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quarta-feira, 20 de junho de 2018

A última grande batalha dos índios pareci contra o homem branco


No início do mês de junho de 2018, uma equipe de fiscais do Ibama, a agência ambientalista do governo brasileiro, invadiu um conjunto de terras indígenas na região noroeste do estado de Mato Grosso. Os ambientalistas do governo federal multaram cinco associações indígenas, aplicaram quase R$ 130 milhões em multas e embargaram mais de 16 mil hectares nas terras indígenas Pareci, Rio Formoso, Tirecatinga, Utiariti, Manoki e Uirapuru.

Além de multar os índios e embargar as terras indígenas, agentes do Ibama ainda ameaçaram as grandes empresas que comercializam soja na região, como Bunge, ADM e Cargill. "As companhias podem ser multadas porque não é permitido comprar soja cultivada em terra indígena", disse um agente do Ibama à Agência Reuters sobre o caso.

Há vinte anos, os índios pareci compunham uma etnia como muitas outras. Receberam terras demarcadas pelo governo brasileiro, mas padeciam na miséria com índices elevados de mortalidade infantil, desnutrição e outras mazelas decorrentes da pobreza e da falta de assistência governamental.

Nos anos 80, os pareci amealhavam alguma renda vendendo espanadores feitos com penas de ema, um pássaro comum no cerrado. Mas o comércio de espanadores foi proibido como forma de proteger as emas. Talvez tenha sido a primeira refrega entre o movimento ambientalista e a fonte de renda dos índios pareci.

Com a chegada da agricultura na região onde viviam os indígenas no final dos anos 80, muitos pareci deixavam as reservas na época da safra em busca de trabalho nas fazendas. “A Funai nos deu a terra, garantiu a demarcação, mas nós não tínhamos condição de sobreviver lá dentro. Nos debandamos para as fazendas trabalhar de mão de obra barata”, disse o pareci Arnaldo Zunizakae em audiência pública na Câmara dos Deputados. Aprenderam o ofício.

“Quando saí de lá, meu ex patrão me doou uma plantadeira velha e me emprestou um trator. O combustível eu conseguia com a prefeitura de Sapezal”, diz Zunizakae, um dos muitos pareci que aprenderam a plantar trabalhando nas fazendas da região.

Em 1997, Zunizakae plantou 45 hectares de arroz dentro das terras entregues pelo governo à sua etnia. Na safra seguinte foram 60 hectares. No terceiro ano, em 1999, quando a área de lavoura chegou a 90 hectares, o arroz já dividia espaço com a soja. Em 2000, a soja já era a cultura principal dos 150 hectares plantados por Zunizakae.

Mas para continuar crescendo os índios, como qualquer outro agricultor, foram atrás de crédito. Não conseguiram.

Em setembro de 2003, os pareci sequestraram cinco funcionários da Funai, o órgão indigenista governamental, como forma de pressionar o governo a auxilia-los na obtenção de crédito agrícola. Em resposta, o governo editou uma portaria autorizando o gestor local da Funai a assinar documentos junto ao Banco do Brasil tentando obter financiamento por meio da penhora da safra.

Normalmente, os bancos exigem que o tomador de crédito para investimentos dê a terra como garantia. Em caso de não pagamento, o Banco pode ficar com a terra. Ocorre que as terras dos pareci, como qualquer outra terra indígena, não pertencem aos pareci. Por força da Constituição Federal de 1998, as terras indígenas pertencem à União apenas o usufruto delas é entregue aos índios.

Por essa razão os pareci não conseguem acessar o crédito agrícola como um agricultor comum. Em geral, a penhora da safra não serve como garantia de crédito tomado para investimento, como é o caso da aquisição de máquinas e implementos agrícolas.

Outro empecilho para o financiamento das safras dos índios é a restrição mencionada pelo ambientalista do Ibama. É ilegal comprar soja e produtos agrícolas produzidos em terras indígenas. A restrição foi criada para evitar que as terras indígenas sejam invadidas por não indígenas e utilizadas na agricultura. Nunca se pensou que os próprios índios resolvessem se tornar agricultores.

Os pareci não conseguem tomar crédito do governo porque não podem dar as terras como garantia e não podem vender sua produção às traders porque é ilegal.


Os indígenas então procuraram os produtores rurais da região e firmaram parcerias, ora arrendando parte das terras, ora trocando insumos no plantio por grãos na colheita, e passaram a vender sua produção no mercado local de ração. Prosperaram.

Parte da renda auferida com a agricultura é reinvestida na expansão da produção e parte é dividida entre todos os outros índios da etnia.

De acordo com dados da Funai, nos anos 60 os pareci eram apenas 360 pessoas. Em 2004, quando começaram as parecerias agrícolas entre os índios e os produtores rurais, nasceram 48 pareci e morreram três, sendo um deles menor de um ano. Em 2008, foram 55 nascimentos e quatro óbitos, nenhum de crianças. Hoje, existe mais de 1.600 índios pareci.

A desnutrição e a mortalidade infantil caiu a praticamente zero. A maioria dos índios pareci mora em casas de alvenaria, com energia elétrica e outras benesses da civilização não indígena. Quando necessário, os pareci usam o serviço privado de saúde escapando da precariedade do atendimento público.

A renda comunitária auferida com a venda da soja, do milho, do algodão e dos demais frutos da agricultura também é investida na proteção da cultura originária. Todos os pareci falam a língua indígena. As áreas agrícolas são escolhidas depois de ouvir os mais velhos descartando locais sagrados ou de coleta de materiais tradicionais e o produto das colheitas só é comercializado ou consumido depois de feitas as oferendas. Talvez os pareci sejam a etnia indígena brasileira menos ameaçada de todas, graças à renda obtida com a agricultura.

Veja e ouça o próprio líder pareci, Arnaldo Zunizakae, contando essa história:




Não pense você que as terras dos pareci foram destruídas e transformadas em fazendas de soja. A agricultura ocupa quase 16 mil hectares, pouco mais de 1% das terras indígenas pareci, que ocupam cerca de 1,3 milhões de hectares e continuam preservadas em 99%.

Mas nem tudo são flores. A prosperidade alcançada pelos pareci em decorrência da agricultura deu a eles uma certa independência das Organizações Não Governamentais que tutelam de forma dissimulada os índios no Brasil.

Desde os anos 70, muitas ONGs indigenistas passaram a usar os problemas dos índios brasileiros para acessar recursos internacionais. Quanto maiores são os problemas dos indígenas no Brasil e menor é a assistência dada a eles pelo governo, mais dinheiro essas organizações conseguem no exterior. Na direção contrária, quando grupos indígenas passam a não depender do serviço do governo nem das Organizações Não Governamentais, menos importantes elas se tornam. A atividade dos pareci passou a ameaçar o modus operandi das ONGs indigenistas e algumas delas atuam também na área ambiental.

A agricultura indígena também ameaça os dogmas do movimento ambientalista. E se outros índios resolverem desmatar parte de suas terras para auferir renda?

O problema criado pelos pareci aos movimentos indigenista e ambientalista se tornou ainda mais grave quando outras etnias passaram a seguir o mesmo caminho buscando algum nível de independência financeira. Grupos manoki, irantxe e nhambikwara começaram plantar grãos em parte de suas terras com orientação e apoio dos pareci. Alguns usam áreas já abertas em sus terras, mas outros começaram a pleitear o desmatamento de florestas para o plantio.

A reação não tardaria.


Em 2012, o Ministério Público Federal obrigou a Funai e os pareci a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) se comprometendo a acabar com a participação de agricultores não indígenas na agricultura feita pelos índios. O TAC previa o encerramento das relações de pareceria de forma gradual, uma vez que o encerramento abrupto aniquilaria a principal fonte de renda dos índios.

Sem condições legais para conseguir financiamento e sem poder vender seus produtos diretamente às traders, como disse o fiscal do Ibama à Agência Reuters, o fim das parecerias com os agricultores não indígenas inviabiliza completamente a agricultura pareci.

O acordo de 2012, que era válido por um ano, foi prorrogado por mais três e depois por mais dois. Os pareci teriam até setembro de 2018 para encerrar os contratos de parceria com os não indígenas, mas até lá estão amparados pelo TAC. Antes disso os ambientalistas do Ibama resolveram entrar no jogo.

A ação do Ibama no início de junho, ainda com o TAC em vigência, provavelmente destruirá a agricultura e a prosperidade pareci.

Por incrível que pareça, os homens brancos que ameaçam dos pareci hoje não são mais os fazendeiros. Esses se tornaram parceiros dos índios. Assim como na época em que os pareci foram proibidos de vender espanadores feitos com penas de ema, quem os ameaça hoje é o Ibama e a patrulha indigenista e ambientalista.

Este blogger torce profundamente para que os índios pareci encontrem uma saída perante inimigos tão poderosos. Mas, pelo que eu conheço dos movimentos ambientalista e indigenista, o mais provável é que a prosperidade os índios pareci seja aniquilada e que eles voltem a ser mais uma etnia marginalizada e condenada, vivendo no mato e dependente do assistencialismo das ONGs.

Com informações do Ibama, da organização Rios Vivos, vídeo e imagem da Agência Câmara e fotos de Lidiane Ribeiro e Vinícios Mendonça do Ibama

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