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domingo, 17 de maio de 2020

O impacto do coronavírus na cultura


Agora, salas de cinema e teatro passam por higienização constante por conta do coronavírus (Foto: STR/AFP)

Em tempos de lockdown, isolamento, distanciamento social e das mediações tecnológicas durante a pandemia de coronavírus, torna-se essencial refletir o impacto existente na indústria cultural e do entretenimento
Os setores cultural e criativo foram uns dos primeiros a sofrer o efeito da crise econômica e social gerada pela pandemia do novo coronavírus. Desde que o vírus chegou ao Brasil, oficialmente no fim de fevereiro, eventos e espetáculos foram cancelados ou adiados; cinemas, teatros, museus, galerias, centros culturais, salas de shows, bares e livrarias foram fechados; e a produção de conteúdos e espetáculos foi paralisada. Hoje, a oferta cultural está concentrada, basicamente, na Internet, na TV à cabo e na radiodifusão.
Agora, salas de cinema e teatro passam por higienização constante por conta do coronavírus (Foto: STR/AFP).
A cultura e a economia criativa são importantes motores da economia brasileira. O país é reconhecido mundialmente por toda a sua criatividade artística, um dos seus principais cartões de visita. Aqui, a cultura gera 1 milhão de empregos, movimentando o impressionante número de 239 mil empresas e instituições, além de gerar 10,5 bilhões de impostos e representar cerca 2,62% do PIB, de acordo com o estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), feito com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o estudo da consultoria PricewaterhouseCoopers, o setor cresceu entre 2013 e 2017 a uma taxa média anual de 8,1%, acima do conjunto da economia. A participação no PIB é superior à de setores tradicionais, como as indústrias têxtil e farmacêutica, por exemplo. Tais dados evidenciam a relevância do setor.
Fazendo um recorte regional, estima-se que as maiores participações da Indústria Criativa nos PIBs estaduais ocorrem em São Paulo (3,9%), Rio de Janeiro (3,8%) e Distrito Federal (3,1%), todos acima da média nacional. No caso dos três estados, houve estabilidade da participação no setor nos últimos anos. Este fator, no entanto, não foi a regra: Santa Catarina, Amazonas, Pernambuco, Ceará e Amapá apresentaram avanço da participação do PIB Criativo no período de 2015 a 2017 e, entre as 27 Unidades da Federação, outras 14 apresentaram recuo.
Grande parte dos profissionais da indústria cultural são autônomos, trabalhando por projeto – são cerca de 44%, segundo dados do IBGE. Estes profissionais, na maioria das vezes,  não recebem salário fixo e nem têm carteira assinada ou são MEI (Microempreendedor Individual). Num cenário normal, já é uma vida sujeita a imprevisibilidades. Agora, ficar sem trabalhar por longo tempo pode ser financeiramente devastador. De todos eles, os mais prejudicados são aqueles que trabalham, em especial, com atividades que dependem de aglomerações, como teatros e shows. Isso porque o fluxo de caixa deles é mantido por meio das bilheterias, paradas desde meados de março, quando as atividades não-essenciais foram interrompidas.
Segundo um estudo da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (ABRAPE) divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 51,9% dos eventos programados para este ano no Brasil foram cancelados, adiados ou estão em situação incerta. A entidade calcula que as perdas somam cerca de R$ 90 bilhões quando a conta inclui o impacto indireto dos eventos. “Esse novo cenário, que a cadeia produtiva do setor de entretenimento está experimentando amargamente, é algo sem precedentes. Estamos falando de aproximadamente 300 mil eventos que deixarão de acontecer e milhares de empresas que apresentarão prejuízos financeiros”, ressalta o presidente da ABRAPE, Doreni Caramori.
A estagnação da cultura e do entretenimento, em decorrência das medidas de combate ao novo coronavírus, não só congelaram o setor como também jogaram um enorme “balde de água fria” nas boas perspectivas dos empresários, que apostavam em receitas 6,15% maiores em 2020, mesmo com a crise econômica que o país já vinha enfrentando.
A pesquisa, segundo Doreni, mostra ainda a extensão e a gravidade da crise na empregabilidade. Os números indicam uma estimativa de demissões de 30% dos colaboradores diretos do setor de eventos. “Se considerarmos a população total de trabalhadores, algo em torno de 1,9 milhões de empregos, estamos falando em 580 mil demissões previstas”, destaca.
Os resultados inspiraram a entidade a iniciar uma campanha para que as pessoas não solicitem o estorno dos pagamentos de ingressos. Um plano de ação também está em andamento para sensibilizar o Governo Federal sobre a necessidade de medidas urgentes para evitar o colapso do segmento.
O fechamento de teatros e espaços culturais afetou o ritmo das produções e suspendeu o andamento de projetos, como aconteceu com Otoni Moreira de Mesquita: “Enquanto artista plástico, o Covid-19 foi realmente demasiado impactante, pois estava com uma exposição no Centro Cultural Palácio da Justiça que precisou ser fechada em pleno auge de visitação, contato e conversas, inclusive com a pretensão de prolongamento até o fim do ano”, afirma em entrevista ao Mercadizar.
O cantor DanStump, que também tinha uma agenda confirmada, precisou interromper os trabalhos. “Os shows da minha turnê que eu tinha acabado de começar, foram todos cancelados. Meus videoclipes também, todos cancelados devido ao distanciamento social”, diz.
Estes são apenas alguns dos milhares de exemplos espalhados pelo Brasil. Como irão sobreviver nestes novos – e duros – tempos? Além da atual situação, há, ainda, outra preocupação: o futuro. É possível que, mesmo ao fim do isolamento, o público não consiga consumir o dobro de cultura (o que compensaria o período em que ela está estagnada), seja por seus orçamentos estarem mais limitados ou por hábito em si.
As ações para tentar salvar o setor cultural ainda são poucas diante do tamanho da crise. Em entrevista à Folha de S. Paulo, João Luiz Figueiredo, coordenador do mestrado profissional em gestão de economia criativa da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, afirmou que, para a economia criativa se recuperar do impacto do novo coronavírus, linhas de crédito subsidiados não são suficientes. É necessário investir dinheiro público num plano específico para o setor.
Ainda segundo Figueiredo, o prejuízo na área pode ultrapassar os R$ 100 bilhões. Agora, a maior preocupação deve ser impedir a falência das empresas do ramo. A solução esbarra, no entanto, na gestão do presidente Jair Bolsonaro, que entrou em conflito público com a cultura diversas vezes. Desde que assumiu o cargo, o Presidente já deu diversas declarações de que, ao seu ver e durante seu mandato, a cultura não tem tanta importância assim. Porém, não se conteve apenas às palavras: até agora, foram promovidos diversos cortes no setor cultural e o Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura vinculada ao Ministério do Turismo, diminuindo sua importância e autonomia.
Ministério da Cultura X Secretaria da Cultura
A partir do processo de redemocratização após 21 anos de regime militar e censura no país, a classe artística reivindicava uma seção à parte no governo, na qual a formulação e gestão das políticas culturais pudessem ser executadas de maneira mais livre e independente dos outros poderes. Os pedidos foram atendidos por Sarney. No entanto, não durou muito tempo. Assim que Fernando Collor tomou posse em 1990, uma de suas primeiras medidas foi a extinção do MinC. O ex-presidente Collor transformou a pasta em uma Secretaria, vinculada diretamente à Presidência da República. Com a posse de Itamar Franco em 1992, foi restaurado o status ministerial da pasta.
A partir de 92, o MinC seguiu uma trajetória relativamente longeva. Em 2003, durante o primeiro mandato do ex-presidente Lula, o ministério deixou de atender somente às demandas específicas de fomento e passou a pensar em políticas culturais. Com os ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira encarregados da pasta, foi estabelecido um orçamento cada vez mais crescente.
Já no governo de Dilma Rousseff, mesmo com o legado deixado pela gestão anterior, o ritmo nos investimentos reduziu e, consequentemente, a evolução esfriou. Segundo dados do Tesouro Nacional, as despesas do governo Dilma com cultura recuaram 25% de 2013 a 2014, mesmo que as despesas da União como um todo tenham crescido 19% no período.
Apenas em 2016, no governo do ex-presidente Michel Temer, a proposta de extinção do Ministério voltou ao debate público. A ideia de Temer era a de fundir o MinC ao Ministério da Educação (MEC), organização parecida com a que houve no país entre os anos 50 e 80. A fusão entre as duas pastas, porém, durou apenas 9 dias. Após fortes críticas das comunidades artística e intelectual, o MinC foi rapidamente restaurado, como se manteve até 2018.
O presidente Jair Bolsonaro foi quem levou a cabo a extinção do MinC. Por meio do Decreto 9.674, de 2 de janeiro de 2019, Bolsonaro unificou cultura, esporte e desenvolvimento no recém-criado Ministério da Cidadania. Assim, nesse primeiro momento, a Cultura já perdeu a sua autonomia como Ministério, passando a operar como uma Secretaria subordinada ao Ministério da Cidadania. A fusão seria parte do plano do governo para uma reforma administrativa, pensada e projetada pelo Ministério da Economia.
Meses depois, no final daquele mesmo ano, a Secretaria de Cultura foi transferida para o Ministério do Turismo. O Decreto 10.107, de 6 de novembro de 2019, transferiu também o Conselho Nacional de Política Cultural, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura e a Comissão do Fundo Nacional de Cultura e outras seis secretarias não-especificadas.
Mas, afinal, qual a diferença entre Ministério e Secretaria? Na hierarquia da Administração Pública, os Ministérios são as principais repartições dos governos nacionais. As Secretarias, por outro lado, são subseções dos Ministérios. Por esta razão, as Secretarias não tem interlocução com outros Ministérios. Além disso, as Secretarias não tem autoridade simbólica para representar o Brasil na esfera internacional.
Mas há, ao menos, outras duas diferenças importantes: os Ministérios tradicionalmente dispõem de mais recursos do que as Secretarias e, além de uma diminuição no orçamento, a extinção do MinC e a transformação dele em uma Secretaria significam também uma diminuição na autonomia da política cultural do país em relação às outras áreas.
Por isso, se a Secretaria Especial de Cultura estiver subordinada ao Ministério do Turismo, por exemplo, pode-se esperar uma ligação maior entre Turismo e Cultura nas políticas culturais do país.
Instabilidade no comando
Além da realocação da pasta duas vezes no período de um ano (primeiro, para o Ministério da Cidadania, e depois para o Ministério do Turismo), ela também foi chefiada por quatro secretários diferentes: Henrique Pires, Ricardo Braga, Roberto Alvim e, agora, Regina Duarte.
Henrique Pires, o primeiro no cargo, foi exonerado em meados de agosto por “não  desempenhar as políticas propostas pela pasta”. Pires deixou o cargo após se posicionar contra  algumas medidas do governo com relação à área, em especial a decisão tomada por Osmar Terra, ministro da Cidadania, de suspender um edital para a TV pública que trazia uma linha dedicada à produção de séries que abordam questões LGBTs e de diversidade de gênero.
Depois de Pires, o cargo foi assumido pelo economista Ricardo Braga, que ficou dois meses no comando da Secretaria. Braga foi exonerado da Secretaria da Cultura e realocado para a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, no MEC. O economista foi, então, substituído pelo dramaturgo Roberto Alvim, que também não perdurou por muito tempo. Dois meses após a sua nomeação, Alvim foi demitido do comando da Cultura em função da repercussão de um vídeo oficial em que parafraseava o discurso nazista de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler. Atualmente, a atriz Regina Duarte está na direção da Secretaria.
Apesar da instabilidade no comando da pasta, todas as sete instituições antes associadas ao MinC permanecem vinculadas à Secretaria. São elas: o Instituto do Patrimônio Histórico de Artístico Nacional (Iphan), a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Fundação Nacional de Artes (Funarte), o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a Fundação Cultural Palmares (FCP) e a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB).
As atribuições da Secretaria também continuam idênticas à do antigo Ministério, embora agora com menor estrutura e redução no número de servidores. Desse modo, ainda que o presidente Bolsonaro tenha realizado a transferência de mais de 80 servidores, não houve redução substancial no arcabouço de competências do órgão de Cultura.
Assim, a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural e a regulação dos direitos autorais permanecem sob responsabilidade do órgão. As prioridades e os sistemas de financiamento, no entanto, passaram por transformações ao longo do último ano. Uma primeira modificação importante se deu na nova linha de subsídio da Caixa Econômica Federal.
A Caixa Econômica Federal dispõe de um importante projeto, o chamado Programa de Ocupação dos Espaços Caixa Cultural. Esse programa seleciona, anualmente, projetos de diversas áreas – como artes visuais, teatro, dança, música, mostras de cinema, etc. A novidade, com a nova Secretaria, é a instituição de inéditos filtros temáticos.
No novo modelo, os projetos já aprovados em editais devem ser alvos de relatórios, nos quais deve constar, por exemplo, o posicionamento político do proponente, seu comportamento nas redes sociais e possíveis pontos de polêmica para a imagem da Caixa.
A Ancine, Agência Nacional de Cinema, também passou por transformações importantes. Através do Decreto 9.919, em 18 de julho de 2019, o presidente Bolsonaro alterou a composição do Conselho Superior de Cinema. O Conselho é um órgão colegiado responsável pela formulação das diretrizes da política audiovisual, cuja execução é de competência da Ancine e da Secretaria de Audiovisual. Na nova configuração, o órgão passou a contar com um número maior de integrantes do governo do que de nomes ligados ao setor.
Ainda no campo do cinema, houve um corte significativo de 43% no Fundo de Audiovisual (FSA). Principal fonte de fomento de produções audiovisuais no país, o FSA foi objeto de um Projeto de Lei (PL) apresentado ao Poder Legislativo pelo Executivo.
Alteração na Lei Rouanet
A chamada Lei Rouanet também foi alterada. Essa lei, que leva o nome do seu idealizador, Sérgio Paulo Rouanet, foi elaborada em 1991, com o objetivo de apoiar e difundir manifestações culturais no país.
Em linhas gerais, artistas, produtores e organizações se inscrevem em projetos na Secretaria Especial de Cultura (antigo MinC). Lá, os projetos são analisados e, se aprovados, os autores passam então a procurar por patrocinadores, que podem ser de natureza Física ou Jurídica. Fechada a parceria, os patrocinadores que colaborarem com investimento nos projetos culturais obtêm, em troca, abatimento percentual no Imposto de Renda.
Em abril de 2019 foram anunciadas mudanças no texto da Lei Rouanet, começando pelo nome – ela passou a ser chamada, oficialmente, de Lei Federal de Incentivo à Cultura. Além disso, o valor máximo de captação por projeto inscrito passa a ser de R$ 1 milhão, ao invés dos R$ 60 milhões anteriores. O valor da carteira (quantidade de projetos por empresa) também diminuiu drasticamente, passando de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões. Um dos argumentos do governo é o de que, nesse formato, a Lei deve estimular pequenos e médios produtores, além de desconcentrar a produção do eixo Rio-São Paulo.
No entanto, apesar da boa intenção, especialistas afirmam que não haverá uma regionalização na produção artística brasileira. Em entrevista à ÉPOCA, Carlos Augusto Calil, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e secretário municipal de Cultura nas gestões de José Serra e Gilberto Kassab (2005-2012), afirmou que essas mudanças pouco contribuiriam para descentralizar o mercado cultural brasileiro. “O incentivo atrai a empresa que paga impostos em valores expressivos, cujos interesses estão principalmente localizados no Sudeste. É óbvio que essa região será beneficiada”, disse.
Ações diante da pandemia
O governo brasileiro anunciou medidas para auxiliar empresas e trabalhadores durante os meses de desaceleração econômica, sem incluir, no entanto, ações específicas para o setor cultural. A secretária especial da Cultura, Regina Duarte, anunciou três providências dirigidas a projetos culturais que usam benefícios de fundos setoriais ou captação por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, entre elas um formato de avaliação mais flexível na prestação de contas da proposta.
Através de um vídeo publicado em seu perfil oficial no Instagram, a titular da pasta afirmou que recebeu centenas de mensagens de secretarias de cultura, produtores, atores e demais profissionais, todos preocupados com o impacto da doença.
“Sensibilizada, venho me reunindo com minha equipe e construímos uma instrução normativa que se sustenta em três eixos: permite que o proponente possa movimentar recursos abaixo do limite previsto de 20% da captação prevista; permite que o projeto cultural possa ser alterado na fase de execução a qualquer tempo e ainda um formato de avaliação mais flexível na prestação de contas do proponente”, anunciou ela.
Na sexta-feira, 08, o Ministério do Turismo anunciou a “maior liberação de recursos de sua história”. Através da Medida Provisória 963, foram destinados R$ 5 bilhões para apoiar as empresas do setor neste período. A proposta é que o dinheiro atenda os prestadores de serviços turísticos cadastrados no Cadastur (sistema de cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor de turismo) que conta, atualmente, com 103.110 inscritos.
Poderão ter acesso ao crédito empresas das seguintes áreas: acampamento turístico, agências de turismo, meios de hospedagem, parques temáticos, transportadora turística, casas de espetáculos e equipamentos de animação turística, centro de convenções, empreendimento de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva, empreendimento de entretenimento e lazer e parques aquáticos, locadora de veículos, organizador de eventos, prestador de serviços de infraestrutura de apoio a eventos, prestador especializado em segmentos turísticos, além de restaurantes, cafeterias e bares.
As ideias são tímidas quando comparadas a iniciativas de outros países. Na Alemanha, por exemplo, o Ministério da Cultura afirmou que vai ajudar financeiramente instituições independentes e profissionais criativos freelancers. Em Berlim, museus, teatros, óperas, salas de concerto e casas noturnas estão fechadas desde 13 de março. “Estou ciente de que essa situação coloca um grande fardo para as indústrias culturais e criativas e pode causar angústia considerável, especialmente para instituições menores e artistas independentes”, declarou a ministra Monika Grütters, em comunicado oficial.
Outros países europeus que determinaram apoio a seus setores culturais foram o Reino Unido, através de subvenções e benefícios a pequenas empresas e empreendedores individuais, e a França, com uma série de programas de auxílio à forte indústria cinematográfica do país.
Na América do Sul, o Equador propôs um esquema de remuneração para artistas de menor renda realizarem apresentações em suas casas. Em São Paulo, o Governador João Doria anunciou a liberação de R$ 500 milhões para aquecer a economia do Estado, a fim de conter os efeitos nocivos do coronavírus na economia. Exclusivamente para os setores de turismo, cultura e economia criativa e comércio, avaliados como os mais impactados economicamente, foram destinados R$ 275 milhões.
Cultura no Amazonas
Aos poucos, a pausa na cultura já vem trazendo prejuízos aos artistas locais. Agora, a única opção é aguardar e organizar os projetos. César Nogueira, sócio da Artrupe Produções Artísticas, afirma que, agora, a empresa busca a adaptação aos novos tempos e aproveita para manter os projetos em dia. “Nós estamos no aguardo de recursos de editais caírem na nossa conta, mas não sabemos quando isso vai acontecer (esperamos que seja em breve) e vamos ter que nos adaptar ao mundo que vier depois da pandemia. Por enquanto, estamos avançando no que dá da pré-divulgação do Olhar do Norte, o nosso festival de cinema, estamos escrevendo para editais, fazendo projetos para apresentar em rodadas de negócios, vendo fundos internacionais e promovendo o Boto, a nossa série que estreia dia 15 na TV Ufam”.
Com a determinação de suspensão das atividades e sem qualquer previsão de retomada a normalidade, artistas amazonenses, gestores culturais e políticos vêm se mobilizando na busca da aprovação de verbas para a manutenção das atividades durante a quarentena. Um movimento, por exemplo, que conta com representantes em todos os estados brasileiros, apela para que a Câmara dos Deputados aprove a Lei Emergencial de Cultura, que prevê cerca de R$ 150 milhões em verbas repassadas para um total de 15 mil espaços culturais de norte a sul do Brasil.
Líder do movimento no Amazonas, o gestor cultural João Fernandes, responsável por gerenciar a associação cultural Casarão de Ideias, que funciona em Manaus, afirma que a expectativa é de que cada espaço receba um repasse de R$ 10 mil que será utilizado no pagamento de contas e na realização de manutenções básicas durante o período de isolamento. “Os recursos garantem a manutenção desses lugares. Foi feito um levantamento nacional com os espaços que necessitam desse auxílio e estamos buscando sensibilizar, através de números e dados, os deputados federais para que a lei seja aprovada”, explicou em entrevista ao Jornal A Crítica.
As iniciativas não param por aí. Na segunda-feira, 11, a Comissão de Cultura e Patrimônio Histórico da Câmara Municipal de Manaus (CMM), presidida pelo vereador Professor Gedeão Amorim (MDB), irá mapear a situação de artistas que perderam trabalho ou renda durante este período. Durante sessão plenária virtual, o vereador afirmou que, após ter reconhecimento da situação e das necessidades de representantes da classe artística, decidiu buscar alternativas que possam garantir uma ajuda pública.
O vereador informa que centenas de famílias de artistas, envolvidos na rotina musical, teatral, circense estão sem o seu sustento e precisam de ajuda neste momento, em que a população precisa ficar em casa. “Precisamos ajudar os nossos artistas locais que não podem se apresentar na capital amazonense em razão da pandemia do coronavírus, tendo em vista que muitos estão sem qualquer tipo de suporte financeiro. Vamos adotar todas as medidas necessárias para melhorar a situação dos nossos artistas”, finalizou.
Medidas em curso
Como uma das medidas de apoio à classe artística do estado, o Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, lançou em 23 de março, a campanha Cultura Sem Sair de Casa, que oferece ao público experiências ligadas à arte no período de prevenção contra o Covid-19. São oferecidas aulas virtuais, no Youtube e no Instagram, com professores do Liceu de Artes e Ofícios Claudio Santoro, performances dos Corpos Artísticos como Amazonas Filarmônica, Orquestra de Câmara, Balé Folclórico, Corpo de Dança, Orquestra de Violões, Amazonas Band e Coral do Amazonas; tutorial de maquiagem artística, além de indicação de livros, filmes, playlists e técnicas de alongamento e respiração para amenizar a ansiedade no período de isolamento social.
Segundo o titular da pasta, Marcos Apolo Muniz, foi disponibilizado ainda o projeto Praticarte, com vídeoaulas de desenho artístico, violão e teclado produzidas, captadas, editadas e finalizadas pelo Núcleo de Audiovisual da Secretaria de Cultura e Economia Criativa. “Vamos oferecer aulas com e sem instrumentos para contemplar diferentes públicos. Queremos oferecer experiências por meio da arte, que é uma aliada nesta fase de isolamento”, afirma o secretário. “Estamos elaborando uma série de atividades que podem ser compartilhadas através dos canais digitais e trabalhando a nossa biblioteca virtual para disponibilizar vários títulos para a população”.
O projeto também inclui exibição de filmes que apresentam artistas e personalidades ligadas à Cultura do Estado. Entre os primeiros títulos disponíveis, todos do cineasta Sérgio Cardoso: “Óscar Ramos – O homem que morava no cinema Éden”, “Otoni Mesquita – Narrativas da Vida e da Arte”, “Jair Jacqmont – As Cores da Amazônia” e “Roberto Evangelista – Arte & Transcendência”.
Foi anunciado, também, que o Governo realizará um estudo sobre o impacto da Covid-19 na produção cultural e criativa no estado do Amazonas, a partir da orientação de isolamento social como medida de combate à pandemia. A coleta de dados será realizada por meio de questionários on-line disponibilizados no Portal da Cultura e o estudo abrangerá três fases, de acordo com o secretário de Cultura e Economia Criativa. O primeiro questionário já está disponível.
“A primeira fase será destinada aos artistas e profissionais da cultura, de forma a tentar prospectar a realidade deles durante essa pandemia. A segunda fase será direcionada aos órgãos e gestores públicos estaduais e municipais, para saber como foram afetados. E a terceira fase será destinada àqueles profissionais que fazem parte da cadeia criativa, mas que não estão ligados diretamente ao fazer da arte. Desta forma teremos uma visão mais clara sobre o que está acontecendo na cadeia da cultura e economia criativa”, ressalta Muniz.
O economista e artista plástico Turenko Beça, assessor de Economia Criativa da Secretaria, coordenará a pesquisa. Ele explica que o primeiro questionário, destinado aos artistas, abordará questões como atividade praticada, frequência destas atividades, estimativa da perda de renda por não poder trabalhar, os espaços onde se apresentavam, a categoria e linguagem artística, entre outros fatores.
Após a análise dos resultados, segundo Turenko, os dados obtidos poderão auxiliar na busca por decisões mais eficientes para enfrentar a crise na cadeia da economia e cultura criativa. “Precisamos de um levantamento e análise de dados para estimar os panoramas e os cenários possíveis do impacto da Covid-19. Ainda há muita incerteza sobre este período e as consequências que produzirá, portanto se faz necessário conduzir esta pesquisa”, ressalta.
Em nota, a Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult) afirmou: “A Manauscult está em contato com representantes da classe artística para, em conjunto, pensar em estratégias para atender as demandas apresentadas nesse período. A primeira medida adotada é finalizar o pagamento de projetos contemplados em editais correntes, como o Edital Prêmio Manaus de Conexões Culturais 2019. A partir daí, novas medidas serão adotadas e divulgadas nos canais oficiais”.
O futuro pós-pandemia
Em tempos de lockdown, isolamento, distanciamento social e de mediações tecnológicas durante a pandemia do coronavírus, como refletir sobre o consumo de cultura no futuro? O “novo normal” será diferente do que estamos habituados. Para a indústria cultural, o futuro fica mais assustador e sombrio por se tratar de um ano que estava sendo visto como positivo quando começou. Tentar entender que a realidade nova será essa torna-se essencial para nos prepararmos para o que vem por aí.
Quando perguntamos aos artistas o que eles imaginam para o pós-pandemia, a resposta é quase sempre a mesma: ninguém sabe o que esperar. No entanto, por mais difícil que seja, todos concordam que o momento agora é de estudo, autoanálise, criatividade e, sobretudo, reflexão para novas possibilidades. Destas novas possibilidades, sem dúvidas, surgirão novas tendências culturais.
A dupla Chápeu de Palha comentou sobre como enxergam esse período no qual a criatividade tem a possibilidade de estar bem ativa, forçando artistas a saírem de suas zonas de conforto. “Enxergamos de forma potencialmente devastadora e/ou renovadora, dependendo da forma que a indústria do entretenimento encarar a situação. Vários filmes que seriam lançados foram adiados ou suspensos, gravações de músicas (no nosso caso), eventos e etc. É uma oportunidade de renovação na forma de produção de conteúdo e entretenimento, principalmente na forma que esse conteúdo chega ao público. Acredito que novos hábitos surgirão nessa área”.
Novas tendências culturais
Os movimentos culturais funcionam em fluxos nas mais diversas direções de circulação e são protagonistas de uma série de produtos culturais, de atores sociais envolvidos para além de conglomerados midiáticos, artistas, celebridades, produtoras, consumidores, algoritmos e dados. As indústrias criativas entenderam que a pandemia permite um aumento de horas de consumo de streaming de música e ficção audiovisual, por exemplo. No entanto, analisar e observar são os caminhos para entender de fato o que as pessoas procuram nesses meios, quais hábitos são apenas consequência do período vivido pela humanidade e quais realmente passarão a fazer parte da vida desses consumidores.
Como uma resposta ao isolamento social, os artistas e produtores culturais passaram a apostar em shows e espetáculos online, as lives. Em questão de dias, elas se tornaram um fenômeno e invadiram as casas de boa parte da população que está se mantendo em quarentena. Para Paulo Junqueiro, Presidente da Sony Music Brasil, um dos componentes para o sucesso estrondoso das lives é o desejo que o público tem de ver o artista no dia a dia. “O que atrai nas lives, além do momento que vivemos, é o público ver o artista em casa de uma maneira que jamais veria”, afirmou em live promovida pelo Rio2C.
Seguindo a mesma linha, as tours virtuais a museus ganharam mais destaque. Esse comportamento deve evoluir para o que se pode chamar de experiências culturais imersivas, que tentam conectar o real com o virtual a partir do uso de tecnologias que já estão por aí, mas que devem se disseminar, como as realidades aumentada e virtual, assistentes virtuais e máquinas inteligentes.
No campo do audiovisual e da literatura, as narrativas pós-apocalípticas e distópicas, uma constante há um bom tempo, tendem a se tornar ainda mais populares, já que tem sido crescente a procura por livros, filmes e seriados sobre pandemias e vírus. A Netflix já se encarregou de iniciar esse movimento: o serviço de streaming anunciou a produção de uma série baseada no isolamento social que vivemos (ainda sem data de lançamento). E por falar em audiovisual, quem diria que o cinema drive-in de 1933, voltaria a ser objeto de desejo da população em pleno século XXI. Até 2019, apenas um cinema drive-in sobrevivia em Brasília. Com a chegada da pandemia, a alternativa aos cinemas tradicionais está voltando a ganhar popularidade.
Os serviços de streaming de música também tiveram sua ascensão consolidada. De acordo com dados recentes do Spotify, por exemplo, o consumo de playlists musicais específicas para determinadas atividades (como meditar ou relaxar) fazem com que as batidas por minuto das canções da música pop, que há tempos andavam aceleradas nas paradas de sucesso, caíssem para ritmos mais lentos. De qualquer forma, canções que lidam com tipos de sofrimento catártico, como as lives de sertanejo e de bandas emo, a nostalgia, que já era um elemento central, afetivo e mercadológico, continuam sendo importantes pontos de consumo nesse futuro incerto.
Percebemos que esse momento gera uma balança na qual um dos lados tende a se render a popularização mais efetiva de apresentações de artistas virtuais, inteligências artificiais voltadas para ambientes digitais, gerando menos riscos de contato presencial. Do outro lado da balança, a saturação do público com o excesso de efeitos visuais produzidos digitalmente, aumenta o anseio pela volta das reuniões presenciais acompanhadas de um café, à passeios no parque em família…
A cultura é considerada essencial para a vida em muitos países mais desenvolvidos. No Brasil, isso não deveria ser diferente. A área tem uma enorme importância social e econômica e, em razão disso, capacidade de gerar riqueza financeira e empregos. O investimento na cultura e na economia criativa contribui para a retomada do crescimento econômico do país. Diante de uma crise como essa, percebemos ainda mais a necessidade do apoio e valorização a esse setor. Sendo assim,  nossos governantes precisam fazer desse momento objeto de estudo e reflexão para gerar meios mais eficientes e modernos de fomento e incentivo.
Diante da incerteza e da dificuldade de adaptação aos novos tempos, a cultura vem ocupando espaço e cumprindo um papel ainda mais importante em nossas vidas. Ela vincula, reflete, preenche o espaço vazio deixado pelo isolamento social e serve de companhia dia após dia. Num momento de rupturas sociais e culturais como o que vivemos, percebemos que a arte sempre foi e será mais do que apenas possibilidade. Ela é necessária.
Fonte: Portal BRASIL CULTURA

Javier: Por uma política cultural democrática, criativa e articulada

Nesse continuum que é a vida em sociedade, a política cultural deve pautar-se por valores e princípios humanistas e solidários.
A política cultural municipal-local tem como desafio o estabelecimento das potencialidades da cidade, em todas as suas vertentes e possibilidades de expressão, indo dos cenários do processo espontâneo à produção industrial. A dinâmica cultural não deve ser tratada como um fenômeno que gira ao redor, mas sim, como uma linha da mesma na trama econômica. Em outras palavras, a assunção da concepção de cultura como fator de desenvolvimento social global, superando esquemas meramente gerenciais ou economicistas.
Implica, portanto, executar a gestão da economia da cultura que permita uma distribuição mais justa da renda, de fomento à economia solidária e dos circuitos mais populares da economia, estimulando um crescimento não predatório dos negócios culturais, salvaguardando o patrimônio comum, e a dignidade de produtores/as, trabalhadores/as e gestores/as culturais.
Para tanto, uma ação incontornável é incorporar o planejamento cultural no planejamento geral do desenvolvimento da cidade, com sentido estratégico, superando uma visão política eleitoral e imediatista. Não basta aprovar os planos diretores de desenvolvimento urbano ou planos estratégicos, pois tais peças legislativas devem ser concebidas democraticamente e divulgadas permanentemente, com o respectivo processo de avaliação regular.
Estabelecer um plano de expansão dos equipamentos públicos e das iniciativas permanentes da gestão municipal/local, com a renovação arquitetônica de edifícios existentes, ou com novas construções, garantindo uma gestão articulada com o público residente e integrando com maior objetividade os equipamentos educacionais, de lazer e de esporte, passa a ser uma exigência em um contexto no qual se busca assentar novos paradigmas de gestão cultural.
Gestão cultural e outros ambientes da cultura no sentido amplo
Existe grande potencial a desenvolver no que tange às relações entre a produção artística e as esferas da ciência e tecnologia. Igualmente, há muito o que desenvolver no que se refere à crítica e jornalismo cultural, crítica das linguagens artísticas, assim como a ampliação dos debates sobre as artes, a filosofia, a antropologia, história e teorias da comunicação. Já é um fenômeno em curso o interesse pelas expressões tradicionais populares, sendo também frequente a existência de cursos de graduação e pós-graduação e núcleo de pesquisa, acerca de novas culturas emergentes.
Esse conjunto de medidas é parte fundamental para uma aproximação entre os centros de pesquisa, universidades, empresas de equipamentos e hardwares, de desenvolvimento de programas e softwares, para assim produzir redução na dependência tecnológica, atualmente existente em relação a outros centros econômicos mais industrializados de onde são importados equipamentos e pacotes tecnológicos.
Nesse sentido, é relevante destacar a interface entre arte, ciência, crítica, filosofia e outras áreas do saber científico, aproximando a política cultural das instituições de ensino e pesquisas universitárias. É preciso ainda estimular o desenvolvimento dos circuitos econômicos das artes e da cultura, definindo planos estratégicos em áreas como o turismo, o entretenimento, os esportes, tendo o cuidado de não subordinar as tradições populares, e a criatividade artística a elas vinculada, a uma visão esquemática dessas expressões tradicionais.
Tal estratégia confluiria para a elaboração de um calendário estável de feiras, eventos científicos, empresariais, corporativos, institucionais artísticos e esportivos, de maneira a dar sustentabilidade à atividade econômica, diminuindo a sazonalidade, e permitindo um uso programado e racional dos instrumentos e meios disponíveis na cidade, e geridos pelo poder público, gerando potencial econômico que é base para distribuição de renda e elevação do padrão de vida dos assalariados.
Tudo isto implica em desenvolver esforços para tornar a cidade um lócus de economia criativa e de integração cultural, com forte oferta de serviços e rede de empreendimentos vinculados à arquitetura, patrimônio, cinema, audiovisual, artes visuais, design, moda, artesanato, gastronomia, teatro, dança, música, ensino técnico e universitário de produção e gestão cultural, igualmente das diversas linguagens artísticas, da indústria editorial, assim como de meios de comunicação, publicidade, rádio e TV, contribuindo para fazer da cidade um polo técnico e educacional de vanguarda. Não se trata de construção de grife, mas de na vertente de um modelo econômico conceitualmente mais amplo.
Esse conjunto de atividades tem potencial para garantir a ocorrência de eventos artísticos de várias dimensões, isto significa entender as artes não apenas como “animação”, mas como um fazer que tenha importância em si, como fator de desenvolvimento social, econômico, das subjetividades individuais, dos diversos coletivos sociais e do imprescindível sentido da construção da Nação brasileira.
Esse fazer resulta na demanda por desenvolver as relações entre produção cultural, arte, ciência, crítica e jornalismo cultural, assim como, o desenvolvimento da abordagem crítica e filosófica da produção artística, ampliando os horizontes dos debates, e o fluxo de informações mais densas, através da realização de seminários, fóruns e congressos, círculos de discussão, onde seja possível uma abordagem mais qualificada e comprometida das questões.
Por fim, é imprescindível entender que a política cultural existe no contexto de uma política de formação cidadã, e que, portanto, deve reconhecer a problemática em relação à discriminação racista, classista e de exclusão por gênero e expressão da sexualidade que se manifesta de forma variada, assim como, importa reconhecer os prejuízos históricos causados por atitudes que diminuem as manifestações de cunho popular, como valor integrante da concepção de Nação brasileira, tal qual é em qualquer civilização, respeitando a liberdade dos costumes, dos saberes e fazeres tradicionais, e as decisões dos indivíduos e seus coletivos, na sociedade civil, e no âmbito da sociedade estatal/política.
Há graves prejuízos impostos às manifestações afro-brasileiras e indígenas, e a outras tantas populações em suas especificidades de identidades e diferenças (ciganas, ribeirinhas, sertanejas, dentre outras). Isto impõe a necessidade de uma ação dirigida, com um conjunto programático de ações, que visem à promoção de tais expressões, em sua diversidade, e em respeito às suas identidades.
A ação cultural deverá seguir a meta de superar as injustiças provocadas pelo encobrimento dos segmentos sociais historicamente subalternizados, e promover a valorização da produção simbólica cultural fruto de práticas e vivências acumuladas historicamente, assumindo, portanto, sua condição de pilar de implantação das reivindicações oriundas dessas culturas específicas.
A cultura municipal/local deve articular-se com os contextos regionais, reforçando dialeticamente a diversidade, e processos de integração solidária com outros municípios e centros urbanos, assumindo assim, uma postura de capital democrática com os demais polos culturais que constituem a região. A dimensão das grandes urbes e capitais, a conurbação que já existe em quase todos os estados, exige o desenvolvimento de órgãos governamentais, responsáveis por planejamento metropolitano, no âmbito cultural.
Nesse caudal da gestão das cidades, outro tema de grande atualidade é a relação entre certas cidades, politicamente fortes, com o Estado-Nação. As grandes capitais e centros urbanos no Brasil, devem ser fatores de afirmação do Estado-Nação, ao invés de se apresentarem como seu substituto, narrativa de cunho fortemente ideológico, vinculado a alguns países com centralidade econômica, de onde emanou durante as décadas de 1980-1990, um ideário de que grandes cidades são quase paralelas e concorrentes com seus respectivos estados. Isso se deu em larga medida, com o caso de Barcelona, durante as olimpíadas de 1982, assim como com a revitalização econômica e artística de Berlim, e sua vinculação com outras duas emblemáticas cidades europeias, Paris e Milão.
Deste nosso lado do oceano atlântico, ocorre algo semelhante com Nova Iorque e Los Angeles. Em outras paragens, destacam-se Singapura e Dubai (Capital dos Emirados Árabes unidos). Estes casos, frutos de grandes empreendimentos com financiamento transnacional, e a construção de um desenho imaginário urbano, vinculado a eventos de alcance mundial (eventos esportivos), e zonas exclusivas para turistas e executivos, nada tem a ver com a realidade das capitais brasileiras. Há, entretanto, um grande processo de construção de imagens, e disputas por investimento e pela atenção da mídia internacional, para com cidades consideradas icônicas em escala planetária.
Se algumas cidades já citadas são consolidadas no imaginário de uma boa parte da humanidade, outras tantas poderão entrar nessa relação de referências e preferências de um grande público, que cada vez mais se interliga pela televisão, pela telefonia e internet. O Brasil tem um enorme potencial para entrar nessa disputa, não apenas com a cidade que é o símbolo do Brasil para o resto do mundo, que é o Rio de Janeiro, mas também podendo destacar outras tantas, corrigindo um possível vício que é o de preparar as cidades como cenografia para o exterior, e para os visitantes, mas ao contrário, preparando-as como cidades calcadas no bem-viver, para seus próprios cidadãos e cidadãs.
Considerações finais
Este texto toma como principal referência cronológica o período inicial dos governos presididos por Lula da Silva e, por conseguinte, as mudanças institucionalizadas pelo Ministério da Cultura a partir de uma conceituação que trata os assuntos culturais em três grandes abrangências.
Ficou estabelecido com bastante solidez que a política cultural abarcaria a produção simbólica, de variadíssima abrangência; a dimensão econômica, com todos os aspectos relativos à geração de renda, custos, trocas mercantis, financiamentos de diferentes fontes, peso do PIB nacional, e o conceito de cidadania, combinando o direito de acesso ao direito de produzir, válido tanto para os coletivos como para os indivíduos, sendo, portanto, a cultura parte orgânica da cidadania, e abrindo ela mesma outra ideia chave, a de cidadania cultural.
Tendo concordância com esta combinação teórica, inovadora em nossa história administrativa e política, faz-se destacar, entretanto, outra linha de formulação, que por si só abre uma larga avenida de formulações, não sem polêmicas e resistências.
Sugiro que ao lado das três vertentes defendidas e consolidadas, acrescente-se uma quarta que não ganhou destaque nas gestões nacionais nem nas locais, a vertente ou linha vinculada à geopolítica nacional.
Tem havido um intenso e incessante embate, tanto nas arenas política como em resoluções e acordos comerciais e diplomáticos, fazendo ora apologia à globalização capitalista, capitaneada pela hegemonia dos interesses e dinâmicas do capital financeiro, ora fazendo surgir formas novas de abordar a questão do espraiamento do sistema, com influência direta inclusive em países com repúblicas socialistas.
Seja por adesão, submissão ou resistência, a principal marca das últimas décadas do sec. 20, e as primeiras duas décadas do sec. 2, é a expansão da financeirização da economia capitalista, com a devida resistência, e tentativas de construção de alternativas, tanto em países centrais, através de governos e movimentos sociais, e da elevação de modelos em busca de afirmação, sujeita muitas vezes a vários trânsitos, quanto nos países em desenvolvimento, e noutras áreas de menor envergadura no sistema periférico do capitalismo.
As experiências socialistas que se reafirmaram pós desfazimento do chamado bloco soviético se articulam internacionalmente, e fazem movimentos importantes por dentro da própria economia mundial castigada, e controlada pelo sistema capitalista, não mais sob um comando unipolar.
Nesse embate, que marca a vida cotidiana de boa parte da humanidade, é frequente o serviço noticioso não apenas acerca da realidade política, mas de qualquer outra temática, desde os fenômenos naturais às artes, passando pelos esportes, e isto em qualquer ponto do planeta.
Inevitavelmente decorrem daí questões como a criação e movimentação em bloco de uma gama de países, sejam articulados na ALCA ou União Europeia (UE), agrupamentos de países asiáticos, União Africana (UA) e, inclusive, vários sub grupos membros desses mesmos blocos, patenteando-se a carência de formulação e ação alternativas, no terreno de disputa internacional e de organização, por afinidade cultural, dos diversos agentes culturais brasileiros, à exceção de duas ou três empresas de comunicação e iniciativas importantes, porém, ainda tímidas, no terreno de medidas governamentais ou interestatais, como é o caso do Mercosul ou Celac.
Por sua dimensão geográfica, econômica, potencial de recursos naturais e especialmente pelas características da variada produção cultural, em boa medida reconhecida fora do país, o Brasil tem possibilidades e necessidades que ainda estão longe de apontar horizonte mais claro.
Isso se coloca como desafio e tarefa para as próximas resoluções nos âmbitos da Conferências de Cultura, das medidas governamentais, e mesmo no nível da economia vinculada a grupos econômicos, destacando aí a necessidade de garantir a diversidade de medidas, para atender aos mais variados níveis de potência econômica, do áudio visual ao artesanato.
Um segundo aspecto que vale ressaltar é a estranheza que pode gerar um projeto de articulação que destaque as grandes concentrações urbanas do país, o que pode acarretar dúvidas sobre uma preocupação recorrente nos embates sobre planejamento do país, que é a descentralização da economia e potencialidades, concentradas em determinadas regiões metropolitanas, e a ausência quase total em parte significativa do território, como nas vastas zonas rurais e naturais sobre as quais pairam dúvidas de como fazer as atividades econômicas, a não ser evidentemente a agricultura de pequenos e médios produtores, alguns da classificada como familiar, outros articulados com a agroindústria, e o forte bussines do agronegócio de exportação e do abastecimento interno.
Este seria um projeto envolvente das capitais e grandes urbes, contraditório com a necessidade de olhar para o vasto interior nacional, durante séculos e ainda em décadas recentes, afastado das principais dinâmicas e circuitos simbólicos? Trata-se de um desafio.
Riscos certamente existem. Entretanto, não há como escapar da realidade representada pela forte concentração populacional, assim como das atividades do setor de serviços nas cidades mais expressivas do país. Trata-se de uma ação do estado brasileiro para realizar o que está como demanda latente, ao mesmo tempo em que se implementa o Sistema Nacional de Cultura, pelos quase 5700 municípios. A atuação do poder público tem capacidade de contrapor medidas aos processos de viés concentrador e deformador, que o processo mercantil da indústria cultural pode induzir algo já revelado pelo constituído até então.
Outro fenômeno a destacar que realça a responsabilidade sobre as cidades de maior porte é seu simbolismo tanto para o plano interno, como para o exterior, algo que fica explicitado através do discurso da propaganda turística, como nas narrativas que apresentam o país para sua própria população, e para outros países.
Já é lugar comum afirmar que o Rio de Janeiro é o rosto do Brasil, que São Paulo sua locomotiva econômica, cidade da pujança, Manaus capital do mundo Amazônico, recife capital do Nordeste com sua música original e referência política, Salvador, capital primeira, matriz de boa parte da cultura popular, e especialmente a de origem africana, para não falar de Brasília, símbolo de uma linguagem geométrica lírica, e expressão mor do urbanismo modernista, marca do processo de industrialização que se viveu da década de 1930 a 1960. Brasil é um dos poucos países que tem cidades com características tão diversificadas como Ouro Preto, Olinda, São Luís e Salvador como Patrimônio da Humanidade estabelecido pela UNESCO, e ao mesmo tempo tem uma urbe como Brasília, sua capital.
Trata-se de uma combinação rara e de muito poder simbólico. O país se manifesta pelo barroco e pelo modernismo contemporâneo, os dois com muita expressividade.
Ao falar das “cidades invisíveis”, Ítalo Calvino (1990) discorre de forma poética e profundamente reflexiva, sobre a existência humana e a (ir)racionalidade dos inúmeros contextos de sociabilidade nas cidades. Ao concluir pela coexistência de uma cidade justa e outra injusta, em todas as que existem, e nas que advirão do empreendimento humano, questiona-se sobre os rumos futuros, em um diálogo fantástico entre Marco Polo e Kublain Khan, e conclui:
Se digo que a cidade para a qual tende a minha viagem é descontínua no espaço e no tempo, ora mais rala, ora mais densa, você não deve crer que pode parar de procurá-la. Pode ser que enquanto falamos ela esteja aflorando dispersa dentro dos confins de seu império. (CALVINO, 1990, p. 149).
Nesse continuum que é a vida em sociedade, a política cultural, que é geradora e potencializadora de uma espécie qualificada de vida comunitária, deve pautar-se, portanto, por valores e princípios humanistas e solidários assentados na defesa da democracia, da pluralidade política e estética, da liberdade de opinião e crítica, da diversidade étnico racial, de gênero e sexual, e da convivência respeitosa entre as religiões e ao direito de não professar religião alguma, da superação das desigualdades socioeconômicas, do desenvolvimento socioambiental e cultural sustentável, da defesa do desenvolvimento cultural nacional, ajudando a superar a dependência tecnológica, e equilibrando o mercado com respeito à produção importada, do desenvolvimento de relações econômicas, políticas e culturais que apontem para novas relações de justiça e equidade entre os povos e nações de todo o mundo. A cidadania dispersa, mas que aflora inevitavelmente entre nós.
A política cultural nas cidades, sejam elas pequenos núcleos ou grandes e icônicas urbes, deve servir ao projeto de cidade profundamente democrática, em todos os sentidos, do econômico ao artístico, passando pelo científico e social, rumando em aproximação a uma cidadania plena.
Assim, as cidades brasileiras, ao invés de serem “babilônias”, serão centros de esperança profunda e de transformação social profunda.
AUTOR - 

Publicado no Vermelho
Com Portal BRASIL CULTURA

As ressurreições de Marx

Karl Marx está nesse parnaso pouco povoado, junto a Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein
Karl Marx foi enterrado tantas vezes que o ato de ressuscitá-lo ameaça tornar-se cotidiano. Há várias maneiras de retornar – uma delas é como recordação de alguma coisa superada pelo tempo e, nesse sentido, visto como o construtor-chefe que construiu o escalão de um desenvolvimento que continuou.
Em determinado sentido, uma parte da obra de Marx é isso. É assim que o descreve o outrora influente e longe de ser comunista Jacques Attali: “Marx foi o primeiro a apreender o mundo em seu conjunto – que é, ao mesmo tempo, político, científico e filosófico”. Nesse sentido, Marx é, tal como disse o historiador comunista Eric Hosbawn, “o reconhecido pai fundador do pensamento moderno sobre a sociedade”.
Também há um retorno que implica uma maior persistência prática. Marx pretendeu uma maneira racional distinta de ver esse mundo no seu conjunto. Para isso, criou tantas ferramentas de análise para reavaliar não só o legado do pensamento filosófico, econômico e humanista até seus dias – mas dos dias que deviam vir.
É por isso que o Prêmio Nobel de Economia, e também longe de ser comunista, Sir John Hicks, admitiu que “a maioria daqueles que desejam estabelecer um curso geral de história utilizariam as categorias marxistas ou uma versão modificada delas, pois há poucas versões alternativas disponíveis”. Karl Marx está nesse parnaso pouco povoado, junto a Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein, os quais foram tão descomunais como para criar oficinas imperecedouramente úteis ao acionar intelectual humano.
Porém, há um terceiro retorno que os integra a todos e é uma verdadeira ressurreição heroica. Aquela que parte de sua máxima – e lanço mão da tradução de um amigo admirado: “Os filósofos não fizeram outra coisa a não ser interpretar de diversos modos o mundo. Mas cabe, também, transformá-lo”. Marxistas não são aqueles que acreditam, petulantemente, que estão entendendo o mundo a partir de suas leituras, mas, sim, todos aqueles que estão empenhados em tentar entendê-lo no processo de transformá-lo em algo melhor para as maiorias.
Nessa tamanha dimensão, Marx nasceu com Prometeu e na rocha enfrentou a água devoradora; esteve junto a Spartacus no estreito de Mesina; acompanhou Wat Tyler na grande revolta dos despossuídos; aconselhou Lênin naqueles dias que fizeram tremer o mundo; foi condenado à morte juntamente com Sacco e Vanzetti; desceu a escadaria com Julio Antonio Mella; organizou a greve com Rubén Martínez Villena; foi assassinado pelas costas em Manzanillo, para voltar lá mesmo com o General das Canas; atacou o quartel Moncada e desembarcou em Las Coloradas; ocupou Santa Clara e entrou em 8 de janeiro de 1959 em Havana.
Marx, todos os dias, redescobre Marx. Nós, em nosso empenho de continuar adiante, apenas somos suas reencarnações, nestas ideias, neste tempo, nesta Ilha.
Publicado originalmente no Granma
Com Portal BRASIL CULTURA