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sábado, 8 de abril de 2017

Educação Quilombola

É um trabalho contínuo para minimizar o preconceito, porque o preconceito nasce na ignorância. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.                                                                     Nelson Mandela.
O Brasil é habitado por cerca de 76 milhões de negros e pardos, o equivalente a 45% da população. Portanto, os negros não podem ser considerados uma minoria num país que só perde para a Nigéria em quantidade de afro-descendentes no mundo. O curioso é saber que mesmo com toda a riqueza cultural, histórica e econômica que nós, brasileiros, herdamos da África, ainda conhecemos muito pouco sobre o continente, onde vivem mais de 780 milhões de pessoas das mais variadas etnias.
Não é de hoje que os livros escolares e as notícias da imprensa apresentam uma África estereotipada. Para ilustrar que imagem é essa, elaboramos um jogo bem interessante. Dez pessoas foram convidadas a classificar a região a partir de alternativas. Você acha que elas vêem a África como sinônimo de desenvolvimento ou atraso? Saúde ou doença? Riqueza ou pobreza? Estabilidade ou instabilidade política? Tribo ou civilização?
Para um senhor com sotaque português, a África tem riquezas, sim, mas são mal distribuídas. Uma jovem menciona a Aids como um dos fatores que a levam a afirmar que o continente africano é associado à doença. Outra entrevistada justifica a escolha de instabilidade política ao lembrar das guerras que assolam o continente. Um depoimento, em especial, se destaca. É a fala de uma moça que aponta todas as opções desfavoráveis e explica o motivo: “Escolhi os aspectos negativos porque é o que a televisão mostra”.
Claro que o continente africano enfrenta problemas muito graves, como estes indicados pelas pessoas que participaram do jogo, no entanto, não se pode negar que só temos acesso a alguns aspectos da realidade daquele país. A história da África reserva bons capítulos que os livros didáticos não contam. Para início de conversa, foi lá que surgiu o homo sapiens há cerca de 130 mil anos. Pesquisam indicam que os primeiros indivíduos da espécie humana eram negros, pequenos e com feições muito semelhantes às do africano de hoje.
A magistral civilização egípcia, notória pelos seus avançados conhecimentos em engenharia, geometria e matemática, é outro exemplo da contribuição da África para a humanidade. E mesmo sendo uma referência esplêndida daquela cultura ímpar, os livros costumam omitir que o Egito fica no continente africano. Quando desconhecemos todo o valor dos africanos reforçamos um sentimento de inferioridade nos afro-descendentes dos quatro cantos da terra. Tanto os negros quanto os brancos saem perdendo. Os brancos, sobretudo, porque são criados com a falsa ilusão de serem membros de uma raça superior.
A desinformação tem origem quando folheamos o livro didático, na sala de aula. Os capítulos dedicados à história da África são simbólicos e sempre relacionados ao tema ‘escravidão’. E mesmo a escravidão é abordada sob uma perspectiva eurocêntrica, isto é, do ponto de vista do colonizador, que ignora um item elementar: a diversidade étnica daquele povo. Ninguém explica que os escravos do Brasil possuíam as mais diversas origens, dialetos, valores, crenças e hábitos. Pelo contrário, eles sempre são rotulados como uma coisa só: negros africanos, serviçais dos brancos.
De acordo com o antropólogo Kabengele Munanga, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e vice-diretor do Centro de Estudos Africanos da mesma instituição, “nossos livros didáticos têm uma orientação que não contempla as raízes africanas do Brasil, influenciando negativamente na formação da auto-estima dos jovens brasileiros de ascendência africana. Para qualquer pessoa se afirmar como ser humano ela tem que conhecer um pouco da sua identidade, das suas origens, da sua história”.
Com a implementação da lei 10.639, grande parte destas questões serão resolvidas. A lei torna obrigatório o ensino sobre a história e a cultura afro-brasileiras nas escolas do país inteiro. Além de entender acerca do Império Romano, do feudalismo na Europa, da Revolução Industrial na Inglaterra, da Revolução Francesa e da Guerra Civil norte-americana, os alunos serão informados, desde muito cedo, a respeito da África como um continente vivo e enriquecedor.
Quando esbarramos com as pessoas pelas ruas da cidade, não conseguimos descobrir onde elas moram, com o que trabalham, nem o quanto ganham. Mesmo assim, é comum que julguemos os outros pela aparência, ou seja, pelas roupas que vestem, o penteado dos cabelos, os objetos que carregam e pela cor da pele. Será que estes traços são suficientes para identificar moradia, profissão ou situação financeira de alguém?
Como o que nos interessa apurar no momento é o preconceito racial, inventamos um jogo para descobrir até que ponto a cor da pele de uma pessoa influencia, de fato, no julgamento que se faz pela aparência. Os vinte entrevistados, escolhidos aleatoriamente, relacionaram as fotografias de duas famílias, uma negra e outra branca, à habitação e ao local de trabalho do chefe de cada uma delas. Quer ver o resultado?
Um senhor negro foi o primeiro a apontar a família negra como moradora da casa mais humilde. Uma moça loura garantiu que qualquer um daquelas fotos poderia trabalhar no consultório médico. Já a jovem branca classifica a família negra com o aspecto mais feliz. Depois de um rapaz negro reclamar que a sociedade branca não oferece oportunidades aos afro-descendentes, um homem branco liga os negros à casa mal acabada, afirmando que fez esta associação motivado pela cor da pele de seus membros.
É lamentável, mas as pessoas vinculam mesmo os negros aos trabalhos braçais e às piores condições de moradia. Todos os dias nos deparamos com peças publicitárias, cenas de filmes e de novelas, personagens na literatura e nas histórias em quadrinhos que superestimam os brancos e subestimam os negros. Aos poucos, notamos um crescimento de exemplos positivos no negro na mídia, mas estas iniciativas, embora válidas, ainda são minoria. A atriz Zezé Motta, por exemplo, foi protagonista do filme ‘Xica da Silva’, dirigido por Cacá Diegues em 1976, e é hoje uma das figuras mais importantes da dramaturgia brasileira.
Zezé Motta vasculha suas mais remotas lembranças antes de afirmar que o negro é totalmente invisível no material escolar. “Não tenho lembrança de aprender sobre heróis ou celebridades negras na sala de aula, mas sempre encarei isso com naturalidade”, conta. E é verdade. Os negros sempre aparecem desempenhando funções subalternas, atividades exclusivamente manuais, em situações de penúria ou dignas de piedade na maioria dos livros didáticos e para-didáticos.
De acordo com Sueli Gonçalves, secretária de educação de Campinas, “nos livros de história, o negro costuma aparecer amarrado no tronco, recebendo o açoite. E se você tiver um olhar mais atento, aquele personagem negro aparenta ser pacífico, não sente dor e está ali numa boa”. Triste imagem, não? Por isso, é preciso bater incansavelmente nesta tecla: A escola tem um importante papel no combate à discriminação racial, a começar pela escolha do livros utilizados no decorrer do ano letivo.
Há muitos anos que a sociedade, principalmente através do movimento negro, vêm chamando atenção para os problemas educacionais que os negros enfrentam. Analfabetismo, evasão e baixa escolaridade são alguns dos mais graves. E as causas? Alguém já parou para estudar um meio de alterá-las? Pelo menos três motivos são lembrados: O acesso precário a uma educação pública de qualidade, a inexistência de políticas públicas de manutenção desses alunos em sala de aula e ao conteúdo – tanto do currículo quanto dos livros didáticos, que ora excluem ora reduzem a participação do negro na própria sociedade brasileira.
Vez ou outra os jornais publicam reportagens bastante reveladoras sobre desemprego no Brasil. Um índice se mantém inalterado: a maioria dos desempregados é afro-descencente. Os negros também lideram o ranking quando o assunto é trabalhar sem carteira assinada e em condições precárias. O que explica isso? Vamos espiar os classificados dos mesmos jornais?
Alguns anúncios pedem que o candidato tenha carro próprio, outros exigem nível superior. Há os que solicitam domínio do inglês ou experiência comprovada. Antigamente as pessoas deviam preencher um item importante para concorrer a uma posto de trabalho: a chamada “boa aparência”. Essa exigência foi considerada racista, o que torna a empresa passível de processos. Hoje, muitos empregadores substituíram a ‘boa aparência’ pelo envio de fotografias.
Será que o pedido de fotos dos candidatos é uma atitude inocente ou uma prova de preconceito racial? Para respondem estas questões, fizemos um jogo com pessoas comuns nas ruas. Diante das fotografias de cinco brasileiros em busca de emprego, entre brancos e negros, vamos ver quais foram escolhidas para ocupar as vagas fictícias, por parecerem representar melhor a empresa também sediada na ficção.
Uma moça branca escolheu três brancos e dois negros, alegando que o critério adotado foi “simpatia”. Houve um negro que selecionou, majoritariamente, afro-descendentes: “No mercado de trabalho seria o inverso. Enquanto não quebrarmos essa coisa de ‘o branco sabe mais do que o preto’, nunca vamos chegar a um mundo melhor”, opina. Uma garota loura selecionou três negros entre cinco candidatos. Um rapaz afro-descendente deu visível preferência a pessoas da etnia negra.
Nesta pesquisa informal, o público elegeu mais candidatos negros do que brancos, mas será que esta mesma tendência se repete no cotidiano do mercado de trabalho? “Quem é vítima da discriminação, muitas vezes não toma nem conhecimento de que está sendo discriminado”, rebate o advogado Eloá dos Santos Cruz, ele mesmo alvo de discriminação racial. A experiência da atriz Daniele Ornelas também indica que não.
“Fui fazer um teste para um filme em São Paulo, depois de conversar com a produtora pelo telefone. Ela havia ficado super empolgada com meu currículo, tanto que marcou um encontro. Chegando lá, estou vendo uma pessoa passar de um lado para o outro. Até que ela se aproximou e perguntou se eu estava procurando alguém. Quando me apresentei, a primeira reação foi de espanto: ‘Você é a Daniele? Nossa! Imaginei você tão diferente, não sabia que você era assim’. Assim negra. A gente percebe o preconceito velado”, lamenta a atriz.
O racismo aparece nas relações de trabalho de forma explícita e implícita. E muitas vezes os negros não só são discriminados pelo mercado profissional, mas também vêem caírem sobre seus ombros a culpa por não terem tido as mesmas oportunidades educacionais que os brancos. “A sociedade brasileira construiu ao longo dos séculos uma percepção muito negativa dos povos de origem africana e a escola tem um papel importantíssimo: mudar essa imagem, traduzir de outra forma o que é a história dessa comunidade negra no Brasil”, defende a historiadora Vânia Sant’anna.
Educação Escolar Quilombola
A palavra quilombo tem origem na língua banto e se refere a um tipo de instituição sociopolítica militar conhecida na África Central, mais especificamente entre Angola e a atual República do Congo.
No Brasil escravocrata a palavra foi usada para designar comunidades organizadas por escravos negros fugidos, mas que também abrigavam índios e brancos pobres. Um dos quilombos mais conhecidos é o de Palmares, situado no interior de Alagoas, num local de difícil acesso. Formou-se por volta de 1595, ocupando um espaço territorial equivalente a um terço de Portugal, com cerca de 30 mil pessoas, lideradas por Zumbi dos Palmares. Possuía, além de casas, oficinas, olarias, templos religiosos, plantações e um conselho político e de defesa.
Os quilombos eram sociedades organizadas que plantavam o que precisavam comer, tinham hierarquia e eram livres para manifestar suas crenças, sua cultura.
Somente com a Constituição de 1988, o governo brasileiro reconheceu a legitimidade das comunidades remanescentes de quilombo e abriu o espaço legal para que elas lutassem pela posse coletiva de suas terras. Atualmente, existem cerca de 1436 comunidades remanescentes de quilombos, que abrigam cerca de 1 milhão e 300 mil brasileiros, em dados recentes da Fundação Palmares.
Para um melhor entendimento do que são os remanescentes de quilombos, o Decreto nº 4887/03 estabelece que:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a opressão histórica sofrida.
Um dos grandes desafios de quem educa e forma alunos em comunidades remanescentes de quilombo é valorizar a tradição oral numa sociedade que prioriza a língua escrita.
Ubiratan D’Ambrosio, especialista em etnomatemática, afirma que a educação quilombola é realizada a partir de outros contextos culturais porque ela reconhece os saberes da criança ao chegar à escola. E os saberes ancestrais são as bases, as raízes daquela comunidade.
Para as comunidades quilombolas, o pensar e o fazer são indissociáveis; já a escola formal, ao contrário, valoriza o saber sobre o fazer. No projeto de ensino realizado no quilombo de Murumutuba, que fica no noroeste do Pará, o objetivo é associar o pensar e o fazer, valorizar as práticas do cotidiano dos quilombolas. E é isso que acontece no ensino da matemática, a etnomatemática.
Outra experiência rica de educação quilombola ocorre no Colégio Estadual Sinésio Costa onde é desenvolvido o projeto “Uma leitura da Cultura Negra Riachense” que é uma extensão da proposta do projeto “Rio das Rãs: origem, cultura e resistência numa comunidade quilombola”, 2º lugar na 2ª edição do Prêmio Educar para a Igualdade Racial.
Um dos principais objetivos do trabalho é o desenvolvimento do senso de pertinência social, pessoal e coletivo do aluno. E quando o aluno tem a possibilidade de conhecer o seu contexto histórico cultural, isso possibilita também o auto reconhecimento e ele vai legitimar os seus saberes históricos, culturais, artísticos.
A educação quilombola deve considerar as vivências, realidades e histórias das comunidades quilombolas do país, de forma a considerar suas especificidades étnico-culturais.
A discussão sobre a educação quilombola como campo da política educacional começou em 2010, durante a Conferência Nacional de Educação (Conae), em Brasília. Na época, houve uma proposta para a inclusão da educação quilombola como modalidade da educação básica e pela instituição das Diretrizes Curriculares Gerais para a Educação Básica. As propostas ainda estão em processo de homologação.
A importância da instituição da educação quilombola se dá, sobretudo, pela fotografia brasileira. Segundo informação do Ministério da Educação (MEC), levantamento feito pela Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura, certificou mais de 2900 comunidades e mais de 1900 aguardam a certificação e 175 áreas com terras já tituladas.
Existem comunidades remanescentes de quilombos em quase todos os estados, exceto no Acre, Roraima e no Distrito Federal. Os que possuem o maior número de comunidades remanescentes de quilombos são Bahia, Maranhão, Minas Gerais, e Pará.
A educação escolar quilombola deve ter como referência valores culturais, sociais, históricos e econômicos dessas comunidades. Para tanto, a escola deve se constituir como um espaço de diálogo entre o conhecimento escolar e a realidade local, valorizando o desenvolvimento sustentável, o trabalho, a cultura, a luta pelo direito à terra e ao território.
Objetivo:
Fortalecer os sistemas municipais, estaduais e do Distrito Federal de educação, envolvendo o apoio à coordenação local na melhoria de infraestrutura, formação continuada de professores que atuam nas comunidades remanescentes de quilombos, visando à valorização e a afirmação dos valores étnico-raciais na escola e proporcionando instrumentos teóricos e conceituais necessários para compreender e refletir criticamente sobre a educação básica oferecida nas comunidades remanescentes de quilombos.
Ações:
Formação de Professores;
Produção de material didático específico;
Construção de escolas quilombolas, com vistas a dotar de infraestrutura básica as comunidades quilombolas para realização de educação de qualidade.
Como acessar:
As Secretarias de Educação dos municípios, estados e do Distrito Federal apresentam as demandas por meio do PAR – Plano de Ações Articuladas.
Fontes: 
http://www.seppir.gov.br/portal-antigo/arquivos-pdf/diretrizes-curriculares
http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dht/cartilha_cclf_educ_quilombola_direito_a_ser_efetivado.pdf
http://mec.gov.br
CONAQ

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