nascimento encarna em sua obra musical a essência de Minas Gerais, a alma brasileira e a universalidade artística dos grandes criadores. Como um mago das cores, Bracher tão- somente revelou essa magia num retrato com a força da emoção de Milton.
No verso do óleo sobre tela, o pintor escreveu: “Meu caro Milton, que assim seja, que este Deus da vida e da arte nos possa abençoar. Obrigado Milton, por essa força contida na sua vasta voz”. Entre a timidez e a felicidade estampada, o cantor, depois de trocar um forte abraço com o pintor, confidenciou ao jornalista, que acompanhou tudo, a satisfação de ter vivenciado aquele momento de intensa troca de energia e de revelação de sua alma de eterno menino nas cores densas e inspiradas de Bracher.
O retrato está na casa de Milton.
Jorge Sanglard – Jornalista, pesquisador e produtor cultural. Escreve em jornais de Portugal e do Brasil.
Fonte: https://jornalggn.com.br/artigos/milton-nascimento-um-cidadao-de-juiz-de-fora-por-jorge-sanglard/

A Orquima, os Klabin e os fundadores do estado de Israel, por Luis Nassif

Nos anos 60, Israel decidiu profissionalizar a Klabin. Foi conversar com Walther Moreira Salles, a quem tinha respeito absoluto
Está firme no Rio de Janeiro, cuidando de sua ONG voltada .para o meio-ambiente, a testemunha de uma das mais audaciosas experiências tecnológicas brasileiras. Trata-se de Israel Klabin, último sobrevivente –porque bem mais moço—da tentativa de consolidação da Orquima, como uma indústria química de ponta no Brasil.
Na Segunda Guerra houve o êxodo judeu da Europa. Os Estados Unidos foram extraordinariamente beneficiados pelos cérebros que foram atrás de um porto seguro. No Brasil, a migração de judeus se deveu a alguns abnegados, entre os quais um diplomata intelectualizado de nome João Guimarães Rosa.
Wolf Klabin, o patriarca da família, era casado com a filha de Arthur Haas, empresário francês cuja casa era frequentada por Guimarães Rosa. O pai de Haas tinha sido intendente do exército francês na revolução napoleônica. Francês de nascimento, com a anexação de sua cidade à Alemanha, Haas tentou se radicar na Rússia. Acabou vindo para o Brasil, onde ajudou na construção de Belo Horizonte. Mas sempre manteve relações próximas com as lideranças judaicas no mundo.
Quando estourou a Segunda Guerra, Augusto Frederico Schmidit, o poeta empresário, de grande influência no governo JK, conseguiu atrair alguns químicos de altíssima categoria, judeus alemães e belgas, alguns recém-saídos de campos de concentração. O mais ilustre era o químico Kurt Weill.
Por insistência de Getúlio Vargas, Klabin acabou se associando à Orquima. As ligações de Getúlio com os Klabin eram antigas. Nas negociações com Franklin Delano Roosevelt, que resultaram na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), entrou um acordo paralelo que garantiu à Klabin o fornecimento de placas de aço (cuja produção era quase privativa do exército americano) que permitiram a construção da Klabin Paraná.
Wolf conseguiu atrair para o Brasil Joseph Blumenfeld um dos judeus mais ilustres do século, concunhado de Chaim Weizmann, primeiro presidente do estado de Israel.
Blumfeld era a grande figura internacional da química atômica e teve papel fundamental na criação do Estado de Israel, graças a uma barganha com a Inglaterra, consubstanciada na chamada “promessa Balfour”. Na Primeira Guerra, Rod Balfour prometeu o apoio inglês ao acordo de divisão do território palestino em troca da produção de acetona sintética, fundamental para o esforço de guerra inglês. Junto com os químicos da Orquima, Blumenfeld desenvolveu uma tecnologia de extração do tório das areias monazíticas.
Dois fatos concorreram para a Orquima não dar certo. O primeiro, a forte reação nacionalista contra a venda das areias monazíticas. O segundo, o fato da tecnologia do urânio ter saído vitoriosa sobre a do tório.
Com o tempo, a Orquima – que iniciou suas atividades produzindo cafeína – acabou absorvida pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, presidida pelo engenheiro Álvaro Alberto.
Nos anos seguintes, a casa de Wolf Klabin receberia conspiradores e lideranças judaicas da fase inicial do Estado de Israel, de Golda Méier e Pinhas Safir, político influente de Israel.
Uma política racional poderia ter atraído para o Brasil um contingente enorme de cérebros judeus expulsos pelo nazismo. Mas ficou-se apenas nessa experiência.
Israel acabou indo fazendo mestrado em Matemática e Física. Depois, fez pós-graduação em Ciências Sociais na França e planejou ter vida acadêmica.
Quando seu tio Horácio Lafer tornou-se Ministro das Relações Exteriores, Israel anunciou sua intenção de não trabalhar na empresa da família. Acabou sendo colocado na Comissão Mista-Brasil-Estados Unidos, chefiada pelo engenheiro Ary Torres. Seus dois chefes eram Roberto Campos e o geólogo Glycon de Paiva.
Nos anos 60, Israel decidiu profissionalizar a Klabin. Foi conversar com Walther Moreira Salles, a quem tinha respeito absoluto. Walther indicou-lhe dois dos melhores profissionais do Unibanco para a tarefa: Júlio Vianna e o futuro presidente do Banco Central, Francisco Gros.
O diagnóstico preparado concluiu que a empresa deveria se tornar uma S/A mas sob controle familiar. O novo nome foi Indústria Klabin do Paraná e Celulose S/A.
O Unibanco ajudou a IKPC a virar empresa aberta, e definiu a organização da estrutura e a profissionalização.
A rede de relações dos Klabin se estendeu também aos Estados Unidos. Nos anos 40, Wolf se tornou grande amigo do embaixador americano Adolfo Berle Jr., professor de Columbia, presidente do Partido Liberal, e com grandes ligações com a ala mais avançada dos democratas. Berle foi embaixador no Brasil no final do governo Vargas, grande defensor da tentativa brasileira de ser autossuficiente no refino de petróleo.
Foi um dos cérebros do New Deal e, desde cedo, tornou-se um adversário dos grandes cartéis que se formavam. Além disso, era anticomunista ferrenho, tendo sido um dos responsáveis pela invasão da Baia dos Porcos.
Berle se tornou o maior amigo de Wolf por várias razoes. Uma das quais é porque, através dos seus serviços de inteligência, havia elaborado  o Livro Negro, o registro sobre os colaboracionistas alemães na América do Sul.
Israel foi criado com os filhos de Berle Jr. Coube a Berle escrever o discurso de posse de John Kennedy, no qual foi lançada a tese da reformulação da política externa americana com a América Latina, em resposta às pressões da OPA (Operação Pan Americana, organizada por Augusto Frederico Schmidit no governo JK).
Em seguida, Kennedy promoveu uma espécie de upgrade dos Latin American Desks, os escritórios de representação que haviam sido relegados a papel meramente burocrático.
O passo seguinte de Kennedy foi constituir um Conselho dos Nove Sábios, um dos quais o economista Rosenstein-Rodan, do MIT, professor de Israel. Do lado brasileiro, um dos nove era Rômulo de Almeida, o homem que desenhou a Petrobrás, na condição de assessor econômico de Getúlio Vargas. Outro integrante era Arthur Schlesinger Jr.
Israel se integrou ao grupo e passou a frequentar a Casa Branca. Na época, o embaixador brasileiro em Washington era Roberto Campos, e o representante brasileiro no FMI Alexandre Kafka.
O grupo começou a trabalhar país por país. Quem comandava o projeto da Aliança para o Progresso era um porto-riquenho. A cabeça jurídica era William Rogers, do reputado escritório de advocacia Arnold & Porter.
Quando Kennedy morreu, Israel permaneceu amigo da família, especialmente de Ted Kennedy. Quando Jânio assumiu, a pedido do governo brasileiro organizou um encontro com Ted, que compareceu acompanhado de professores de Harvard.
Foi um fracasso completo. Jânio agiu com brutalidade sem tamanho com seu chanceler Afonso Arinos, colocado para fora da sala, porque o presidente não queria nenhuma autoridade do seu governo presente. Aliás, o próprio Walther me disse ter ficado surpreso com a maneira com que Jânio tratava seu chanceler. No encontro, ficou dando ordens a Israel, que se limitou a intermediar a conversa. Na saída, a comitiva americana ficou com a nítida impressão de que Jânio era louco.
Dali seguiram para Pernambuco, onde foram conhecer Julião, o líder das Ligas Camponesas.
Fonte: https://jornalggn.com.br/moreira-salles/a-orquima-os-klabin-e-os-fundadores-do-estado-de-israel-por-luis-nassif/

Toffoli indica que Fundação da Lava Jato é um crime


"Não se pode criar recursos para si próprio e nem se apropriar de algo que é da União. Isto tem até nome no Código Penal", disse o presidente do Supremo Tribunal Federal.
Jornal GGN – Presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli emitiu mensagem bastante dura a respeito do caráter do acordo entre Petrobras e procuradores de Curitiba que levaria à criação de uma fundação privada para gerir R$ 2,5 bilhões.
Toffoli evitou dizer o que pensa com todas as letras, mas a indicação que fez foi bem clara: “Não se pode criar recursos para si próprio e nem se apropriar de algo que é da União. Isto tem até nome no Código Penal.”
A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba participou, de maneira obscura, de processo que a Petrobras sofreu nos Estados Unidos por conta da corrupção revelada nos 5 anos de operação. Para evitar ir à juízo em solo americano, a estatal brasileira assinou um acordo com o Departamento de Justiça que previa pagamento de multa bilionária. O DoJ, contudo, abriu mão de 80% do valor em benefício das “autoridades brasileiras”.
Escanteando o governo central ou outra instituição, os procuradores de Curitiba estabeleceram bilateralmente, junto à Petrobras, que os R$ 2,5 bilhões decorrentes da multa nos EUA seriam injetado em um fundo patrimonial. A fundação gestora desses recursos – metade para investidos em ações sociais e anticorrupção bem abstratas, e a outra fatia para ressarcimento de acionistas – seria constituída sob a influência da turma de Deltan Dallagnol.
É nesse contexto que Toffoli contesta a criação de recursos para si própria, e a apropriação de recursos que deveriam ser destinados à União. O STF suspendeu o acordo para análise, mas os procuradores insistem que têm ingerência sobre o futuro dos bilhões.
A fala do ministro ocorreu, segundo relatos do Conjur, durante um jantar promovido por juristas, em São Paulo, em defesa do STF – que vem sendo atacado por apoiadores da Lava Jato nas redes sociais. Gilmar Mendes também esteve presente no encontro.