Acompanhei com bastante atenção a produção de O Mecanismo, nova série da Netflix produzida por José Padilha (Tropa de Elite 1 e 2), o que me fez criar bastante expectativa principalmente depois de tudo o que ele passou nesses últimos anos (segundo suas entrevistas) sendo “obrigado” a deixar o Brasil por medo, etc.
Por Tedddy Falcão*
Nas mesmas entrevistas, ele falava sobre a situação política e social do Brasil de forma (pelo menos aparente) imparcial e por consequência, responsável. Tudo o que não vemos nos 8 episódios da temporada liberada na última sexta-feira (23).
Como nos dois filmes Tropa de Elite, todo episódio se inicia com o aviso de que se trata de ficção, betc. Mas se contradiz no final quando revela a base de tudo, o livro “Lava Jato – o Juiz Sergio Moro e Os Bastidores da Operação Que Abalou o Brasil” de Vladimir Netto, repórter da Rede Globo, que ganhou notoriedade ao escrever e publicar essa, em nada disfarçada, homenagem ao juiz Sergio Moro.
A série tinha tudo pra ser incrível! Com um elenco brilhante tendo nomes como Leonardo Medeiros, Enrique Diaz, Selton Mello, Caroline Abras e diretores como o Daniel Rezende.
Mas escolheu clichês de construção de personagens em roteiros superficiais com informações deturpadas e diálogos desonestos. Um exemplo mais grave acontece no 5º episódio, escrito por Elena Soárez, quando Higino (caricatura de Lula, na série) reproduz a “necessidade de estancar a sangria”, sendo que na realidade a fala é do senador Romero Jucá em conversa com Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro. É forçada também Rigo, um vaidoso, mas determinado, imbatível e heróico Moro. Que anda de bicicleta e lê o “Vigilante Sombrio”, herói de HQ.
Temos ainda Thames, o Michel Temer representado, com aparições pontuais prometendo uma importância maior numa história de traição e ligações se estruturando com outros personagens como Lúcio Lemes, o Aécio Neves da bagunça toda.
“O Mecanismo” é uma decepção. Mas “perigosa” é a melhor definição para esse produto que está, claramente, a serviço da construção e perpetuação de heróis e personagens inventados com base na decepção e falta de esperança de um povo diante de toda essa usurpação e violência contra os direitos essenciais da população.
Diante de todo o ódio e mentiras espalhadas online e offline no Brasil, assistir “O Mecanismo” sem o conhecimento e discernimento mínimo da nossa história recente, só irá munir de mais raiva e desinformação uma população já propensa a guerrear, atacar e destruir possibilidades de diálogos e entendimentos tão necessários pra sair dessas crises todas que estão plantadas em nosso país.
*Teddy Falcão é realizador audiovisual e cineclubista acreano, mestrando em educação, arte e história da cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP), membro do Conselho Nacional de Cineclubes e do Cineclube Opiniões, e pesquisador do Laboratório de artes cinemáticas e visualização – LABCINE.
Fonte: Brasil Cultura
Nenhum comentário:
Postar um comentário