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domingo, 12 de janeiro de 2020

Quem são os povos indígenas brasileiros? – Coluna: Daniel Munduruku

MULHERES - Por que a violência contra mulheres indígenas é tão difícil de ser combatida no Brasil


"Precisamos descolonizar o nosso imaginário sobre esses povos. Não temos que falar pelas mulheres indígenas, mas aprender com elas".

"O pai, não indígena, foi acusado de estuprar as cinco filhas. Os abusos aconteciam na casa onde ele morava com as meninas e outros três filhos, após se separar da esposa. A mãe, que é indígena, fez a queixa pois desconfiou do comportamento de uma das meninas."
"Das violências relatadas pelos indígenas, uma das mais chocantes foi o estupro coletivo de uma jovem Guarani e Kaiowá por doze pistoleiros. Eles a pegaram no mato quando ela se perdeu ao tentar fugir do ataque."
"A vítima foi pegar frutas no pomar da aldeia quando foi atacada por um integrante da comunidade. A criança foi encontrada com ferimentos e encaminhada para o hospital. O autor do crime já cumpre pena em regime de prisão domiciliar. Depois do crime, ele fugiu."
Mulheres e indígenas. Violentadas e indígenas. Anônimas e indígenas. Esquecidas e indígenas. Em comum, a violência presente e velada.
As mulheres são as principais vítimas das violências praticadas contra as comunidades indígenas no mundo, de acordo com relatório da ONU.
Os dados da organização mostram que mais de 1 em cada mulheres indígenas são estupradas ao longo da vida - e a violência faz parte de uma estratégia para desmoralizar a comunidade ou como "limpeza étnica".
No Brasil não é diferente.
No Mato Grosso do Sul, estado com a segunda maior população indígena do País, com 72 mil pessoas, os casos de violência contra a mulher indígena aumentaram em aproximadamente 495%Em 2010, o número era de 104 agressões físicas. Já em 2014, foram relatadas 619 agressões.
Só em 2016, o levantamento da Secretaria de Segurança Pública do mesmo estado mostrou que o número de denúncias de violência contra a mulher na região cresceu 23,1% no primeiro semestre daquele ano em relação ao mesmo período em 2015.
Uma violência invisível
Os relatos que abrem este texto são verídicos e foram registrados pelo relatório de Violência Contra o Indígena de 2015 do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
O levantamento do Cimi mostra que, só em 2015, 137 casos de assassinatos de índios foram contabilizados no País. Outros dados obtidos junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e às equipes regionais do Conselho revelam a ocorrência de 87 suicídios entre os povos indígenas no último ano. Ainda, 9 casos de violência sexual contra várias mulheres foram contabilizados em comunidades espalhadas pelo Brasil.
Porém, estes dados não podem ser lidos ingenuamente. O próprio Conselho chama a atenção para a fragilidade dos números:
"Os dados ainda carecem de melhor qualificação. Eles não permitem uma análise mais aprofundada, visto que não foram apresentadas informações detalhadas das ocorrências, tais como faixa etária das vítimas, localidade, povo, etc. A fragilidade destes dados dificulta uma clara percepção da autoria das violências, se eles tiveram como pano de fundo a disputa pela terra ou, nesse sentido, se são consequência do fato dos indígenas não estarem vivendo em seus territórios tradicionais."
Em março de 2016, a relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, também foi clara em sua recomendação: é preciso ter uma maior documentação dos problemas enfrentados pelas mulheres indígenas no País.
Durante a sua visita, ela destacou os casos de violência não só doméstica, mas também os estupros consequentes das invasões e reforçou a importância de documentar essas questões para que sejam incluídas na pauta política, a fim de serem solucionadas.
Por que a violência acontece?
Marcia Wayna Kambeba é geógrafa e ativista dos direitos indígenas. Ela pertence ao povo Omaguá Kambemba que no início da colonização se dividia entre os territórios do atual Equador e no norte do Rio Amazonas.
Para além dos números, ela sabe que a violência é real.
"A mulher indígena sofre vários tipos de violência. Primeiro ela sofre por ver seu povo sendo afetado, marginalizado, discriminado. Depois, ela sofre como mulher e essa violência não é só física, ela é psicológica e social também. O estupro é presente e é uma forma de desmoralizar a aldeia. Ano passado tivemos só em uma aldeia 3 casos de violência sexual", compartilhou em entrevista ao HuffPost Brasil.
Hoje, mestre em geografia pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas), ela transformou sua origem em arte, como compositora de músicas em Tupi Guarani, e em luta, como militante e educadora sobre os direitos indígenas. Ela explica:
"Mulheres indígenas sofreram esterilização forçada. Mulheres e crianças são violentadas e assassinadas por pistoleiros como forma de intimidar o povo a deixar a aldeia. Os responsáveis não são punidos. Na aldeia Tururucari-Uka, do povo Kambeba, as casas foram derrubadas várias vezes. A cacique de lá é uma mulher. Ela lutou bravamente e a aldeia hoje continua no mesmo lugar. Uma comunidade não indígena invadiu a aldeia na tentativa de expulsá-los. O líder da invasão disse aos Kambeba: pra que índio quer tanta terra?"
Diante do aumento expressivo de denúncias de violências, o Núcleo de Proteção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul (Nudem) resolveu distribuir cartilhas sobre a Lei Maria da Penha nas comunidades indígenas. Serão 1500 documentos divididos entre as Terenas e as Guaranis com as especificidades da Lei traduzidas nas línguas de origem.
Edmeiry Silara Broch Festi é coordenadora do Núcleo e atuou diretamente no projeto. Ela conta que a defensoria faz projetos ao longo do ano em defesa da vida das mulheres e durante um dos eventos surgiu a demanda para que a Lei Maria da Penha fosse traduzida:
"Em setembro fizemos o lançamento oficial da cartilha com as lideranças locais. Agora, começamos a visitar as aldeias para fazer a entrega do documento junto com as palestras. Contamos com ajuda de intérpretes para fazer a apresentação nas línguas Guarani e Terena. Além do trabalho com as mulheres, essa cartilha vai servir para as escolas das comunidades desenvolverem as leituras nas aulas, não só com as meninas mas também com os meninos", explica em entrevista ao HuffPost Brasil.
Durante a exposição dos seminários, o objetivo da coordenadora é explicar o atendimento da Defensoria Pública para as mulheres, bem como conscientiza-las de que a Lei Maria da Penha é um instrumento do Estado para ser usado em defesa delas.
"Quando entramos em contato com as comunidades percebemos que o Estado não tem números que retratem a realidade em relação aos indígenas. Outro desafio é a influência da cultura branca. A maioria dos casos que a gente escuta está associada ao consumo de álcool, além dos conflitos por demarcações de terras. Ainda, é comum ouvir das lideranças locais que o povo indígena é menos machista. A nossa grande dificuldade é fazer com que elas próprias se reconheçam como vítimas, de tão enraizada que a cultura do homem é. O público da defensoria já é vulnerável, e dentro dos vulneráveis temos ainda uma situação mais delicada, que é a das mulheres indígenas."
Os limites da Lei Maria da Penha para as indígenas
Apesar dos esforços de projetos como o do Nudem, a aplicação da lei que tipifica a violência doméstica como crime ainda está longe de atender às necessidades das indígenas.
Seja pela falta de acesso à informação; pela dificuldade, inclusive, geográfica - já que a maioria das aldeias estão distantes dos locais que recebem as denúncias; ou ainda pela complexidade que existe quando se trata de uma sociedade que tem organização própria e diferente das cidades, a Lei Maria da Penha não se aplica a realidade de grande parte das mulheres indígenas.
Lívia Gimenes é advogada e autora da pesquisa A construção Intercultural do Direito das Mulheres Indígenas a uma vida sem violência: A experiência brasileira, em que analisou documentos da Funai sobre oficinas realizadas pelo órgão com mulheres das aldeias para discutir a violência doméstica.
Para Lívia, a lei 11.340/2006 foi pensada para um contexto urbano e mesmo nas cidades enfrenta dificuldades no momento de sua aplicação. Quando levada ao contexto das aldeias, ela é ainda mais ineficiente e chega a ser problemática.
"Quando a gente fala de política de enfrentamento da violência, a gente não tem uma mulher universal. A gente tem dificuldade de lidar com os vários perfis de mulheres em suas várias realidades diferentes. E quando se fala de mulheres indígenas a diversidade é ainda maior. Ouvi das indígenas que elas têm medo de o quanto a aplicação da lei poderia desestruturar a realidade em que elas vivem e isso sempre gera muita angústia. Elas não são contra a lei, mas também não se reconhecem nela", explica a advogada.
Em sua pesquisa, a advogada teve acesso as atas dos seminários promovidos pela Funai entre 2008 e 2010, que eram norteados por três perguntas:
Quais e como tem sido tratada a violência em sua comunidade?
Como as leis podem ajudar no combate à violência contra as indígenas?
Como poderia ser tratada a violência contra as mulheres indígenas?
Como resposta, destaca-se pelo menos três pontos que preocupam as indígenas:
1. O futuro das jovens da comunidade, e para aquelas que residem em aldeias próximas às cidades a situação do subemprego e desemprego precisa ser modificada;
2. A capacitação de agentes estatais que se relacionam com os povos à respeito da violência doméstica e dos regimentos internos das aldeias;
3. Instrumentos estatais de acolhimento psicológico das vítimas de violência e de agressores que precisam estar adaptados à realidade indígena;
A demanda pela prisão dos agressores apareceu como resposta de apenas um dos grupos de mulheres ouvidos.
A maioria sugere a aplicação conjunta da Lei Maria da Penha e do regimento interno das aldeias, mas com a prioridade para as regras da própria comunidade e, inclusive, há uma proposta especificando como funcionaria:
"Colocar o agressor na presença do cacique, lideranças e representantes da FUNAI, lembrando que terá duas oportunidades para resolver a questão dentro da comunidade, na terceira oportunidade será levado a lei do branco."
Segundo a pesquisadora, a resistência diante de qualquer intervenção estatal e o motivo pelo qual essas mulheres não se sentem reconhecidas na Lei Maria da Penha pode ser associada a uma desconfiança em relação à atuação das "leis brancas" que podem aprofundar ainda mais a desestruturação interna promovida pelo contato com mundo não indígena.
"É muito presente a demanda por autonomia decisória dos povos indígenas e que a criação de políticas públicas perpassem por consultas diretas e, preferencialmente, coletivas junto a estes povos. A construção de um Estado que seja realmente democrático deve ser capaz de representar ou de permitir coexistir grupos distintos, porém com a mesma dignidade de ter neles sujeitos de direitos. Aqui direito compreendido não como um equivalente a sistemas legais, mas como expressão de uma superação de condições de opressão por meio da ação organizada legitima por quem a sofre", explica a pesquisa de Gimenes.
Ainda, a pesquisadora traz a questão da demarcação das terras indígenas para o centro do debate. No levantamento do Cimi, a média anual do número de homologações entre 2011 e 2015 foi de 3,6%, totalizando 18 territórios reconhecidos oficialmente. O número é muito abaixo da média de períodos anteriores. Entre 2003 e 2010, por exemplo, a média anual foi de 10%, com 79 territórios reconhecidos; já entre 1995 e 2002, a porcentagem foi de 18%, resultando em 145 terras homologadas.
"O Estado tem que entender que a demarcação de terras é uma pauta de enfrentamento a violência contra as mulheres, porque é a terra que garante uma reestruturação das comunidades indígenas. Sem terras reconhecidas, o que acontece é um efeito cascata de violência e a parte mais vulnerável é a mulher. A demarcação é uma pauta de gênero e de defesa das mulheres indígenas", constata Gimenes.
Como a questão de gênero é tratada nas aldeias?
Falar de violência contra a mulher é falar também sobre a desigualdade de gênero. Mas novamente, o tema ganha diferentes nuances quando se trata das comunidades indígenas.
De acordo com Iza Tapuia, consultora da UNESCO e uma das lideranças do povo Tapuia, para interpretar os papeis que mulheres e homens assumem nas aldeias é preciso se desnudar do olhar da cidade:
"No contexto das comunidades o mundo dos homens e das mulheres está muito bem definido. Se você pega um roçado, por exemplo, os homens vão limpar, derrubar as árvores, abrir o espaço. Já o plantio é por nossa conta. A gente tem essa relação mais próxima com a terra e tudo tem a ver com a reprodução. A terra reproduz a semente né? E a gente produz os outros membros do grupo para não deixar nosso povo acabar."
E completa:
"Essa questão de gênero é muito complicada para a gente. No mundo não-indígena ela está ligada ao poder e a submissão. Mas no mundo indígena é mais complexo. Os homens não tomam a decisão sozinhos. Apesar de estarem no terreno, ou conversando na casa dos homens, eles não saem de lá sem levar em conta a orientação das mães, das irmãs, das esposas. É muito difícil que um homem tome uma decisão que não seja compartilhada com as mulheres. Dá a impressão para quem chega de fora que eles são os todos poderosos, são o centro da aldeia. Mas isso não significa que nós não temos nosso poder. Se você conviver em uma aldeia você vai perceber isso. Essas normas são feitas muito antes da gente nascer. Já está definido ali o meu papel, a minha responsabilidade."
Ela ainda afirma que os casos de estupros se tornaram realidade nas comunidades e argumenta que as motivações externas, como o uso excessivo de álcool, precisam ser freadas.
"O estupro não é uma prática natural nas aldeias. É uma distorção moral e cultural. As mulheres indígenas começam a ser preparadas para a reprodução física e cultural do povo a partir da primeira menstruação. No olhar não-indígena isso vai ter distorções. Nós já temos muitos problemas causados pelos brancos. E quando estes problemas, como o estupro e o consumo de álcool, chegam nas aldeias eles são muito mais graves, pois afetam a organização social tradicional dos povos. Por isso que tudo tem que ser analisado caso por caso."
Como o ritual da passagem da infância para a vida adulta é entendido em aldeias
Povo: Karajá
"Na primeira menstruação, a moça passa a ser vigiada pela avó materna, ficando isolada. A sua aparição pública, quando está bem enfeitada com pinturas corporais e enfeites plumários para dançar com os Aruanãs, é muito prestigiada pelos homens. O casamento ideal é aquele arranjado pelas avós dos nubentes, preferencialmente da mesma aldeia, quando os jovens estão aptos a ter relações sexuais. O casamento mais comum é a simples ida do rapaz para a casa da moça, o que pode ser precipitado se algum parente masculino, da parte dela, surpreende algum encontro do casal às escondidas. O homem, uma vez casado, passa a morar na casa da mãe da esposa, seguindo a regra matrilocal. Quando a família se torna numerosa, o casal faz uma casa própria, mas anexa àquela de onde saiu, caracterizando espacialmente a família extensa."
Povo: Kambeba
"Os Kambeba se organizam em famílias patriarcais. Ao casar, o casal faz sua própria casa, mas mantêm estreita ligação e obediência aos pais e sogros até que estes morram. As mulheres cuidam especialmente das atividades domésticas, dos filhos pequenos, da casa, da alimentação diária; zelam pelos pertences do marido, pela educação das meninas nas normas e nas regras do grupo; mas realizam também outras atividades, como plantio e limpeza do roçado, coleta de frutos e descascam mandioca para fazer a farinha. Os Kambeba não proíbem o casamento para fora do grupo. Pelo contrário, observa-se que as alianças matrimoniais com outros grupos indígenas e com outros ribeirinhos têm sido um recurso constante do grupo para manter um equilíbrio populacional, mas também para realizar alianças políticas interétnicas."
Povo: Nambikwara
"Logo que tem a sua primeira menstruação, a menina púbere (wa'yontãdu, "menina menstruada") deve permanecer em reclusão em uma casa construída pelos seus pais especialmente para este fim. Os Mamaindê se referem a essa pequena maloca feita com folhas de buriti como wa'yontã'ã sihdu ("casa da menina menstruada"). Lá a menina deverá permanecer de um a três meses, ao fim dos quais uma grande festa será feita e os convidados de outras aldeias nambiquara virão para retirá-la da reclusão. A menina (wekwaindu, "menina", "moça") passa, então, a ser considerada uma mulher "formada", conforme explicam os Mamaindê."
Povo: Tupi-Guarani
"Os homens casam-se entre 16 e 18 anos, enquanto as mulheres podem casar-se a partir da segunda ou terceira menstruação, em geral entre 14 e 17 anos. Na primeira menstruação as meninas têm seu cabelo cortado e mantêm resguardo dentro de suas casas, onde recebem alimentos e de onde raramente saem por algumas semanas. Não há ritual específico nos casamentos, cabendo aos pais do rapaz, na pauta tradicional guarani, a iniciativa de falar com os pais da moça sobre o matrimônio. Espera-se, contudo, que os noivos estejam aptos a construir e manter casa e filhos."
Marcia Kambeba chama a atenção, ainda, para outro tipo de violência que também está relacionada ao gênero: a criação de estereótipos da mulher indígena:
"A violência contra a mulher indígena não é só estupro. Nós passamos por constrangimentos de todas as formas. Por exemplo, quantas vezes já ouvi 'você não tem cara de índia!'. Se a mulher não fala mais a língua materna é brutalmente criticada. Se usa roupa também é criticada ou chamada de 'aculturada'. E o casamento sem que ela sinta vontade de se casar? E ainda quando a natureza é agredida, a mulher indígena também sente. A terra, a água e a mata são femininas."
O perfil do agressor
Em nota pública divulgada em abril deste ano, a ONU Mulheres alertou para as disputas de terras em estados como Mato Grosso do Sul, Bahia e Ceará.
"Num contexto de defesa de territórios e exclusões sociais, as mulheres indígenas têm sido alvo de violências perversas baseadas em gênero, a exemplo de feminicídios, exploração sexual, tráfico de pessoas e agressões de outras naturezas que se acentuam na medida em que elas afirmam o seu protagonismo político em defesa dos seus povos e seus direitos."
Além disso, é comum o relato do uso abusivo de álcool ou outras drogas por aqueles que cometem o crime. Ainda, faz parte dos abusos outras violências consideradas mais sutis, como a privação das mulheres indígenas de ocuparem espaços públicos.

"Não precisamos colonizar, mas aprender"

Por muito tempo foi considerado que os indígenas eram imagens de um passado "atrasado". O exemplo de uma sociedade a ser "salva" por um colonizador "moderno". À eles, e principalmente à elas, foi designada a nudez, as pinturas, os colares, como algo exótico a ser exibido.
Antes, eles eram cerca de 3 a 4 milhões. Segundo o Censo do IBGE de 2010, agora são 817 963 mil, entre os mais de 240 povos. Sobreviveram a extinção, mas continuam sendo violentados.
"É preciso considerar que a Lei Maria da Penha também é polêmica fora do "mundo aldeia". Como não seria entre as indígenas? Essa questão é mais complexa ainda entre as indígenas, pois elas pensam na lógica do conjunto dos problemas que afetam o seu povo e as questões de solidariedade interna são mais complexas", constata a antropóloga Arneide Bandeira Cemin, da Unir (Universidade Federal de Rondônia).
É mulher, mas é indígena. Foi estuprada, mas é indígena. Não tem voz, mas é indígena. Esse "mas", aqui, é a resistência presente. E eternizada.
"Precisamos descolonizar o nosso imaginário sobre esses povos. Não temos que falar pelas mulheres indígenas, mas aprender com elas", finaliza Cemin.

O tempo passou e me formei em solidão



Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. 

Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, garoto!

Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente.

Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala.

Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre.
Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro… casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:

– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite… tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança… Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam…. era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade…

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos… até que sumissem no horizonte da noite.


O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail… Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!… – ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir?

O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite…

Que saudade do compadre e da comadre! 
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Texto de autoria de José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João Del-Rei/MG. (imagem ilustrativa. Pintura do artista plástico Márcio Luiz).

Quem quiser conhecer a biografia e os trabalhos desse grande escritor mineiro, nesse link tem sua biografia e trabalhos: http://fundacaoschmidt.org.br/jose-antonio-oliveira-de-resende/

Saiba como ativar o tema escuro no Facebook - Por Carlos Rocha

Foto reprodução
A rede social fez chegar a nova funcionalidade a um número limitado de utilizadores.
O tema escuro tornou-se uma das mais funcionalidades mais populares entre os utilizadores de apps. A capacidade de alterar o fundo de branco para negro já está disponível em apps como o Instagram, Twitter e Messenger, com o Facebook a ser a plataforma mais recente a oferecer a opção.
Diz o TechRadar que o Facebook lançou recentemente a opção na versão desktop da sua rede social. Infelizmente, de momento o tema escuro está disponível apenas para um número limitado de utilizadores, com promessa de vir a estar disponível para um ‘leque’ mais abrangente.
Caso queira saber se está entre os (sortudos) escolhidos pelo Facebook só terá de estar atento quando entrar na rede social uma vez que surge uma janela ‘pop-up’ que lhe perguntará se deseja experimentar a mudança. Ainda não há data para o lançamento oficial.

O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO*

Resultado de imagem para imagens da O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO*
Imagem do Google
Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:

– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão.

Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, internet, e-mail, Whatsapp ... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!..


José Antônio Oliveira de Resende.

NOSSOS PARABÉNS PELO SUCESSO DO GAROTO NOVACRUZENSE, BENÍCIO RAMOS NO THE VOICE KIDS

BENÍCIO RAMOS - Imagem Tribuna do Norte
Foto divulgação: BENÍCIO RAMOS, um garoto com talento! Que venha a próxima fase do 'The Voice Kids' 

Estamos todos orgulhosos pelo sucesso do garoto novacruzense, BENÍCIO RAMOS por seguir na LUTA por lugar ao "SOL MUSICAL", passando para a fase seguinte.

Para nós já era de se esperar, pois o garoto tem sangue de cantor e compositor nas veias... Seu saudoso avô, JOÃO RAMOS, como também seu pai, Edmilson Ramos, seu tio, Beto Ramos e tantos outros da família RAMOS.

O povo potiguar e em especial a cidade de Nova Cruz continuarão de mãos dadas torcendo pelo nosso BENÍCIO!  Que venha a próxima fase!

O Centro Potiguar de Cultura - CPC/RN também estará na torcida!  RUMO A PRÓXIMA FASE! NOVA CRUZ EM FESTA!

NOSSA SINGELA HOMENAGEM AO JOVEM TALENTOSO - DEMETRIOS MONTENEGRO

ROSAS E VIOLEIROS DE DEMETRIOS MONTENEGRO - 2013

Valorizar, incentivar, divulgar, entre outros ingredientes culturais prestamos a mais singela homenagem ao jovem talentoso novacruzense, DEMETRIOS MONTENEGRO!

Um jovem que nos orgulha e nos fortalece diante de tanto talento! Nos seus 10 anos de existência o Centro Potiguar de Cultura - CPC/RN presta esta SINGELA HOMENAGEM a este talentoso ARTISTA!

Gente boa, de visão cultural espetacular, de uma criatividade fora do comum! Merece, SIM! O Diploma de Honra ao Mérito nos 10 anos do CPC/RN!

Na III etapa de entrega dos Diplomas de Honra ao Mérito o CPC/RN manterá contato com o mesmo para "notificá-lo" da nossa decisão. Aguarde!

Um ano sem MinC: os impactos do desmonte bolsonarista na Cultura

Em entrevista ao Vermelho, Celio Turino e João Brant, ex-gestores do Ministério da Cultura, analisam os impactos da extinção do MinC e do desmonte do setor cultural
Se estivesse vivo, o Ministério da Cultura (MinC) completaria 35 anos em 2020. Sua certidão de nascimento, o Decreto Nº 91.144, é simbólico: o ex-presidente José Sarney (PMDB) criou a pasta em 15 de março de 1985, dia inaugural de seu governo e da Nova República. O MinC foi um dos primeiros frutos – um filho legítimo e emblemático – da redemocratização do País.
Já seu atestado de óbito, assinado há um ano, atende pelo nome de Medida Provisória Nº 870. Em 1º de janeiro de 2019, poucas horas depois de tomar posse na Presidência, Jair Bolsonaro rebaixou o status administrativo da Cultura – de ministério para secretaria especial – e subordinou suas funções ao Ministério da Cidadania. Em novembro, um novo retrocesso: a pasta foi transferida para o Ministério do Turismo.
Para analisar os impactos da extinção do MinC e do desmonte do setor, o Vermelho ouviu dois gestores que participaram do período de maior expressão do ministério – os 13 anos sob os governos Lula e Dilma. O historiador e gestor de políticas públicas Celio Turino comandou a Secretaria da Cidadania Cultural entre 2004 a 2010, idealizando os programas Cultura Viva e Pontos de Cultura. Já o pesquisador João Brant, militante de cultura e de comunicação, foi secretário executivo do MinC (2015-2016). Confira:
*Vermelho: Antes de Jair Bolsonaro, houve Michel Temer no caminho da Cultura. Em que medida o atual governo já encontrou um MinC diferente daquele deixado por Lula/Dilma?
Celio Turino: É preciso compreender o impacto das políticas culturais inauguradas sob o governo Lula, com os ministros Gilberto Gil e, depois, Juca Ferreira. Os Pontos de Cultura alcançaram 1.100 municípios, com 3.500 pontos – a maioria em favelas, aldeias indígenas, assentamentos rurais, periferias de grandes cidades a pequenos municípios, atuando desde o campo da cultura popular e de periferia à arte de vanguarda e ao software livre. Essa política pública se disseminou pela América Latina, com reconhecimento de diversos governos e até mesmo do papa Francisco. Hoje, há Pontos de Cultura em 17 países. Houve a consolidação de uma indústria audiovisual no País, gerando centenas de milhares de empregos. No campo da Identidade e Diversidade Cultural, o Brasil foi um dos principais artífices da política de diversidade da Unesco. Conseguimos assegurar ao menos uma biblioteca em cada município, incluindo os rincões mais afastados. Foi criado o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Enfim, as muitas iniciativas resultaram em um conjunto de políticas inovadoras. Lamentavelmente, a partir de 2011, houve uma descontinuidade dessas políticas, com incompreensões e mesmo desmonte – não na intensidade atual, mas que provocaram uma contínua perda de espaço. Com o governo Temer, houve a tentativa e o recuo na extinção do Ministério da Cultura. Seguiu-se uma gestão sem grandes formulações ou ações merecedoras de destaque, mas também sem grandes destruições – “medíocre” seria a definição mais apropriada. Com o governo Bolsonaro, isso muda, havendo uma política aberta de ódio e destruição à cultura, às artes e ao pensamento.
João Brant: Desde o governo Temer, o ministério já vinha em um processo de grande enfraquecimento. A “PEC do Teto dos Gastos” (Emenda Constitucional 95, sancionada em 2016) comprimiu muito o espaço dos ministérios que dependem de orçamento discricionário, como a Cultura, que não tem despesas definidas como obrigatórias. Em relação às políticas públicas, houve a desmontagem do programa Cultura Viva, uma ação que foi assumida pelo (ex-ministro) Sérgio de Sá Leitão numa entrevista. O audiovisual foi marcado por uma política errada da direção da Ancine (Agência Nacional do Cinema), com o Christian de Castro e seu discurso populista, de agrado ao TCU (Tribunal de Contas da União). Isso prejudicou muito as condições de realização da política do audiovisual. Mas a decisão do Bolsonaro de acabar com o Ministério da Cultura e a forma como ele indicou seus gestores revelam um passo realmente adiante em relação ao que era o governo Temer.
Vermelho: Por que é importante que a Cultura tenha status ministerial?
Celio Turino: Cultura é o que define uma nação. Assim como há as fronteiras físicas de um pais – que devem defendidas pelas Forças Armadas e pelo Ministério da Defesa –, há a fronteira imaterial, a alma dos povos, suas formas de ser, pensar e agir. A defesa dessa fronteira intangível cabe ao Ministério da Cultura. Desguarnecê-la equivale a crime de lesa-pátria. Na América Latina, até o ano passado, apenas dois países não tinham ministérios da Cultura: o Panamá contava com um instituto, e a Argentina, com uma secretaria, em função das políticas neoliberais de Mauricio Macri. Quando da vitória da esquerda nesses dois países, a primeira medida dos novos presidentes foi a criação dos respectivos ministérios da Cultura. No Panamá, país com menos de 5 milhões de habitantes, houve a elevação do orçamento em mais de sete vezes – de US$ 40 milhões para US$ 300 milhões. Hoje, com o governo Bolsonaro, o Brasil é o único país da América Latina a não contar com um ministério da Cultura.
João Brant: A primeira questão é a perda de relevância da Cultura. O rebaixamento de status do MinC carrega, obviamente, um rebaixamento da importância relativa da Cultura perante as outras áreas. Se não fosse para gerar isso, não tinha porque a mudança acontecer, já que a economia de recursos é mínima. Esse rebaixamento impacta na dificuldade de acesso direto às áreas centrais do governo (Presidência da República e Ministério da Economia), bem como ao Congresso Nacional. Impacta também na perda de lugar de fala pública do responsável pela pasta. O segundo prejuízo vem na forma de perda de capacidade administrativa. Embora a economia em termos de pessoal seja mínima – se considerado o orçamento geral –, ela afeta a capacidade de o ministério processar seus convênios e termos de cooperação e de fomento. Nesse quadro, a Cultura tem de competir por espaço e prioridade internamente ao ministério. A terceira é a perda de autonomia orçamentária. Além da batalha no âmbito do Ministério da Economia e do Congresso Nacional, a Cultura tem de manter uma batalha permanente dentro do ministério – antes o da Cidadania, agora o do Turismo. Considerando que o teto de gastos públicos rebaixa consideravelmente os recursos para a Cultura, a secretaria especial teria de lutar muito para a pasta poder efetivar políticas públicas que vão além de abrir e fechar seus equipamentos.
Vermelho: Passado um ano do governo Bolsonaro, como estão as políticas culturais no País? Quais as perspectivas para 2020 e o restante do mandato de Bolsonaro?
Celio Turino: Declarações grotescas, censura à livre manifestação artística, insultos e ofensas a artistas, pensadores e grupos étnicos, ódio e destruição à Cultura. Além disso, não houve nada que mereça destaque. O que esperar? Aprofundamento do ódio e da destruição.
João Brant: O quadro já é trágico. Em junho passado, ao participar de um debate sobre a questão da Cultura, eu disse: “Tudo indica que a coisa está ruim, mas pode piorar bastante”. E o segundo semestre de 2019 mostrou que havia muito espaço para piorar. Fazíamos uma certa divisão entre políticas de investimento e fomento, de um lado, e políticas de manutenção de espaços e de atuação institucional do ministério, de outro. As políticas que dependem de fomento já estavam às traças, por falta de recursos. Mas ainda não tínhamos visto o peso do enfraquecimento do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), do Ibram, da Fundação Biblioteca Nacional, da Fundação Cultural Palmares, etc. Apesar dos equívocos na condução desses espaços, não havia uma deterioração dessas políticas que são (digamos assim) mais permanentes do ministério. Agora, vemos uma combinação entre a negligência do Bolsonaro com a Cultura e a postura de seus gestores – que não estava tão clara em meados do ano passado, mas já está afetando os espaços institucionais. A indicação desses gestores – como o Roberto Alvim (para secretário especial da Cultura) e o Sérgio Camargo (para a presidência da Fundação Palmares) – representa a destruição no discurso e na prática. Eles chegam para destruir uma perspectiva de política cultural. O caso da Ancine é mais preocupante por se tratar do único espaço que ainda tem recursos significativos para a realização de políticas, graças à arrecadação da Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica). Essa política vai afetar mais fortemente o audiovisual neste ano. Espero estar errado, mas talvez vejamos a destruição do pouco que ainda resta de política cultural no Brasil. Vamos ver, por exemplo, o sufocamento do Ipham e da política institucional de patrimônio, da Biblioteca Nacional, dos diferentes ambientes e espaços de atuação do ministério. Todos os fatos apontam nessa direção, e as perspectivas para 2020 são muito negativas.
Vermelho: Como reagir?
Celio Turino: Com muita criatividade, arte e afeto, muita proximidade com o povo. E com muita coragem e determinação para ir às ruas e exigir a anulação das eleições de 2018, por fraudadas que foram, seja pela manipulação golpista de instituições de Estado e pela desinformação promovida pela mídia corporativa; seja pelos abusos do poder econômico, pela disseminação da cultura do ódio e fake news pelas redes sociais, agravada pela submissão a interesses de potências imperialistas; seja pela entrega do Brasil a um projeto neocolonial, pelos incontáveis crimes de improbidade cometidos pelo presidente e assessores e pela vinculação com o submundo do crime. Há muitos motivos para exigir o fim deste desgoverno de traição nacional. No Chile, nossos irmãos estão mostrando o caminho. Lá, nas manifestações pelo “Fora, Piñera”, os artistas e movimentos de cultura viva comunitária estão na vanguarda das manifestações – sempre com muita arte e ações performáticas, que agregam milhares de pessoas. É como acontece com o novo brado feminista, que alcança o mundo: “El violador eres tú” (O estuprador é você). Tenho muitos amigos por lá, artistas, palhaços (uma delas foi assassinada pela repressão policial – ou “pacos”, como eles chamam os carabineros), teatreros, músicos, animadores culturais… Diariamente, eles desafiam a repressão violenta com novas formas de protesto, que têm por base a arte e a cultura. O Chile está mostrando o caminho e cabe aos demais povos da América do Sul apoiá-los e acompanhar seu exemplo sempre que houver um governo opressor. Fora esse caminho, só vejo tristeza, humilhação e destruição. Já basta o tempo de tristeza no Brasil!
João Brant: Se apenas a área da Cultura tivesse uma política extremamente negativa e o restante do governo fosse razoável, poderíamos ver hoje um ambiente central de reação na Cultura. Mas não é isso que está acontecendo. O governo Bolsonaro combina um ultraliberalismo econômico, um ultraconservadorismo moral e comportamental, além da entrega total das riquezas nacionais a uma pequena parte da sociedade. Estamos lidando com uma minoria – mas é uma minoria organizada contra uma maioria dispersa. A Cultura simplesmente repete esse padrão. A reação depende, antes de tudo, de uma organização daqueles que foram diretamente afetados. Pode ocorrer reação efetiva diante das perdas em questões estratégicas, como o enfraquecimento do Fundo Setorial do Audiovisual e as ações mais graves no âmbito do Iphan e das fundações. Fora disso, pior: vamos ver uma destruição completa. Daria para reagir melhor, com mais força, num ambiente político em que essas questões pudessem ser sentidas de forma especialmente graves. Quando você não percebe os efeitos de imediato, é muito difícil haver uma reação que faça a panela transbordar. A não ser que isso vá se acumulando, como ocorreu no Chile recentemente.
Fonte: Portal BRASIL CULTURA