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segunda-feira, 12 de março de 2018

Cultura - Quadrinhos - As batalhas de Palmares

Angola Janga
por Jotabê Medeiros 
Mais extensa HQ já publicada no País, Angola Janga, de Marcelo D’Salete, é um grande épico gráfico.
Desde a Serra da Barriga às grutas do coração, como na canção de Gilberto Gil, o ilustrador, quadrinista e artista plástico paulistano Marcelo D’Salete, de 39 anos, tem examinado as circunstâncias históricas, políticas e sociais da vida do negro brasileiro. D’Salete usa, para isso, um veículo, ao menos no Brasil, pouco afeito a combates dessa natureza: as histórias em quadrinhos.
Mestre em História da Arte pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Escola de Aplicação da USP, D’Salete estreou há dez anos com um álbum chamado Noite Luz, pela editora Via Lettera. Mas foi em 2014, com Cumbe (Editora Veneta), que ele despertou a atenção internacional. Eleita uma das melhores HQs daquele ano no Brasil, indicada ao prêmio HQ Mix (o mais longevo e crível do gênero) a obra foi publicada depois em Portugal, França, Áustria, Estados Unidos e Itália.
Este ano, no entanto, com o lançamento de Angola Janga, um catatau de 400 páginas sobre o Quilombo dos Palmares, Marcelo D’Salete entra definitivamente para a história das HQs nacionais. Primeiro, porque se trata do mais extenso álbum em um único volume já publicado no País. Angola Janga, na língua banto quimbundo, quer dizer “pequena Angola”.
Era como os negros do século XVI se referiram ao conjunto de mocambos que ficou célebre como Palmares, na região da Serra da Barriga, em Alagoas. Segundo, porque Angola Janga, fruto de uma pesquisa de 11 anos, é um vigoroso romance construído nos interstícios da História, com os personagens de um século de existência de Palmares ganhando contornos shakespearianos, dramatúrgicos, carnais.
Examinando documentos (cartas de governadores, militares, clérigos, senhores de engenho ou escritores) sobre o período, D’Salete deu contornos ficcionais e também humanos às biografias dos protagonistas da saga. Mais importante: ele não os poupou dos vícios e das contradições.
Quilombo dos Palmares foi criado por escravos fugidos de propriedades rurais e engenhos no século XVII e durou mais de um século no Nordeste. Chegou a ter cerca de 18 mil habitantes, numa época em que a capital de Pernambuco, Recife, contava 20 mil. Resistiu a mais de 100 anos de batalhas contra soldados portugueses e holandeses e sanguinários bandeirantes paulistas.
Canudos, na Bahia, mais célebre na historiografia, tinha 15 mil sertanejos à volta de Antonio Conselheiro. Definindo como “formidável” a saga de resistência de Palmares por mais de um século, D’Salete diz que considera importante fazer essa história, ainda restrita a um círculo de pesquisadores, historiadores e ativistas da militância negra, ser conhecida de um público maior. “Até a Abolição, Palmares era tratado como uma história de criminosos. Era disseminada sempre a partir do medo, de algo que devia ser evitado. Ganhou outra perspectiva graças à ação de jornalistas negros”, diz o quadrinista.
Mesmo durante o abolicionismo, as discussões procuravam evitar que o tema Palmares chegasse aos escravizados, como forma de evitar um sentimento revolucionário. E, apesar da destruição violenta de Palmares, em 1694, com a derrubada do maior dos seus mocambos, Macaco, é sempre preciso lembrar que os quilombos, como prática e estratégia, existiram em todo o Brasil, de São Paulo a Minas, da Bahia a Pernambuco.
Angola Janga, de arte preciosista, realça os mitos dos personagens centrais de Palmares, como Ganga Zumba, Ganga Zona e Zumbi, mas a ideia do livro é ir além das lideranças. Assim, como em Os Sertões, de Euclides da Cunha, a geografia e a descrição do homem comum são também alçadas à qualidade de protagonistas. Os palmaristas cultivavam cana, como os donos de engenho, além de feijão, milho, batata.
Marcelo D’Salete
O quadrinista Marcelo D’Salete: “Para entender o Brasil, é preciso entender a história do negro no Brasil” (Divulgação)
Trocavam mantimentos com os proprietários rurais que combatiam. A infância de Zumbi, parte nebulosa da história e tratada de passagem apenas em alguns estudos, como o do historiador Décio Freitas (autor de Palmares, a Guerra dos Escravos), materializa-se na história em quadrinhos. Zumbi, um bebê chamado Francisco, cujos pais foram mortos na destruição de um mocambo e os algozes levaram e deixaram aos cuidados de um padre.
Adolescente, rebelou-se e fugiu, tornando-se um dos maiores mitos da história, um líder nato. Seu braço direito, António Soares, predestinado a ser também um traidor do porte de Joaquim Silvério dos Reis, ganha também estofo de personagem literário. Todos os capítulos abrem com trechos de documentos, cartas e trechos de publicações que enriquecem a narrativa.
Os termos da proposta do acordo de paz da Coroa portuguesa ao líder de Palmares, Ganga Zumba, aceita por este último (e rejeitada por Zumbi), é um desses excertos. Caçado e escapando milagrosamente de diversos ataques, Zumbi vira lenda. Quando, finalmente, é morto, em 20 de novembro de 1695, o decapitam para exibir sua cabeça em praça pública e desmentir sua imortalidade.
“Os trechos de documentos não funcionam como explicação. Eles dialogam com o capítulo, o leitor tem de fazer a sua correlação”, afirma o desenhista. “Há fatos que têm documentos fartos e outros não. A ficção comparece quando eu me ponho a tentar imaginar as razões para determinado personagem ter agido daquele jeito.”
Angola Janga não evita a controvérsia histórica. Palmares também tinha escravidão? “A gente tem de pensar que é algo do século XVII. Os conceitos têm de ser examinados cuidadosamente, tem de saber olhar naquele tempo. Claro que não pode ver o mocambo simplesmente como o lugar da liberdade, tem de saber refletir”, diz o autor.
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“A origem dos negros ali era primordialmente banto, cuja organização social se dava a partir de lideranças que conheciam, os reinados. Eram reis, mas tinham conselhos dos mais velhos. Mas, certamente, não é algo próximo da democracia como a gente entende hoje. E a liberdade não era a que conhecemos após a Revolução Francesa”, pondera D’Salete.
Os palmaristas atacavam engenhos e faziam cativos que levavam para o quilombo. “Mas eram pessoas que se organizavam de forma autônoma para gestar sua própria forma de governo. E não há registro de alguém que tenha voltado para a escravidão das fazendas e dos engenhos. Não dá para dizer que era a mesma coisa. Não podemos nem mesmo usar o termo escravidão em relação a eles. Palmares era um local muito bélico, em guerra, uma condição de alerta constante”, diz o quadrinista.
Cumbe
Os gibis Cumbe (foto) e Encruzilhada abriram o mercado internacional ao autor (Imagem: Divulgação)
Na ficção dos quadrinhos de D’Salete, há uma tensão e uma estetização da violência que alcança dimensões épicas. A chegada do bandeirante Domingos Jorge Velho, com sua lógica animalesca, para combater os escravos, joga o conflito num abismo ético. Os articulistas faziam sua parte para circunscrever o ambiente político. O padre Antonio Vieira alertava para o perigo de se fazer acordo com os palmaristas.
Zumbi cresce como líder, numa construção que se assemelha ao mito de Virgulino Ferreira, o Lampião. Marcelo D’Salete considera que a chegada de Angola Janga coincide com um momento em que os quadrinhos brasileiros estão conquistando um espaço de afirmação.
“As HQs estão contando histórias de maior fôlego, artistas como Marcelo Quintanilha, Rafael Coutinho, André Diniz. São obras sobre o nosso País, sobre a nossa realidade, trabalhos que estão despertando interesse fora do Brasil.” Identificado com o ativismo, ele refuta a ideia de que seu enfoque seja principalmente a história do negro na vida brasileira.
“Meu foco é a história do Brasil como um todo. Mas, para entender o Brasil, você precisa entender a história do negro no Brasil”, afirma. Influenciado inicialmente pelo hip-hop de RZO, Racionais MC’s, pelo samba de Geraldo Filme, pela literatura de Luís Fulano de Tal (autor de A Noite dos Cristais), e mais recentemente pelo rap de Emicida e James Banto, o artista define assim seu foco: “Eu me interesso pela forma de pensar a cidade e as relações humanas a partir da periferia. Isso já existia em alguns sambas, mas o rap é mais incisivo. Por isso foi tão importante pra mim”.
D’Salete viu o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. É sempre cauteloso com as palavras. “No Carnaval, não é novidade. A escravidão apareceu muitas vezes. Mas o interessante é que (a Tuiuti) relacionou com o presente, como um troço tão forte ainda definindo as relações sociais hoje”, analisa. “Nesse sentido, foi interessante, mostrou como a escravidão traz sequelas abertas para grande parte da população.”
Fonte: CARTA CAPITAL

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