Este é o ponto em que nos encontramos: diversas
universidades federais brasileiras estão na iminência de interromper
suas atividades, de cancelar seu calendário acadêmico, por conta do
estrangulamento financeiro imposto pelo governo Temer.
Por Margarida Salomão*, no Ninja
Fato, não se trata de uma situação propriamente nova. Mesmo
que distem anos, ainda é fácil lembrar dos governos de Fernando Henrique
Cardoso, em que a mesmíssima situação se fez presente.
Atesto tal
realidade enquanto testemunho pessoal. À época, era reitora da
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e tinha como um de meus
principais desafios administrar um orçamento exíguo.
Contudo, espanta que o reencontro com essa situação ocorra
de modo tão apático, sem gerar quase nenhuma forma de escândalo. É
curioso notar que, não faz tanto tempo, a mera mudança na forma de
organização do Enem fora capaz de sacudir a mídia brasileira, produzindo
reações indignadas – as quais ocuparam noticiários televisivos e capas
de jornais e revistas por dias a fio.
Eis, por outro lado, uma realidade quase sonegada atualmente.
Estudo conduzido pela Associação Nacional de Dirigentes de
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) aponta para um corte
de 30% no valor total liberado às universidades e instituições federais
de ensino técnico para custeio, além da restrição de 60% no valor
designado para investimentos. Na risca do lápis, nada menos que R$ 2,1
bilhões estão retidos pelo governo Temer. Considere-se ainda que o
orçamento previsto para o ensino técnico e superior federal já havia
sido reduzido na ordem de 11% entre 2016 e 2017.
O estrangulamento de recursos também é uma das marcas da
nova política de concessão de bolsas a pesquisadores e estudantes pelo
governo Temer. De início, registre-se, antes mesmo do corte de verbas, o
corte do número de bolsas oferecidas pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em 2015, eram
distribuídas mais de 163 mil bolsas. Atualmente, esse número reduziu-se a
menos da metade (80 mil). As bolsas de mestrado e doutorado estão
incluídas nessa devastação. Se em 2015 eram oferecidas cerca de 19 mil
em cada modalidade, hoje não passam de aproximadamente 8 mil cada.
Contudo, a situação se agravou ainda mais esse ano. Mesmo as
poucas bolsas sobreviventes correm o risco de não serem pagas. Notícia
recente dá conta de que o CNPq esgotou todo o seu orçamento para tal
atividade, possuindo recursos para pagar as bolsas apenas até agosto –
pagamento que deverá ser feito no início de setembro.
Como consequência, diversas universidades podem se ver
obrigadas a simplesmente interromper suas atividades de pós-graduação,
ferindo de morte várias iniciativas relacionadas ao campo da pesquisa
acadêmica. É o caso, por exemplo, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Nota divulgada pela reitoria da instituição lembra que o
programa de iniciação científica, em vigor desde 1951, “nunca sofreu
descontinuidade mesmo em momentos mais graves de crise econômica e
durante governos de diferentes matizes ideológicas”.
A minuta divulgada pela Andifes ainda lembra outras
dificuldades que se avizinham para as universidades: necessidade de
restrição da força de trabalho contratada, dificuldade para pagamento de
elementos básicos para funcionamento (como energia elétrica e água),
restrição no orçamento para compra de insumos para atividades de aula e
para a manutenção dos cursos, paralisação de obras em andamento, além da
quase completa interrupção da política de compra de livros para
bibliotecas.
O futuro da Educação Superior e pesquisa no país é,
portanto, estonteante. Junte-se a isso outras iniciativas nefastas, como
a que pretende por fim à política de diálogo e aproximação entre os
países do continente posta em prática com a criação da Universidade
Federal da Integração Latino-Americana (Unila), localizada em Foz do
Iguaçu (PR), e teremos um cenário de verdadeiro desespero.
Mesmo assim, vemos os ministérios da Educação e da Ciência e
Tecnologia atuando de maneira inerme, sem esboçar qualquer tipo de
reação. Trata-se de algo inconcebível.
Não há dúvidas de que o governo Temer seja um celeiro de
motivos para indignação. Contudo, o que se passa quanto a Educação
Superior no país é de gravidade maior. Cabe a nós, portanto, fazer com
que tal questão ganhe a dimensão que verdadeiramente merece.
*Margarida Salomão é Professora da Universidade
Federal de Juiz de Fora, com Doutorado e Pós-Doutorado pela Universidade
da Califórnia, em Berkeley. É deputada federal pelo Partido dos
Trabalhadores de Minas Gerais desde 2013.
Fonte: Revista Fórum
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