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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Maestro Nunes, frevo e povo

Os dados secos, objetivos, falam que o Maestro Nunes foi batizado com o nome de José Nunes de Souza, nasceu em (Angélica, distrito de Vicência, 22 de julho de 1931 e faleceu em — Paulista- em 14 de setembro de 2016. Ccompositor, arranjador e maestro pernambucano.
Por Urariano Mota*
E mais falam os chamados fatos de arquivo: o maestro Nunes compôs frevos como É de perder os sapatos, É de rasgar a camisa, Cabelo de fogo, Mosquetão, Bala doida, Bomba-relógio, Folhas não caem. Coquinho no frevo, Fubica, Folhas que não caem, Santa, Ecos do Carnaval, Balançando a pança. O clássico Cabelo de Fogo, feito para um amigo, apelidado de Birino, que pintava os cabelos. Entre as músicas premiadas estão: Formigueiro, numa homenagem ao maestro Formiga, ou Ademir Araújo; “É de perder o sapato”, relembrando o fato de um músico ter perdido o sapato enquanto tocava na banda do maestro, durante o desfile da troça carnavalesca mista O cachorro do homem do miúdo; Mosquetão, em referência a um colega que foi baleado durante a ditadura; “É de rasgar a camisa”, dedicado à troça Camisa Velha; “Bomba-Relógio”, em parceria com Mário Orlando, após a explosão de uma bomba, no Recife, durante a ditadura militar.
Comunista desde jovem, quando se filiou ao ao Partido Comunista Brasileiro, e se engajou no Movimento de Cultura Popular (MCP), o que lhe rendeu perseguição política e afastamento da Banda Municipal do Recife, no início da década 60.
Aqui, o grande Nunes fala das circunstâncias em que criou o frevo Mosquetão:
“Eu estava terminando o curso de Belas Artes. Então eu estou lá no Departamento de Desenho… Na turma de desenho, tínhamos filhos de trabalhadores, não é? E na turma de música o que você encontrava era filho de Armando Monteiro, Cid Sampaio, de usineiros, né? Então foi naquela época que o partido comunista se organizou. Eu trabalhava na Banda Musical e vendia o jornal Novos Rumos, do Partido. Mas também era o maestro do MCP. Então foi quando o Doutor Arraes foi deposto em 64. Aí nós fizemos uma passeata, lá da Escola de Belas Artes até o palácio, dando apoio ao governo. Meu amigo, quando chegamos lá estava assim (gesto com as mãos) de soldado do Exército. Aí o coronel Cahu, que estava comandando a PE do Exército, deu ordem pros soldados atirarem com os mosquetões deles. Foi um inferno. Aí eu saí Mataram quatro, os sodados da PE do Exército. Então eu, revoltado, lá em casa fiz o frevo Mosquetão, pra dar uma resposta ao coronel Cahu, que o meu mosquetão não matava ninguém, dava alegria. E fui campeão… Me perguntam por quê mosquetão. É uma homenagem ao colega, que sofreu o que eu sofri. Perdi emprego na prefeitura, passei meses nas matas de Paratibe, escondido, pra não morrer. Porque o cara que me despachava Novos Rumos, assassinaram ele ali na porta”.
Mas o mais importante, e para isso estou aqui, é falar do que é fora do arquivo frio. Eu quero falar de um momento fundamental do documentário Sete Corações, em uma fala do Maestro Nunes, quando ele disse e falou esta maravilha de reflexão, de sabedoria:
“Quando eu componho, eu estou em diálogo com todos os compositores que me antecederam. Eles estão comigo”.
Isso é genial e raras vezes foi expresso com tamanha simplicidade. Todo artista, todo escritor de gênio sente isto: o seu trabalho é um diálogo com os grandes que o antecederam. Isso foi expresso de maneira mais rude por Isaac Newton na frase: “Se pude ver longe foi porque estava sobre os ombros de gigantes”. Mas o maestro, como artista, pôs uma nota mais eloquente: ele está em diálogo permanente. E não só: os seus antepassados de gênio estão com ele. Isto é mais: falam por ele e com ele. Percebem? É uma dimensão que vai além do carnal, do físico puramente material: é uma tradição que se leva com a gente aonde a gente for, como muitos em um só. Que traduz à sua maneira e alma – esta a palavram que muitos ateus têm vergonha e pejo de falar: leva na própria alma as almas das gerações que o antecederam. A sua família espiritual, digamos assim.
É lindo, belo e verdadeiro. Os ateus sectários não entendem: o artista verdadeiro fala com os que vieram antes dele. É um diálogo permanente. O que os espíritas interpretariam como uma reencarnação. E nós ateus entendemos como uma continuação de humanidade, pelo avanço da tradição e pelas formas que se alimentam de antes.
No documentário, Spok, o entrevistador e idealizador do filme, deixa passar essa frase, que me pôs em êxtase. Como uma revelação. Spok não lhe pergunta como é mesmo esse diálogo do Maestro com os seus grandes. Mas teve o bom senso de não cortar a frase na edição do filme.
O maestro negro, o genial músico da família espiritual de Moacir Santos, Bach, Nelson Ferreira, Capiba e Zumba, as suas declaradas admirações. Ele encontrou a sua veia, o seu estilo, o seu gênio no frevo de rua, que o Maestro Duda, de modo tão preciso falou: “Foi o maior compositor de frevo de rua do meio das ruas”. Preciso e modelar, o maestro Duda.
Em 1972, na condição de assessor musical da Federação Carnavalesca de Pernambuco, abriu a Escola Musical do Frevo, aqui no Pátio de Santa Cruz, destinada a crianças de baixa renda e aos filhos dos presidentes das agremiações, e foi a partir desse ano que passou a ser o principal e mais prolífico criador de frevo para os grupos foliões pernambucanos. Em 1984 criou a Banda de Frevos do Nordeste. Foi fundador do Centro de Educação Musical de Olinda (CEMO)
Um mestre, um maestro, um educador de homens e mulheres, de adultos e pequenos, como todo artista é e deve ser. Assim como outro grande artista e educador comunista, Abelardo da Hora, que formou gerações de artistas em Pernambuco.
Por fim, o maestro faleceu há dois anos no Dia Nacional do Frevo. Aos 85 anos. Numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no bairro de Jardim Paulista, em Paulista, Maestro Nunes estava em grave demais de saúde. Ele aguardava transferência para um hospital público onde poderia receber o devido atendimento, mas, devido à falta de leitos, teve que esperar. Um médico havia dado um laudo atestando a gravidade do caso. Mas não havia vaga. Horas depois, Nunes conseguiu a transferência, mas já não pôde resistir à demora.
Na aparência, faleceu há 2 anos. Nesse particular, os artistas são privilegiados. O que outros homens buscam em riquezas materiais, o artista de gênio consegue o sonho dos sonhos: a imortalidade. Um gênero de paraíso na terra entre os seus, na memória e na vida. Cabelo de Fogo é eterno. Assim como o grande maestro Nunes, músico, maestro, amante do povo do Recife. Um comunista no frevo, do frevo para o mundo do povo.
“Quando eu componho, eu estou em diálogo com todos os compositores que me antecederam. Eles estão comigo”.
Quando ouvimos o Cabelo de Fogo nas ruas, o Maestro Nunes está conosco. E na glória também.
*Urariano Mota é jornalista do Recife. Autor dos romances “Soledad no Recife”, “O filho renegado de Deus” e “A mais longa duração da juventude”.
Fonte: BRASIL CULTURA

A arquitetura de Paulo Mendes da Rocha: Conceito, concreto e cidade

As obras não construídas do arquiteto mais premiado do país, Paulo Mendes da Rocha, são tema de exposição no Itaú Cultural, em São Paulo. Dono de ideias e projetos inovadores, como o Sesc 24 de Maio e o MuBE, o urbanista é dono de uma voz crítica e incisiva em relação ao papel da arquitetura na cidade. Para ele, “a cidade não foi feita para dar lucro para ninguém. E, sim, para desfrutar da possibilidade de conversar e para amparar a imprevisibilidade da vida”. (1)
Por Verônica Lugarini
Prestes a completar 90 anos, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha ultrapassa o terreno sólido da construção e vai para o espaço das palavras e das interpretações das cidades em constante mudança.
Ganhador do Pritzker (2006) – o Nobel da arquitetura – e o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, Mendes da Rocha é formado pela Escola Paulista – encabeçada por João Batista Vilanova Artigas – que valoriza uma arquitetura limpa com concreto armado e estrutura aparentes. Também chamada de “brutalismo paulista”, a escola propõe ainda a responsabilidade social da arquitetura.
Mas sua trajetória começa muito antes. Nos anos 60, junto com Artigas, Mendes da Rocha elevou, estruturou e deu aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), conhecida pela formação a partir do ponto de vista social e humanista.

É, talvez, dessa carreira acadêmica que vem o discurso cortante e incisivo do arquiteto. Didáticas, as entrevistas de Mendes da Rocha podem ser vistas como aulas feitas para questionar a arquitetura e não impor. O olhar atento e o pensamento crítico do urbanista sobre a cidade vão muito além da arte pela arte, suas obras prezam pela relação entre o homem e o espaço construído pela arquitetura.
Em seu processo de formalização, não é o apuro no detalhe construtivo ou a expressividade plástica que comandam, mas a monumentalidade da técnica. “Raciocina-se com a engenhosidade possível. Não se pensa com formas autônomas ou independentes de uma visão fabril delas mesmas”, escreve Mendes da Rocha. E completa: “Quando o arquiteto risca no papel uma anotação formal, um croqui, está convocando todo o saber necessário, mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, máquinas e cálculos que sabe que existem para fazer aquilo. Não se trata de fantasias, mas uma forma peculiar de mobilizar o conhecimento, o modo arquitetônico”. (2)
Por isso, a Ocupação Itaú Cultural traz uma reflexão sobre o arquiteto e sua obra. Desde quarta-feira (12) estão expostos 11 de seus trabalhos mais experimentais, mas que nunca saíram do papel ou foram expostos no Brasil, todos eles têm como norte o tema da água.
A ligação do autor com água remete aos laços familiares. Seu avô, Francisco Mendes da Rocha, dirigiu o serviço de navegação do Rio São Francisco, conhecido como “Rio da Unidade Nacional”. O pai, engenheiro por formação, tornou-se professor de Naval e Recursos Hídricos na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Sesc 24 de Maio
Diante dessa influência, Mendes da Rocha passou a acreditar na capacidade do homem de intervir na natureza de forma criteriosa. Em suas próprias palavras, “a primeira e primordial arquitetura é a geografia”.
Esse elemento, que conecta as obras da Ocupação, atravessa o trabalho do urbanista, desde as propostas de um sistema fluvial para a América Latina até a piscina como ideal de espaço público. Esta última concretizada em 2017 no Sesc 24 de Maio, prédio que tem uma piscina em seu 13º andar.
O arquiteto além da exposição
A exposição é apenas um dos espaços em que o arquiteto está presente na cidade. Suas obras contemporâneas estão espalhadas por São Paulo, lugar que Mendes da Rocha acredita ser uma sucessão de erros instigantes, mas que podem gerar construções imbecilizadas, como os prédios arranha-céus.
“Não temos outro recurso a não ser reconstruir a cidade em cima dela mesma, portanto São Paulo não é um caso perdido. Sabemos fazer muito mais sobre aquilo que aplicamos na cidade, essa é a pura verdade. Toda sabedoria que temos à disposição está impedida pela velocidade com que se entrega tudo ao puro negócio da especulação”.
“O objetivo da arquitetura é evitar o desastre, o que equivale a dizer também que é ter o maior êxito possível. Você pegar cidades que estamos vendo, como Dubai, com essa arquitetura louvada que faz um prédio de cento e tantos andares para dizer que bateu o recorde mundial… é evidente que [isso] é estúpido para um homem trabalhar no octogésimo andar ou morar” e continua:
“Não há regra para dizer onde é razoável, a que distância do chão, mas sabe-se que lá pelas tantas, é absurdo. Coisas assim são mais do senso comum do que estritamente da arquitetura e isso esse tipo de raciocínio você pode por em qualquer campo do conhecimento. Você precisa decidir o que fazer em um outro estatuto ético, não é porque você conhece a energia atômica e a sua matéria que é obrigado a fazer uma bomba atômica”, explicou. (3)
Pensar as obras de Paulo Mendes da Rocha
Trecho do documentário Tudo é Projeto
A foto acima é um trecho do documentário Tudo é Projeto realizado por sua filha, Joana Mendes da Rocha, e expõe muito sobre o arquiteto. Além de ser comum encontrá-lo caminhando com um cigarro na mão Centro de São Paulo, a imagem é também a exposição de características de suas obras.
Filho do “brutalismo paulista”, o arquiteto tem como premissa o uso do concreto aparente em suas construções. Assim, a rua tão nítida na foto nada mais é do que a representação da cor mais usada por Mendes da Rocha em suas obras. O cinza escuro do asfalto não leva ao céu como o cinza dos prédios, ele liga “a cidade que flui no chão”, como sempre afirma Mendes da Rocha.
O crítico italiano Francesco Dal Co, por exemplo, caracteriza as obras do arquiteto como uma combinação ímpar de atributos como a “segura racionalidade”, a “essencialidade das soluções construtivas”, a “intransigência no emprego dos materiais” e o “desprezo pelo supérfluo”.
Dessa forma, pensar as obras de Paulo Mendes da Rocha é pensar na convivência em sociedade.
Capixaba, o arquiteto vive há anos na capital paulista e, por isso, boa parte de seus projetos estão em São Paulo. Entre os mais conhecidos estão o Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE), o Edifício Guaimbê e o Sesc 24 de Maio. Além do Clube Athletico Paulistano, a Praça do Patriarca, o Poupatempo Itaquera, o estádio Serra Dourada e as reformas da Pinacoteca do Estado de São Paulo, do Museu da Língua Portuguesa e do Centro Cultural Fiesp.

Um dos mais notáveis de seus projetos é o MuBE. O prédio chama atenção por sua capacidade convidativa, pois se apresenta como um espaço amplo e sem degraus, não intimidando os possíveis visitantes do museu.
Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE)
“O conceito de espaço para mim, e ouso dizer para a arquitetura, pressupõe público. Não há espaço privado, portanto”.
Sempre crítico em relação ao papel da cidade, Mendes da Rocha não deixa de analisar também a arquitetura em si. “O valor supremo da arquitetura, no caso da casa que é onde você mora e que não é pouco, é o endereço. Se eu começar a descrever a minha casa porque tem um telhado assim, uma chaminé, uma porta.. você pode ficar aborrecido olhando e pensando ‘vamos lá, onde vai chegar isso?’. Agora, se eu te dissesse: ‘eu moro em Ipanema’, isso por si só já é invejável, não é?”. “E dai falamos das cidades, que é a cidade para todos, a cidade que queremos morar. A palavra cidade quer dizer uma qualidade de vida. E nós já decidimos que não vamos voltar para o campo nunca mais porque nós queremos conversar e lá nós não temos como conversar”. (4)
“A cidade tem virtudes incomensuráveis. A cidade não foi feita para dar lucro para ninguém. E, sim, para desfrutar da possibilidade de conversar. Para amparar a imprevisibilidade da vida. Já imaginou o homem solitário?”, questiona o arquiteto. (5)
Serviço
A exposição é gratuita e pode ser vista até 4 de novembro, de terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h. Sábado e domingo, das 11h às 20h. Lembrando que além da mostra, de 6 e 27 de outubro serão organizadas visitas, a partir do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, para as obras de Paulo Mendes da Rocha na cidade.
Notas
(1) Paulo Mendes da Rocha em entrevista para a Gazeta do Povo em 2015.
(2) ROCHA, Paulo Mendes. Genealogia da imaginação. In: ARTIGAS, Rosa Camargo (org.). op. cit. p. 71.
(3) Entrevista do arquiteto para o curta metragem Paulo Mendes da Rocha de 2013.
(4) Entrevista do arquiteto para o curta metragem Paulo Mendes da Rocha de 2013.
(5) Paulo Mendes da Rocha em entrevista para a Gazeta do Povo em 2015.

Do Portal Vermelho