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domingo, 20 de maio de 2018

Precisamos lutar contra o genocídio indígena com mais vigor!

A cultura autoritária enraizada em nosso país precisa ser enfrentada cotidianamente a partir dos locais de trabalho e cidadania em que atuamos. Aliás, começando por fazer ficar bem claro que a nossa condição de cidadania vem antes da condição de consumidor (nossa vida vai para além e para aquém do mercado). Isto porque a ideologia neoliberal deformou mentes e corações a tal ponto que muitos dos cidadãos não se veem como cidadãos, mas como meros consumidores (ou confundem o conceito de cidadania com o de consumidor) e pensam que a Lei maior que regula sua vida é o Código de Defesa do Consumidor, não a Constituição Federal, o Código Civil e o Código Penal etc., por exemplo.
Triste constatação cotidiana que fazemos até mesmo no interior dos sistemas escolares em que vemos educadores recomendando alunos e pais de alunos procurarem o Procon, ao invés do Ministério Público, ou o Ministério Público do Trabalho, por exemplo. Nada conhecem sobre o ordenamento jurídico brasileiro, nem sobre a hierarquia das instituições civis políticas e judiciárias e, portanto, suas concepções e práticas estão fechadas em um universo por demais estreito de pensamento e ação (por isto mesmo foram apelidados de "coxinhas" porque veem o mundo de modo muito pequeno). 
Entretanto, apesar deste universo pequeno de pensamento, são estes cidadãos (que nem sabem que são cidadãos antes de serem consumidores) os mais perigosos para darem a sustentação social a retrocessos ditatoriais como tivemos no século XX. Eles pouco se importam com os destinos das massas excluídas (para eles, os coxinhas, se elas são excluídas do mercado mais caro, o são apenas e por causa de sua própria incapacidade ou "falta de mérito" pessoal de vencer na vida; portanto, por culpa delas) e nem sonham com um Brasil mais includente (o que fazem é só reclamar de ter que conviver com este povo mais moreno, negro, mestiço, com "cara de pobre" e jeito de andar, se vestir e viver de periféricos; nos aeroportos, nos aviões, nos restaurantes de preços razoáveis, nas universidades federais e em shoppings centers mais elegantes, onde os seguranças de preto vão logo se agitando ao ver adolescentes que moram em favelas e congêneres entrarem).
São supostamente "alienados" e "despolitizados" (eu sempre questionei esta afirmação de que tudo não passa de "falta de consciência política" desta gente, porque não é que falta consciência política e que sejam "despolitizados" - o que há é que revelam, implicitamente, quais posturas políticas acreditam, claro que diametralmente opostas aos ideários de esquerda, quaisquer que sejam eles; ou seja, tem consciência política sim, mas não as nossas). Contudo, em momentos críticos da história são exatamente eles, em grandes números, que saem às ruas para defender golpes anti democráticos e, depois, darem sustentação ideológica, no cotidiano, para regimes de força, para ditaduras, para agressões a minorias e adversários políticos e agressões militares externas a outros povos etc.
É ilusão pensar que somos, por natureza, um povo pacífico. A história brasileira está aí para mostrar que isto não passa de um mito que foi criado não só por Gilberto Freyre, mas pela própria ditadura militar (vejam só o nível de hipocrisia, no momento em que a tortura e a violência política contra os adversários políticos era mais dura, eles, para uso externo e interno, gostavam de incentivar este mito do povo brasileiro pacífico; ou seja, um rebanho manso que podia ir para o matadouro sem fazer greves, sem distúrbios de rua, sem motins etc.).
Tudo bem que grande parte dos movimentos sociais de esquerda e progressistas já percebeu este mito e está elaborando suas mil estratégias e táticas de desconstrução (palavra tão ao gosto dos "pós modernos") e construção de outras maneiras de ser e de conceber o mundo. Mas é preciso distinguir claramente o que vem a ser "esquerda", de modo geral, e "progressista", de modo geral. Portanto, precisamos deixar claro que por esquerda estamos nos referindo a toda uma corrente de opinião cidadã e política, genericamente falando, que defende uma crítica ao capitalismo como sistema (claro que há variações infindáveis nestas críticas que não podem ser consideradas todas como se fossem uma só; mas o que dá unidade a todas elas é que há uma crítica ao sistema capitalista). Por progressista geralmente se fala de movimentos ou pessoas que não estão focados, direta ou indiretamente, na crítica ao próprio sistema capitalista em si mesmo, mas às desigualdades sociais existentes na sociedade capitalista em que se vive e às inúmeras questões relativas a injustiças sociais e civis. Portanto, mesmo com diferenças marcantes entre estas duas grandes correntes, elas se encontram em uma luta comum contra as desigualdades sociais e contra as injustiças existentes na sociedade.
Sendo assim, precisamos falar agora dos avanços dos movimentos sociais negros que tem desempenhado um papel importantíssimo no combate ao racismo, às desigualdades sociais que afetam, principalmente, o contingente populacional negro e pardo e que lutam por direitos específicos que afetam a comunidade negra e parda no Brasil (pelo menos metade, ou mais da metade da população brasileira). Mas é preciso ir adiante e apontar para um movimento social, comparado ao movimento negro brasileiro, bem menos, em termos quantitativos (mas não qualitativo), presente e menos evidente para a sociedade maior brasileira. Ou seja, estamos falando do movimento indigenista.
Comparando-se com a bandeira de luta levantada nos últimos tempos pelos movimentos negros em geral, a do "holocausto da população jovem negra"; podemos dizer, sem exageros metafóricos algum, que, na verdade, holocausto mesmo foi feito contra os povos indígenas brasileiros (exterminados enquanto povos, desde crianças, jovens, mulheres, homens e velhos; não sobrando sequer um deles para contar a história - o que os nazistas não conseguiram fazer com o povo judeu na Europa). Portanto, precisamos agora definir melhor o que se quer dizer com "holocausto." Este é um termo que é associado, primeiramente, à política sistemática de extermínio deliberado do povo judeu (lembrando-se que o critério de definição nazista, pelas leis raciais de Nuremberg, do que seria um judeu estava baseado na seguinte matemática simples: se uma pessoa tivesse pelo menos um avô/avó de origem judaica, ou seja, 25% de seu sangue judaico, mesmo que os outros 75% não o fosse, ela era considerada judia, simples assim; independentemente de que este avô/avó praticasse ou não a religião judaica, mesmo que ele fosse convertido ao cristianismo católico ou protestante ou se declarasse ateu).
Agora é preciso explicar melhor o que vem a ser a palavra "holocausto." Esta é uma palavra religiosa relativa a uma prática típica do judaísmo, quando o templo de Jerusalém ainda estava de pé, até o primeiro século de nossa era (o templo de Jerusalém foi destruído pelos romanos no ano 70 d.C.). Esta palavra designava um tipo específico de sacrifício cruento (ou seja, com derramamento de sangue de animais), feito no templo de Jerusalém, em que a vítima (o animal) era queimada inteira, num altar, como oferta a Deus (e em expiação contra determinados pecados). Mas então nos perguntamos o que esta palavra tem a ver com o extermínio do povo judeu pretendido pelos nazistas nos anos 1930 e 1940? Simples, ao fim do processo de arregimentação da população judaica existente em uma cidade (levadas à força para morarem em guetos apertados, ou seja, bairros, dedicados a concentrar os judeus daquela área geográfica) ocupada pelos nazistas, posteriormente transportada/deportada para campos de concentração (cercados de arame farpado eletrificados) e depois levada destes campos de concentração para outros campos específicos chamados de campos de extermínio (ou "fábricas da morte"), como Auschwitz, este povo, ao chegar de trem, descia dos vagões e era levado a entrar nas câmeras de gás imediatamente (pensando que iam tomar banho, porque era isto que lhes diziam) e morto entre 15 e 20 minutos pelo gás Zyklon B (um inseticida que era despejado, por um soldado alemão, que jogava uma pastilha do gás, através de espécies de chaminés que ficavam acima, no suposto banheiro, onde, embaixo, as pessoas já estavam nuas, esperando "o banho", mas o que caía por meio dos chuveiros, que ficavam abaixo destas chaminés, não era água, mas as pastilhas que, ao entrar em contato com o ar, volatilizavam, transformando-se em gás, e eram inspiradas pelas pessoas, mulheres, crianças, homens, velhinhos e velhinhas). Após a morte pelo gás, no máximo em vinte minutos, os corpos nus eram retirados das câmaras de gás e levados para os fornos crematórios onde eram transformados em cinzas (para não deixarem evidência de que estas pessoas haviam sido exterminadas). Portanto, a fumaça que subia das chaminés dos fornos crematórios, que ficavam ao lado das câmaras de gás, foi interpretada (não se sabe por quem) como o holocausto a Deus de todo um povo (como se Deus é quem quisesse receber esta fumaça como acontecia nos sacrifícios do templo de Jerusalém, mas com animais; por isto mesmo é que os judeus preferem usar outro termo, não o de holocausto, mas o shoah).
As latas com as pastilhas de Zyklon B
Portanto, quando se fala em "holocausto" (genocídio, na verdade), estamos nos referindo a uma política de Estado, sistemática, planejada, dirigida burocraticamente (e documentada em papeis, filmes e fotos), do modo mais industrial possível, com eficiência alemã, cujo objetivo final era o extermínio sistemático do povo judeu (ou, como diziam eufemisticamente, a "solução final do problema judaico"). Mas não é um termo genérico que serve para tudo, porque foi usado para um fim específico: a solução do "problema judaico" (por mais pavoroso que isto nos pareça, é preciso ser objetivo e entender a terminologia e o contexto histórico em que se planejou e se praticou este crime contra a humanidade) e não é a mesma coisa de um massacre limitado a certos estratos de um povo, ou certos estratos sociais de uma raça específica, dentro de uma estrutura de classes sociais qualquer.
Outra palavra que precisamos entender agora, como consequência, é a palavra "genocídio." Portanto, o holocausto também é conhecido como genocídio do povo judeu, feito pelos nazistas (mas, na verdade, foi um genocídio não completamente realizado, porque antes que ele tomasse cabo integralmente, os alemães perderam a guerra). Isto quer dizer que a palavra genocídio quer dizer assassinato de todo um povo (no caso judeu, o processo era sistemático e planejado da maneira mais burocrática, eficiente e organizada possível, dentro da cultura autoritária burocratizante e supostamente eficiente da Alemanha). Isto quer dizer também, por outro lado, que este crime contra a humanidade só se concretiza quando um povo quer deliberadamente assassinar outro povo; por inúmeras razões políticas, geográficas, econômicas, de ódio, raciais etc.
Portanto, ao se falar em "genocídio da juventude negra brasileira", estamos nos referindo mais a uma metáfora do que a um processo literal, como o genocídio dos povos indígenas brasileiros, que foram inteiramente exterminados ao longo destes cinco séculos em que a etnia luso brasileira, incluindo o elemento africano aqui, habita este lado do Atlântico Sul (já que não há um planejamento burocrático e eficientemente concebido para o extermínio de todos os jovens negros brasileiros só poque sejam negros, muito menos para toda a população negra ou parda, porque, neste caso, perderíamos mais da metade da população brasileira; como foi o caso do genocídio que os nazistas quase fizeram com todo o povo judeu, não apenas com os jovens, só porque eles eram judeus - conseguiram alcançar dois terços de seu objetivo antes do fim da Guerra na Europa). Por isto mesmo é que quero chamar atenção para um verdadeiro genocídio, não tão planejado e sistematicamente burocratizado como o dos nazistas em relação aos judeus, praticado ainda hoje, em terras brasileiras e que não recebe a mesma atenção e a mesma repercussão do genocídio parcial da juventude negra (até mesmo os movimentos negros nem se importam muito com ele, como deveriam, em igual media e do mesmo modo que o fazem com o genocídio dos jovens negros de periferia; porque, em relação aos índios, o extermínio significa apagar do mapa povos inteiros, com suas culturas, suas línguas, suas tradições e seus genes).
Estou falando do genocídio de povos indígenas brasileiros inteiros (devíamos chorar, todos os dias, pelos povos indígenas exterminados em em processo de extermínio, enquanto madames estão mais preocupadas com gatinhos abandonados e viras latas de rua). Ele acontece desde o século XVI e está tão naturalizado pelas mentalidades dominantes da etnia luso brasileira (mesmo nos amplos setores afro brasileiros) que nem se dão conta que presenciamos ainda hoje a um genocídio até pior do que o ocorrido com os judeus pelos nazistas (porque os nazistas não conseguiram exterminar todo o povo judeu; mas aqui, no Brasil, povos indígenas inteiros foram e continuam sendo exterminados de forma completa). Se formos alistar aqui todos os povos indígenas exterminados no Brasil pela etnia luso brasileira dominante esta lista seria muito longa, já que pereceram, inteiramente, mais de 800 povos indígenas desde que Cabral veio tocar o Porto Seguro (para os portugueses, porque, para os índios, começou a trajetória do genocídio indígena).
Pior ainda, o genocídio permanece em ação, em pleno século XXI, mas, felizmente, poderemos barrá-lo através de nossos movimentos sociais e políticos que saem na frente na luta contra as injustiças que se praticam no Brasil ainda hoje. Tudo bem que os movimentos negros tenham mais força, porque são muito mais numerosos e organizados do que os movimentos indigenistas, mas estou aqui para chamar e clamar atenção contínua, enquanto viver, para impedirmos não só o genocídio indígena, mas para lutar pela afirmação das etnias indígenas enquanto povos originários, em toda a sua dignidade étnica e histórica para nosso país.
Por isto mesmo, junto com a famosa frase que sintetiza a luta contra o fascismo, digo também, em relação ao extermínio dos povos indígenas brasileiros sobreviventes:

Não passarão!!!!

Alberto Nasiasene

Jaguariúna, 27 de setembro de 2015
Matéria publicada em 17 de setembro de 2015 pelo rotamogiana.com

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