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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A CENSURA, AOS POUCOS, SE INSTALA


Dia 6 de fevereiro, as Coordenadorias Regionais de Educação de Rondônia receberam uma lista de livros que deveriam ser recolhidos do acervo das bibliotecas escolares por conterem “conteúdo inadequado”.

por Daniel Filho
“Vários estudos biológicos demonstram que um sapo colocado num recipiente com a mesma água de sua lagoa fica estático durante todo o tempo em que aquecemos a água, mesmo que ela ferva. O sapo não reage ao gradual aumento de temperatura (mudanças de ambiente) e morre quando a água ferve.
Inchado e feliz (…).

Às vezes, somos sapos fervidos. Não percebemos as mudanças.”

Paulo Coelho
O excerto acima (cujo texto integral pode ser conferido ao final) ilustra o método em que o esfacelamento da democracia e implantação de uma censura vai se colocando em nossas vidas.

Não surge a maioria das ditaduras num rompante, com tanques, sangue e gritos, mas, aos poucos, testando a receptividade…

Em nome da “moral cristã, da família e dos bons costumes” pregam a vigilância e o cerceamento do livre pensamento e a liberdade de expressão.

Há poucos anos foram exposições: “Queermuseu” (2017), “La Bête” (2018) que, segundo os vigilantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), faziam apologia à pedofilia, zoofilia, pornografia e ou atacavam a fé cristã. Há poucos meses foram as Histórias em Quadrinhos, onde o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivela (PRB) censurou uma revista em quadrinhos dos Vingadores por conter uma cena de beijo entre dois personagens masculinos. Pouco tempo depois o secretário de Cultura Roberto Alvim fez um pronunciamento cujo discurso continham frases semelhantes às do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels.
Dia 6 de fevereiro, as Coordenadorias Regionais de Educação de Rondônia receberam uma lista de livros que deveriam ser recolhidos do acervo das bibliotecas escolares por conterem “conteúdo inadequado”.
Os casos mais recentes, em pouco tempo, obtiveram ampla rejeição popular e repercussão negativa nos principais portais de notícias do país, custando o cargo do secretário de cultura e, em Rondônia, recuos.

O secretário de educação, Suamy Vivecananda, afirmou inicialmente que a lista vazada se tratava de “fake news” e que não haveria memorando ou qualquer ordem para recolhimento. No entanto, reportagens investigativas comprovaram a existência de memorando forçando o governo, mais uma vez, recuar e desistir de continuar a negar a tentativa frustrada de censura.

Tanto a demissão como o recuo revela uma práxis quando algum ato de governo não repercute bem: demissão, recuo e ou negação dos fatos. A água começando a ferver.
Na lista do governo de Rondônia, clássicos da literatura nacional e universal: “Macunaíma, o herói sem caráter”, clássico de Mário de Andrade; todos os 10 volumes de “Mar de Histórias”, de Aurélio Buarque de Holanda e Paulo Rónai; “Bufo & Spallanzani”, “Diário de Um Fescenino” de Rubens Fonseca; Carlos Heitor Cony com “A Volta por Cima”, “O ato e fato”, “O Irmão que tu me deste” e o “O Ventre”; Machado de Assis, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”; Euclides da Cunha com “Os sertões”; Franz Kafka com o clássico “O Castelo”, são apenas alguns dos diversos nomes presentes.
Um detalhe assustador (como se pudesse ter algo ainda mais) da lista dos livros a serem recolhidos é que no rodapé consta uma observação a indicar: “Todos os livros do Rubem Alves devem ser recolhidos”. O psicanalista, educador, teólogo, pastor presbiteriano e, junto com Paulo Freire, um dos principais pedagogos brasileiros, falecido em 2014, seria o mais novo “energúmeno comunista que precisa ser retirado de circulação”?
Projeto de extermínio do pensamento da pedagogia popular começando pelos ícones até chegar aos contemporâneos? Ou mera coincidência?
Tal qual a água presente no excerto que inicia esse texto, já ferve a sanha ditatorial de vigiar, punir e queimar livros em praça pública…

Quanto a nós e a democracia? Morreremos inchados e felizes?

Ou só inchados?

Ou só infelizes?

Daniel Filho é professor da rede estadual de ensino de Pernambuco em Petrolândia, sertão de Pernambuco.
Fonte: JORNALISTAS  LIVRES

Enredo e Samba 2020: Alcione será Maria no desfile da Mangueira

Alcione será Maria, mãe de Jesus, no enredo em que a Mangueira vai retratar Cristo. A Marrom — presença assídua nos desfiles da Verde e Rosa — aceitou um convite do carnavalesco Leandro Vieira.
A sambista e o artista são alguns dos convidados do primeiro capítulo da série especial “Enredo e Samba”. Milton Cunha e a equipe do RJ1 visitam a comunidade de cada escola e mostram o que as 13 agremiações planejam para o carnaval 2020.
“É a mãe da humanidade que eu venho representando”, lembra Marrom.
“Esse Cristo vem dizendo muitas coisas: ele pode ser negro, pode ser índio, pode ser mulher — que é a parte mais mastigada deste país”, destaca.

Enredo questionador

É justamente dessa “parte mastigada” que vem o Jesus da Verde e Rosa. “O Cristo da Mangueira é cria do morro. A gente vislumbra que ele nasceu preto, pobre, nas ladeiras, com a cara da comunidade”, diz Leandro.
“Será que as pessoas estão preparadas para enxergar Cristo nas pessoas que têm a cara do morro?”, indaga.
Leandro diz ainda que fez um enredo biográfico. “Assim como o cinema olhou, o teatro olha, assim como a TV olha”, compara.
“O que aconteceria com Cristo se ele viesse à Terra novamente para viver do mesmo jeito, para defender as mesmas ideias, o que ele encontraria?”, propõe.
A Mangueira é a terceira escola a desfilar no domingo de carnaval.
Portal BRASIL CULTURA

Evangélicos de escola de música de universidade do Rio se recusam a cantar Villa-Lobos


Músicas de Villa-Lobos são
executadas por orquestras
internacionais, mas enfrentam
resistência no Brasil
por motivo religioso
Pode parecer absurdo que alunos de música de uma universidade do país se recusem a tocar ou cantar músicas do genial compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959), mas isso está ocorrendo com frequência.
Andrea Adour, professora de Canto da Escola de Música da UFRJ, informa que alunos evangélicos que se recusam a cantar “Xango” [reprodução abaixo], de Villa-Lobos, porque acharem que se trata de uma reverência a um demônio de religiões de origem africanas.
A estupidez se manifesta com outros compositores, como Guerra Peixe (autor de “Toadas de Xangô”), Francisco Mignone (“Cânticos de Obaluayê”) e Waldemar Henrique (“Abalogun”).
A professora explica aos estudantes que a universidade é um espaço laico e, portanto, de diversidade cultural e que, ali, a música está vinculada à arte e não a qualquer prática religiosa.
Além do mais, é impossível estudar música do Brasil sem falar em Villa-Lobos e até entender as origens da cultura popular.
Nem sempre a professora convence os evangélicos, e alguns deles desistem do curso ou trancam matrícula.
Andrea é coordenadora do Africanias, um grupo de pesquisa sobre as influências negra e indígena no repertório brasileiro.
Ela diz que a recusa de alunos ao estudo de músicas com referência a religiões de afrodescendentes é um comportamento recente, mas em ascensão.
Valéria Matos, professora de Regência do Coral da UFRJ confirma: “É comum alunos de formação religiosa mais fechada questionarem, se recusarem a cantar, quando apresentamos alguma obra que usa termos de origem afro, referindo-se a entidades como Oxalá, Oxum”.
Para ela, o que está ocorrendo na escola de música é reflexo do atraso cultural que o Brasil vive no momento, o que serve de incentivo à intolerância religiosa.
Por isso mesmo, segundo ela, aumentou a responsabilidade da universidade em ensinar a diversidade aos estudantes.
Nem todos os estudantes evangélicos estão atrelados ao retrocesso cultural.
Paulo Maria, da Escola de Música, por exemplo, denuncia a existência de um racismo cultural.
“Cantar essas músicas não afeta minha religiosidade. Quando canto peças que se referem a religiões afrobrasileiras, canto como artista. Mas essa situação faz parte da História brasileira. O negro foi feito escravo, a cultura afro foi jogada de lado pelos europeus. Nossa formação histórica é essa”, diz.
Fonte: Portal BRASIL CULTURA