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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

A reconstrução de África

 
por Marcos Neves Jr.
Aqui houve grandeza destruída pela bárbara invasão/Aqui reside o útero da vida e o umbigo do mundo/Aqui é o berço da História/Do Cabo ao Cairo o vento geme como quem ri e chora”. Os versos do poema Deixo-te a maior missão: a reconstrução de África, da escritora moçambicana Paulina Chiziane, apresentam o sentimento de quem sabe reconhecer o quão grandiosa é a terra que abriga o seu povo e entende a responsabilidade de resgatar a própria trajetória a partir de suas narrativas.
Apesar de todo o tipo de revisionismo que se tem tornado moda atualmente, África, africanos e seus descendentes não deixam que a História seja negada. Da barbárie promovida no continente pelos invasores colonialistas às execuções em periferias de grandes cidades brasileiras, o negro sofre na pele e por causa da cor da pele as consequências do racismo, seja velado ou institucionalmente declarado, além de diversos outros preconceitos que matam, discriminam, tolhem o direito à voz e inferiorizam sua cultura ao longo dos séculos.
Certamente esse é um povo que tem muita história para contar, mas quão atentos estão os leitores? Potencialmente, a capacidade africana de transformar um papel em branco em escrito poético ou suas tradições, lendas e cotidianos em literatura é a mesma de trovadores portugueses, formalistas russos, modernistas brasileiros e tantos outros integrantes de escolas literárias ao redor do mundo. Por que, então, autores daquele continente não são tão populares e lidos no Brasil?
Para a professora de Literatura e Linguística Espanhola da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Izabel Nascimento, a questão passa necessariamente pelo mercado editorial. “Poucas editoras têm cardápio de literatura africana. Publica-se, como nos demais casos, apenas autores consagrados, e estes normalmente não são africanos. Há nomes poderosíssimos, mas ainda sem capilaridade entre o público não especializado. É preciso divulgar que esses autores são excelentes para criar demanda”, explica a docente.
Além de excelentes, como diz Izabel, são laureados. Ainda que algumas controvérsias envolvam premiações como o Nobel e o Camões, especialmente em relação ao júri e aos critérios de escolha, nomes importantes da literatura de África já receberam esses reconhecimentos. Entre os vencedores do Nobel, estão Wole Soyinka (1986), Naguib Mahfouz (1988), Nadine Gordimer (1991) e J. M. Coetzee (2003). Já o Camões, exclusivo para a produção literária de língua portuguesa, tem em sua galeria de honra Jorge Craveirinha (1991), Pepetela (1997), Luandino Vieira (2006), Armênio Vieira (2009), Mia Couto (2013) e Germano Almeida (2018).
Se por um lado, com algumas raríssimas exceções, as editoras negligenciam esses autores, as universidades também precisam mudar algumas posturas nesse aspecto. Na opinião do diretor geral da Associação Internacional de Estudos Culturais e Literários Africanos (Afrolic), professor Sávio Fonseca de Freitas, muitas universidades têm optado por um conservadorismo teórico, privilegiando o estudo mais tradicional da literatura.
“A língua portuguesa deve ser pensada em suas mais diversas formas de manifestação artística e literária. Por isso não podemos omitir ou tornar invisível a literatura africana escrita nesse idioma, principalmente pelo fato de ser a literatura brasileira uma fonte de recorrência de leitura por parte de escritores africanos, que veem em nossa literatura um modelo estético e ideológico de sistema literário”, alerta Sávio, que é professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Entre autores da literatura africana há nomes premiados com o Nobel e o Camões – Foto: Anastácia Vaz
Desinteresse mercadológico de editoras e pouca atenção da academia podem ter, no entanto, um elemento mais amplo como pano de fundo. “No Brasil, foi preciso implantar uma lei para que fossem apresentadas nas escolas a cultura e a literatura africanas. Esse é o peso do racismo no país”, afirma a professora do Departamento de Letras da UFRN, Tania Lima, que também é vice-presidente da Afrolic.
Confira aqui áudio da entrevista com a professora Tania Lima
Sancionada em 2003, a lei em questão é a de n° 10629/2003. Ela inclui na Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional a obrigatoriedade de que os currículos abordem o assunto História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, além de instituir o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, como data oficial no calendário escolar. Mas mesmo 16 anos depois de entrar em vigor, ainda há muito a avançar na representatividade de negros na sociedade e no enfrentamento ao racismo.
Construção da Afrolic
Em meio a esse cenário de reconstrução da identidade africana no Brasil, por meio do combate ao racismo, da promoção da cultura afro e da educação, nasceu, em 2010, a Afrolic, uma associação de professores envolvidos com o estudo das Literaturas Africanas. A entidade está cadastrada no CNPq como um grupo de pesquisa que acolhe estudiosos de todo o mundo e tem como principal meta disseminar o conhecimento sobre o continente africano com base nas diversas áreas das Humanidades.
Desde a sua fundação, a Afrolic vem realizando a cada cada três anos um congresso internacional, em associação ao Encontro dos Professores de Literaturas Africanas, evento que acontece desde 1991 e originou a associação. Sediado anteriormente nas universidades federais do Rio Grande do Sul (2013) e de Pernambuco (2016), este ano o congresso aconteceu na UFRN durante os três últimos dias de julho e recebeu pesquisadores de diversos países.
Sob o tema Literatura, desigualdade e ensino, o evento debateu como a escola e as universidades têm lidado com a relação África-Brasil, o racismo e a contribuição da literatura africana na formação do sistema literário brasileiro. “Essa cultura precisa ser reconhecida, precisa ser lida. É interessante, os africanos nos leem”, ressalta a professora Tania.
Afrolic reuniu pesquisadores em literatura e cultura africanas – Foto: Thamise Cerqueira
Desconstrução do eurocentrismo
Uma das grandes questões que permeiam os debates sobre África atualmente e que foi suscitada no encontro é o eurocentrismo, com base em estudos do teórico camaronês Achille Mbembe. “Africanos vão para outras partes do mundo estudar. Vêm para o Brasil, vão para Alemanha, Portugal, França, Estados Unidos. Então, eles acabam bebendo direto na fonte eurocêntrica. Quando voltam, ficam na comparação entre Europa e África, entre o sistema colonizador e o colonizado, e não saem disso, o que aprisiona a própria construção do universo do negro”, explica.
Para reconstruir África é necessário desconstruir a visão europeia do continente, o que não parece uma tarefa tão simples diante de séculos de acreditação pouco contestada. Quando a poeta escolhe a palavra “missão” para definir a restauração africana, certamente tem em conta quão árdua ela pode ser. Afinal, menos de meio século atrás havia países cuja independência não era reconhecida ainda por colonizadores. A “grandeza destruída pela bárbara invasão” necessita da reavaliação de certos paradigmas teóricos.
Na opinião de Tania Lima, no Brasil, um desses casos é a obra Casa-Grande & Senzala, do sociólogo Gilberto Freyre, publicada em 1933. “Naquele momento foi importante porque ele diz que negro é uma categoria cultural, não biológica, que precisa ter a linguagem, a religiosidade entendidas, mas isso tem um limite. Da mesma forma que ele traz isso como algo positivo e insere o negro na cultura brasileira, tanto em Casa-Grande & Senzala como em Sobrados e Mucambos, por outro lado, nas entrelinhas dessas obras, percebe-se um racismo incutido, que vem da casa-grande. Isso se manifesta ao dizer, por exemplo, que o negro comia melhor quando estava na senzala”, pondera.
Ou seja, para a professora o ensino de literatura africana tem de pensar a partir do seguinte questionamento: como esse sujeito se percebe? Do ponto de vista europeu? “Eu vejo como Lévi Strauss, Gilberto Freyre ou de acordo com o pensamento indígena, do filósofo africano? Ainda prevalece um olhar dual; ou é casa-grande ou é senzala, mas e o quilombo? Quilombo é a revolta, a indignação, a não subserviência. Precisamos ver essa filosofia para nos emanciparmos”, afirma Tania.
Reconstrução de África no Rio Grande do Norte
Nos últimos nove meses, a UFRN sediou dois dos maiores congressos sobre estudos africanos do país. Além do encontro da Afrolic, a universidade recebeu, em novembro de 2018, o IV Congresso Internacional de Literaturas e Culturas Africanas (Griots), que teve como tema Literaturas e Direitos Humanos. Mas alguém pode questionar: existe essa ligação toda do Rio Grande do Norte com África? Fala-se muito sobre os holandeses do período colonial e dos estadunidenses durante a II Guerra Mundial, porém africanos nem sempre são lembrados.
“É preciso mostrar uma relação do estado com a África que é negligenciada. Temos leituras de Câmara Cascudo, que esteve em África e fez um livro sobre isso, Made in Africa. O congolês Kabengele Munanga, uma das maiores autoridades nos estudos africanos e que hoje é titular na Universidade de São Paulo, estabeleceu-se no Brasil como professor da UFRN nos anos 1980, quando deu aulas de antropologia. Há mapeados cerca de 60 quilombos em terras potiguares e muita gente esquece disso. Sim, nós temos muito de África aqui”, afirma contundentemente Tania.
“Não existe combate ao racismo sem investimento em educação”, afirma professora Tania Lima – Foto: Anastácia Vaz
Em 2015 foi criada uma especialização piloto no Rio Grande do Norte nesta área que envolvia, entre outros assuntos, o combate ao racismo nas escolas. Esse projeto teve a primeira perna quando foram capacitados mais de 200 professores de colégios públicos do Seridó, todo ele patrocinado pelo Ministério da Educação. A experiência deu certo e foi relatada no livro Tessitura de Vozes, lançado em 2018, mas diante das seguidas diminuições dos recursos federais destinados à área da educação, o curso ainda não teve uma segunda edição.
Enquanto esse projeto segue em compasso de espera, outros desafios permanecem na pauta diária de docentes, especialmente o de promover o conhecimento dessa literatura. “Vejo que entre os alunos existe uma demanda muito grande. Infelizmente ainda estamos no ponto de despertar a curiosidade, mas essa é uma briga contínua”, relata a professora Izabel Nascimento.
No mesmo sentido, dizendo que é uma batalha infinda, Tania Lima ressalta a importância da inclusão. “Não existe combate ao racismo sem investimento em educação. É necessário pensar em inclusão. A política da exclusão de negros, indígenas, crianças, mulheres só pode ser enfrentada a partir de um processo educacional sério”.
Aliás, não só leitores, mas autores negros também precisam ser incluídos. No Brasil, escritores consagrados como Machado de Assis e Lima Barreto são apresentados em ilustrações e fotos manipuladas com um tom de pele bem mais claro que o real. Em África, entre os laureados com os prêmios Nobel e Camões pouquíssimos são negros. Imagina-se que não seja por falta de opções, pois Sónia Sultuane, Paula Tavares, José Luis Mendonça e Paulina Chiziane são nomes que certamente merecem o reconhecimento dentro e fora da academia e do meio especializado.
E, nessa digressão entre construções, desconstruções e reconstruções, há muito mais poetas, romancistas, contistas e cronistas a serem descobertos. Do Cabo ao Cairo, existe literatura tão cheia de subjetividade e beleza como tantas outras distribuídas nos países que se podem encontrar nos mapas. “Nós que pensamos às margens temos de fazer essa leitura”, afirma Tania, que conclui: “o mundo precisa de leitores e nós temos de abrir a sociedade a partir do livro”.

Fonte: Portal da UFRN

Filme com roteiro de egresso da UERN conquista oito premiações no 47º Festival de Cinema de Gramado


Com oito premiações, o filme “Pacarrete” foi o grande destaque da noite de premiações do 47º Festival de Cinema de Gramado, na serra gaúcha. O longa conquistou Kikitos nas categorias de melhor filme pelo júri oficial e popular, melhor atriz, melhor ator e atriz coadjuvantes, melhor direção, roteiro e desenho de som.
“Pacarrete foi meu primeiro roteiro de longa-metragem, resultado de muita troca, afetos, pesquisa e trabalho, mas também dúvidas e aperreios, como qualquer processo criativo. As oito premiações revelam o comprometimento de toda equipe em contar a história de uma bailarina tida como louca que ousou viver da sua arte”, declarou o roteirista André Araújo, egresso do curso de Comunicação Social – habilitação Rádio e TV, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), em seu Instagram.
O filme é composto por profissionais nordestinos. O cearense Allan Deberton é diretor do longa e também assina o roteiro, juntamente com Samuel Brasileiro, Natalia Maia e André Araújo.
No elenco, estão a premiada atriz paraibana Marcélia Cartaxo, que dá vida a Pacarrete e conquistou o Kikito de melhor atriz; as atrizes paraibanas Zezita Matos (“Onde Nascem os Fortes”) e Soia Lira (“Tatuagem”), o ator baiano João Miguel (“3%”), os cearenses Débora Ingrid (“A História da Eternidade”), Samya de Lavor (“O último Trago”), Edneia Tutti e Rodger Rogério (Bacurau), além da participação de atores e atrizes de Russas (CE), cidade onde o filme foi gravado.
O filme conta a história de Maria Araújo Lima, uma icônica moradora de Russas (CE), que gostava de ser chamada de Pacarrete. “Ela é minha tia-avó. Assim como Pacarrete, eu também sou cearense de Russas. Cresci ouvindo histórias sobre ela, sobre o seu jeito afetado e afrontoso, muitas vezes incompreendido”, contou André Araújo. “Pacarrete” é uma jornada pela mente de sua protagonista e “estabelece um diálogo entre o presente e o passado, a realidade e a utopia. O tom biográfico é atravessado pelo universo fantasioso da personagem que mescla instantes de lucidez e loucura”, conta.
KIKITO
O Kikito é o símbolo e prêmio máximo concedido no Festival de Gramado. Este nome foi atribuído por Elisabeth Rosenfeld, artesã da cidade de Gramado, e responsável pela criação da estatueta com que são laureados os vencedores. Inicialmente, o Kikito era o símbolo da cidade e, mais tarde, tornou-se o troféu do festival. O Kikito é uma figura risonha, um “deus do bom-humor”, com 33 centímetros de altura.
O FILME
Pacarrete é um longa-metragem de ficção, inspirado na história de vida da bailarina Pacarrete. O filme foi gravado na cidade de Russas-CE e aborda questões como a loucura, a permanência do sonho e o drama da velhice de uma bailarina clássica. Registrada como Maria Araújo Lima, ela se autobatizou como Pacarrete, margarida em francês, e assim é lembrada até hoje por todos na cidade.

Nascida e criada em Russas, alimentou desde criança o sonho de ser artista e viver a vida na ponta da sapatilha, mesmo sendo de uma cidade conservadora onde mulher nasceu para casar e ter filhos. Mas é em Fortaleza que ela consegue estar no centro dos palcos como bailarina clássica e se tornar professora de ballet. Com a aposentadoria, a russana retorna a sua cidade natal, onde pretende dar continuidade ao seu trabalho artístico, mas só se depara com desrespeito à sua arte.
Pacarrete continua respirando ballet e traduzindo sua vida em sequências de pliés e demi-pliés, à guisa de ribalta, nas calçadas e praças da cidadezinha. Em vez de plateias de admiradores e aplausos, ela se defronta com a troça e o despeito daqueles que cruzam seu caminho. A bailarina de outrora, que acredita ainda ser, transformou-se, no imaginário popular, na “Louca da cidade”.
Fonte: Portal da UERN