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segunda-feira, 27 de julho de 2020

ESCÂNDALO: Banco do Brasil é assaltado em operação com BTG Pactual

Banco criado por Paulo Guedes comprou por R$ 370 milhões carteira de crédito do Banco do Brasil que vale R$ 3 bi...
O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, entregou seu pedido de renúncia ao cargo alegando cansaço  —  sabe lá de quê —  e disse a amigos que queria estar mais próximos dos netos. Antes da demissão, há duas semanas, Novaes aproveitou seu poder para “passar a boiada”, enquanto a imprensa se preocupava com a Covid-19.
Por Dacio Malta*
Ele vendeu, por míseros R$ 370 milhões, uma carteira de crédito do Banco do Brasil no valor de R$ 3 bilhões ao BTG Pactual  —  banco criado por Paulo Guedes.
Sabem qual foi a última vez que o Banco do Brasil fez operação parecida?
Nunca.
Tudo foi feito sem licitação, sem concorrência, sem absolutamente nada.
Por que só R$ 370 milhões também é um mistério.
Para João Fukunaga, diretor executivo do Sindicato dos Bancários de São Paulo e coordenador da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (CEBB), “a venda da carteira de crédito para o BTG Pactual, dita de vanguarda, é bastante suspeita ao beneficiar, pela primeira vez, um banco fora do conglomerado e que justamente foi criado pelo ministro bolsonarista. Como saber se o BB não está sendo usado para interesses escusos do Paulo Guedes?”.
Como quem entende de economia é o Posto Ipiranga, ele faz o que bem entende, já que o capitão não entende nada de nada.
E, mais pra frente, quem sabe se torne também beneficiário dessa transação. Ou assalto, se preferirem.
Há quem acredite que a mamata acabou.
*Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.
Fonte: Jornalistas Livres

“Vicente e Antonio nos ensinam que é possível viver fiel a si mesmo e a uma amizade”

Autor da peça “Vicente e Antonio - A história de uma amizade: Florestan Fernandes e Antonio Candido”, Oswaldo Mendes descreve como surgiu a ideia do trabalho, que celebra o centenário do sociólogo.

Por Oswaldo Mendes, autor da peça “Vicente e Antonio - A história de uma amizade: Florestan Fernandes e Antonio Candido” (assista ao final do texto).

Por que Vicente e Antonio
Quando Florestan Júnior, na presença cúmplice de Mário Vítor Santos na Casa do Saber, me entusiasmou com a ideia de escrever uma peça de teatro sobre a amizade de seu pai com Antonio Candido, fiz dois alertas.
Primeiro, não busque ver o seu pai na peça. Esse só você conheceu, pertence à esfera privada das relações familiares. Guarde-o para si. A peça não vai olhar pelo buraco da fechadura da casa de ninguém. O Florestan Fernandes que interessa ao teatro é o personagem público, que se revela nas histórias, cartas e ideias trocadas com Antonio Candido. Interessa o seu legado.
Segundo, o teatro não é um tratado sociológico, histórico, genealógico, nem biográfico, no sentido documental. O teatro, e espero que a peça reflita isso, trata de gente, seres humanos em suas circunstâncias, com as alegrias, inquietações, conquistas, angústias e superações de cada um. Como as experimentadas por Vicente e Antonio.
Meses depois, ao concluir a peça, percebo que "sempre que chego ao fim não terminei". Ainda mais no teatro, em que o texto se destina não só a ser lido, mas a ganhar vida no palco e ali cumprir seu destino efêmero. Com a peça pronta é possível olhar o resultado e dizer do que se trata. O que é Vicente e Antonio? É o encontro em tempo de pandemia de quatro atores, dois jovens e dois na maturidade, conversando sobre a amizade exemplar de dois intelectuais, cujas vidas, ideias e histórias são trazidas à lembrança. Simples assim. A esperança é que, ao final dessa conversa, quem a assiste ou lê possa saber um pouco dos dois personagens e, como os quatro amigos atores, divertir-se, comover-se e estimular a própria imaginação, sensibilidade e pensamento.

Por fim, por que Vicente e Antonio? Por que não Florestan e Candido, como eram chamados por seus contemporâneos? Exatamente para que esse estranhamento acentue que não importam os seus nomes e sim os personagens que construíram e o que deixaram para até quando ninguém mais se lembrar quem foram eles. Sem falar no fator teatral que é alguém não ser tratado pelo próprio nome, da infância à idade adulta. A tenacidade de Vicente em ser Florestan é a síntese da sua trajetória, embora dissesse em momento de crise que "ninguém escolhe a própria história e sequer faz a própria biografia". Engano. Vicente e Antonio nos ensinam que é possível viver fiel a si mesmo e a uma amizade.
Fonte: Brasil 247

A amizade de Florestan Fernandes e Antonio Candido

A miséria de uma certa filosofia – resposta a Paulo Ghiraldelli

Em texto publicado em seu blog (1), o professor de filosofia Paulo Ghiraldelli Júnior questiona nosso artigo publicado na última quinta-feira (16) no caderno “Ilustríssima” da Folha de S. Paulo. Cabe registrar, primeiramente, nossa satisfação por ter motivado réplica em assunto tão importante. Também ficamos felizes em perceber que, em boa parte de seu texto, ele corrobora nossa argumentação, já que não enfrenta a questão central. O destaque negativo surge quando Ghiraldelli aponta supostos “erros”. Nesse caso quem se equivoca é ele — em vários pontos. Passamos, então, a uma discussão pormenorizada desses equívocos.
Antes, porém, de entrar no mérito propriamente dito da questão — e vejam que o “propriamente dito” não está aí à toa —, cabe registrar o jeito estabanado como Ghiraldelli acessa a esfera pública. Ele adentra o debate usando tom claramente professoral e desrespeitoso. Sua argumentação exala forte odor ad hominem desde o início, quando sugere que seus interlocutores, por serem “um estudante” e “um jornalista”, não estariam aptos a discutir os temas filosóficos que se propõem abordar.
O mínimo que se espera de alguém disposto a falar de ética é que saiba se conduzir no debate público. Este tem sua etiqueta — palavra que, aliás, deriva de ética. Tal etiqueta inclui coisas como ao menos saber o nome correto de seus interlocutores e não omitir de maneira desonesta seus currículos e qualificações. Chama atenção, em especial, a forma desmerecedora com que o senhor Ghiraldelli usa o termo “estudante”. Do alto de sua presunção, é compreensível que ele jamais tenha aprendido qualquer coisa com um aluno. Mostraremos, aqui, que isso é perfeitamente possível.
O senhor Ghiraldelli proclama que “erramos”. Repete isso de forma exaltada, ao longo de todo o texto, quando dizê-lo uma única vez seria suficiente — se ele de fato tivesse razão. Ele, em nenhum momento, se atreve a atacar diretamente o argumento principal de nosso texto. E que argumento é este?
A questão central de nosso pequeno ensaio sempre foi a recusa de que possa haver consequências boas ou más em si mesmas, isto é, consequências cujo caráter “bom ou “mau” possa ser avaliado de forma fática. Essa avaliação depende do arcabouço axiológico de quem julga. Vejam bem: não se trata de afirmar que não possamos atribuir bondade ou maldade aos atos éticos ou que não se possa atribuir verdade ou falsidade ao conhecimento deles. Trata-se, antes, de propor o abandono de um modelo cognitivo ingênuo e aceitar que há condições pressupostas de julgamentos éticos e cognoscentes, condições que os definem.
Na esfera moral nunca haverá um “cálculo” preciso e objetivo a partir do qual possamos prever factualmente e de uma vez por todas que um ato particular trará consequências majoritariamente benéficas. Quem pensa ser viável tal “contabilidade” revela-se tocado por uma antiga aspiração: conceber as questões morais sob a ótica de uma racionalidade matemática, de vez que todo caso concreto exigiria uma “calculadora felicínea” portátil para mensurar as consequências de cada ação. Este é o centro da nossa argumentação.
Procuramos mostrar que os pressupostos que se supõem fora do cálculo são eles mesmos condições que propiciam o cálculo. Como decorrência desse ponto central, tratamos das condições formais que atuam nas operações consequencialistas. Hélio Schwartsman ilustra sua argumentação com o exemplo: “A morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas” (2). Nosso contraexemplo foi: a morte de todos os ‘comunistas’ pode ser filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que assegurará o progresso da nação e, portanto, a felicidade da maioria. Do ponto de vista formal teríamos:
Exemplo: se um indivíduo que causa a dor de muitos for eliminado, então o sofrimento de muitos atribuído a ele também será.
Contraexemplo: se um grupo de indivíduos que causa dor a um grupo ainda maior for eliminado, então o sofrimento dos muitos desse último grupo também será.
Vemos que para cada efeito esperado é preciso o concurso das condições anteriores ao evento; é evidente que a eliminação da causa principal fará o evento não ocorrer. Do ponto de vista do cálculo formal, os dois raciocínios se equivalem. Ou seja: o mesmo raciocínio consequencialista que justifica a morte de Bolsonaro poderia ser usado pelo presidente para justificar a morte de seus adversários. Só à luz dessa argumentação faz sentido completo o contraexemplo que apresentamos.
O que faz Ghiraldelli? De maneira ardilosa, baseia-se no contraexemplo para apontar nossos “erros”. Qual seu argumento? Ele afirma que, enquanto o exemplo de Schwartsman pode ser objeto de uma “constatação empírica fundamentada”, nosso contraexemplo não pode, pois não passa de “mentira” e de “tolice”. Ora, o ponto de vista empírico-factual que deveria sustentar o raciocínio consequencialista já foi abandonado por nós desde o argumento principal, justamente por ser um modelo ingênuo de julgamento. Isso não foi contestado nenhuma vez!
Em outras palavras, a tentativa desesperada do senhor Ghiraldelli, de apelar mais uma vez para uma “constatação empírica fundamentada” no campo ético, já está descartada desde o início. A verdade é que os fatos “em si” de Ghiraldelli são por nós transformados em condições do julgamento dele, isto é, em componentes de suas próprias escolhas. Ao elevar a discussão ao lugar da filosofia, isto é, às condições pressupostas de qualquer julgamento, haverá sempre um debate envolvendo pontos de vista opostos, uns mais bem embasados, outros com menos justificativas, porém nenhum deles inteiramente empírico.
O que pretendemos demonstrar através do nosso contraexemplo é que, na pura formalidade dos argumentos, todos os desejos e preferências subjetivas são candidatos dignos de serem satisfeitos, uma vez que o resultado empírico do cálculo consequencialista é pura ilusão. Como, do ponto de vista empírico-factual, absolutamente nada pode garantir que um ato trará consequências majoritariamente benéficas, então o que fazem os adeptos do consequencialismo, no final das contas, é apresentar como “cálculo” suas próprias pretensões subjetivas. Mesmo se preenchermos o raciocínio formal com “fatos”, isso não modificará a realidade profunda de que o cálculo das consequências da ação continuará indeterminado. Senão vejamos.
Na hipótese de aceitarmos como verdadeiro o raciocínio de Schwartsman, aonde chegaríamos? Se Jair Bolsonaro desaparecesse cessaria o sofrimento causado pela covid-19? Ou o vice-presidente Hamilton Mourão assumiria o cargo e conduziria a mesma política pública? Nesse caso teríamos que torcer também pela eliminação de Mourão? Quantos mais teríamos de eliminar para fazer valer as supostas consequências positivas desse cálculo de resultados? No final, não estaríamos agindo de maneira tão delirante — embora empiricamente “justificada” — quanto aqueles que pedem a eliminação dos “comunistas”? E a exploração política da comoção gerada pela morte do presidente, não entra no “cálculo”? Ora, fica claro que essa avaliação de resultados expressa muito mais um desejo subjetivo do que qualquer “objetividade” irrecusável.
Nossa apreciação sobre o consequencialismo é que tanto sua força quanto sua fraqueza se baseiam no entendimento – bastante próximo do senso comum — segundo o qual é possível avaliar completamente o conhecimento a partir de dados da experiência. Ressaltamos que todo conhecimento é impregnado de teoria, inclusive nossas mais elementares observações. Nossos sentidos já selecionam teoricamente o que nos interessa através de uma estrutura de pressupostos histórico-sociais interiorizados. Ao contrário do que pensa o empirioutilitarismo, não há nenhuma faculdade racional ou órgão de sentido em que se achem incorporadas capacidades antecipadoras que, no campo prático, possam garantir um resultado benéfico a partir de ações particulares.
Ao obscurecer essa realidade, o objetivismo abstrato do senhor Ghiraldelli abre, paradoxalmente, uma avenida para o relativismo. Pois a ilusão positivista de uma “constatação” puramente  “empírica” pode servir de cobertura para os mais variados tipos de interesses – inclusive para os desvarios anarcoides de quem, sonhando abalar o statu quo, termina por reforçá-lo.
Na verdade, o que o senhor Ghiraldelli chama de “constatação empírica fundamentada” não passa de uma orientação pressuposta e subjetiva que elege uma preferência fática. Ou seja: estamos diante de uma crença justificada que, para tentar refutar argumentos rivais, elege uns “fatos” em detrimento de outros, umas “consequências” em detrimento de outras possíveis. Nessa perspectiva, a suposição de que Bolsonaro — vejam bem, Bolsonaro, a pessoa, não o bolsonarismo — é “algoz” de muitos é um “fato” comprovado metricamente. “Até a revista científica The Lancet chegou a publicar editorial”, diz Ghiraldelli, sem se atentar para o fato de que um editorial, por sua própria natureza — um texto opinativo —, não é o melhor exemplo para a tese que pretende provar.
Ainda assim, com o intuito de desbastar nosso “erro”, ele parte para um truque argumentativo: fixa-se num corolário da tese principal, argumentando ad hoc para, a partir daí, arrotar sua “refutação” com ar professoral. O leitor intelectualmente honesto poderá verificar, ao ler os dois textos, que a resposta do filósofo contorna o argumento central do nosso artigo para girar em torno de uma conjectura utilizada como contraexemplo da hipótese aventada por Schwartsman. Ao arrastar suas objeções para um aspecto secundário da nossa argumentação apenas porque isso serve aos seus interesses, o senhor Ghiraldelli é intelectualmente desleal.
Por ser a única alternativa que permitiria a ele abrir contestação, esquivando-se da questão central que não aborda em nenhum momento, sua única chance era esta: desviar o debate para uma vereda, armar para seus contendores um ardil. Dizer que, desde o início, o que estava em jogo era apenas o pensamento consequencialista de Mill, o qual (supostamente) não se coaduna com nosso contraexemplo. Reside aqui o “abracadabra” do senhor Ghiraldelli. Engenhoso? Talvez para o filósofo uspiano. Quem é da terra de João do Vale não se enrosca com esse tipo de artimanha.
Era necessário desviar todo o debate para o pensamento de Stuart Mill, pois, como ele expõe, o consequencialismo de Mill não seria qualquer um: “Trata-se de uma perspectiva utilitarista ligada ao hedonismo moderno. O que se deseja é que se tome o mais útil para a coletividade, para a sociedade, e o mais útil para a sociedade é o que a deixa mais feliz”. Voltemos a esse tópico, ainda que ele nunca tenha sido verdadeiramente relevante para a coluna vertebral de nossa argumentação.
A exposição de Ghiraldelli sobre o consequencialismo de Mill nem sequer pode ser tomada como parâmetro universal para toda a família das éticas utilitaristas, nem mesmo para todas as éticas hedonistas modernas. Na verdade, quando ele afirma que “para o hedonismo moderno ser mais feliz é evitar maximamente a dor”, incorre em grave imprecisão, já que “ser mais feliz” não significa necessariamente “evitar maximamente a dor”. Não há consenso entre os próprios utilitaristas sobre a equivalência entre prazer e sofrimento (3). Defender a maximização da felicidade não é a mesma coisa que sustentar a minimização do sofrimento.
A título de exemplo (4), uma pessoa rica poderia se colocar a seguinte questão: devo dividir minha fortuna com mil pessoas moderadamente felizes, aumentando assim suas felicidades ou com um pobre doente, vítima de um extremo sofrimento? Se o rico for um utilitarista convencional calcularia qual das ações produziria maior felicidade do que infelicidade para o maior número de pessoas e, obviamente, escolheria dividir o dinheiro para as mil pessoas, maximizando suas felicidades. Já o utilitarista negativo procuraria minimizar o sofrimento mesmo que de apenas uma pessoa, pois ponto chave é que nenhuma quantidade, ainda que massiva, de felicidade pode justificar qualquer sofrimento; seja qual for a presença de sofrimento ela é moralmente indesejada, o que determinaria a doação do dinheiro ao doente.
É por isso que as correntes do chamado utilitarismo negativo (UN) — focadas na eliminação do sofrimento — negam a equivalência entre prazer e dor, considerando-os assimétricos. Para essas correntes não se pode reduzir o sofrimento simplesmente maximizando a felicidade; apenas agindo sobre o primeiro é que se terá uma redução da dor. A assimetria entre dor e prazer passa a ser relevante inclusive na análise das consequências dos atos. Embora o UN não negue o valor de aumentar a felicidade daqueles que já são felizes, prioriza moralmente ações que minimizem ou eliminem o sofrimento (5).
Ao desconsiderar esses detalhes acerca da assimetria entre prazer e dor dentro do hedonismo utilitarista, Ghiraldelli simplifica a questão — resta saber se por ignorância ou para atender a seu interesse utilitário. Ele grita que erramos por não fazer a distinção entre Mill e o resto do consequencialismo — como se isso importasse para nossa argumentação —, mas peca por uma indistinção esta sim grave. Não se pode confundir a luta pela maior felicidade com a busca do menor prejuízo. Não se pode tratar hedonismo negativo e positivo como se fossem a mesma coisa, confusão que — vale notar — não é cometida por Schwartsman em seus textos sobre o tema.
Por fim, não poderíamos deixar de abordar um tema que o senhor Ghiraldelli introduz furtivamente em sua réplica. Ele afirma que “a ética consequencialista se vincula a preceitos do liberalismo humanista que […] até deram para os britânicos um tipo de pensamento socialista”. É verdade. Mas essa verdade precisa ser matizada. O campo do humanismo é muito vasto, e o de Stuart Mill não é daqueles de maior consequência (com o perdão do trocadilho). Vejamos o que ele diz em seu ensaio On Liberty, referindo-se aos povos das colônias inglesas:
“As dificuldades que inicialmente se opõem ao progresso espontâneo são tão grandes que raramente se pode escolher entre vários meios para superá-las e um governante animado por intenções progressistas pode usar qualquer meio que permita conseguir uma finalidade em outros casos impossível. O despotismo é uma forma legítima de governo quando se lida com bárbaros, desde que o objetivo seja o progresso deles e os meios se justifiquem pela eficiência, no presente, para atingir esse resultado. O princípio da liberdade não se aplica a nenhuma situação anterior ao momento em que os homens se tornaram capazes de melhorar através da discussão livre e entre iguais.” (6)
Em outras palavras, Stuart Mill não fundamentou apenas um “liberalismo humanista” que resultaria em um tipo de socialismo pré-marxista. Ele fundamentou, também, o colonialismo britânico. Seu humanismo burguês é débil e incoerente: vale apenas para os povos “civilizados”. A liberdade não é para qualquer um, mas apenas para aqueles que superaram a barbárie. Para todos os outros se pode “usar qualquer meio” que “permita conseguir” a nobre “finalidade” de removê-los do estado de natureza. Qualquer meio, repito, inclusive o despotismo, “forma legítima quando se lida com bárbaros”. Ele é válido desde que “os meios se justifiquem pela eficiência, no presente, para atingir”… Para atingir o quê mesmo, senhor Mill? Para atingir o quê mesmo, senhor Ghiraldelli? Certamente, para atingir a melhor das intenções “civilizatórias”.
Ghiraldelli também tem a melhor das intenções. Ele as considera tão justas que poderia prová-las irrevogavelmente, através de uma “constatação empírica fundamentada”. Vá em frente, senhor Ghiraldelli, mas estaremos aqui quantas vezes for necessário para lembrar que seus “cálculos” não possuem a objetividade crua das pedras de calcário. Eles se fundamentam em pressupostos axiológicos, em toda uma visão de mundo.
A mundividência do senhor Ghiraldelli inclui, pelo visto, o mesmo sentimento de superioridade que Stuart Mill ostentava em relação aos “bárbaros” das colônias. Mas Mill, ao menos, era Mill, e a história só se repete como farsa. Com seu ar professoral, Ghiraldelli mais se assemelha a um coach que amplifica um falso problema para vender uma receita pronta. Não é de admirar em alguém que emprega seu tempo postando no YouTube comentários políticos rasos, do mais absoluto senso comum, típicos de um “tio do pavê” sem experiência política real.
O problema é que — agora o constatamos — a miséria não era só no YouTube.
Notas
(1) GHIRALDELLI Jr., Paulo. Estudante e jornalista erram ao avaliar consequencialismo de Schwartsman. Paulo Ghiraldelli Jr. — Filosofia como crítica cultural [on-line]. São Paulo, 16 jul. 2020. Disponível em: https://ghiraldelli.pro.br/2020/07/16/estudante-e-jornalista-erram-ao-avaliar-consequencialismo-de-schwartsman/.
(2) SCHWARTSMAN, Hélio. Por que torço para que Bolsonaro morra. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 jul. 2020. p. A2.
(3) Os termos “felicidade” e “prazer” são tomados aqui como sinônimos, assim como “dor” e “sofrimento”.
(4) Exemplo extraído de: WARBURTON, Nigel. Elementos Básicos de Filosofia. Lisboa: Tipografia Guerra/Viseu. 1998, p. 39.
(5) Sobre a assimetria entre dor e prazer, cf. POPPER, Karl R. A sociedade aberta e seus inimigos. Tomo I. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987;  PEARCE, D. The Pinprick Argument. Negative Utilitarianism, broken symmetry and the fate of the world. 2005. Disponível em: < https://www.utilitarianism.com/pinprick-argument.html >. Acessado em 19 julho de 2020.
(6) apud LOSURDO, Domenico. Liberalismo : Entre civilização e barbárie. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006. p. 105-106.
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