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domingo, 17 de junho de 2018

Como me rendi à seleção em 70, apesar de Médici, e agora torço para o Neymar. Por Clayton Netz

Carlos Alberto Torres ergue a taça em 70
POR CLAYTON NETZ
Na Copa do Mundo de 1970, disputada no México, dizia a música tema da Seleção Brasileira, éramos 90 milhões em ação, formando uma corrente pra frente, parecendo que todo o Brasil deu a mão.
Ufanista, o hino de autoria do compositor Miguel Gustavo, que pretendia unir o país, então na fase mais repressiva da ditadura militar, em torno da então seleção canarinho, foi repetido à exaustão pelo rádio e pela televisão.
O general Garrastazu Médici, presidente de plantão, um fanático pelo chamado esporte bretão, chegara a se transformar quase que um dos torcedores-símbolos do time de Pelé, Tostão, Gerson, Carlos Alberto e companhia (e que companhia), comandado pelo velho lobo Zagallo.
No entanto, ao contrário do que afirmava a letra, não éramos exatamente 90 milhões de brasucas torcendo pelo sucesso da seleção.
Embora minoritária, havia uma legião de pessoas que não   compartilhava a euforia gerada pela máquina de propaganda da AERP, a Assessoria Especial de Relações Públicas do governo, chefiada pelo general Otavio Costa, e se negava a cantar o salve a seleção e muito menos o pra frente, Brasil da letra do hino oficial.
O raciocínio era simples: uma eventual conquista do tricampeonato seria explorada pelo regime, insaciável em busca do apoio da população e implicaria num fortalecimento inevitável da ditadura, que começava a surfar nos primeiros resultados do chamado “milagre econômico brasileiro”.
Cursando a faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, eu estava entre os que optaram por não  torcer, vibrar com a campanha avassaladora e até a assistir os jogos do Brasil.
Me lembro até de um episódio um tanto cômico, logo após a vitória contra o Uruguai, por três a um, na semifinal, o que garantia o direito a disputar a final com a Itália.
Caminhando pelo centro de Porto Alegre, carrancudo e com cara de poucos amigos, fui surpreendido por um torcedor que comemorava a vingança contra os uruguaios, 20 anos após a derrota em pleno Maracanã, na decisão da Copa de 1950.
“Não está contente, comunista?”, gritou a plenos pulmões o avô gaúcho do Kim Kataguiri. Só não me mandou para Cuba porque esse mantra direitista ainda não estava na moda.
Consegui manter a postura militante, sem concessões e coerente até o confronto final, com a Squadra Azzura no domingo, 21 de junho, no estádio Azteca, na Cidade do México.
Dessa vez, minha turma de amigos resolveu encarar de frente o adversário (a seleção das feras recrutadas pelo técnico João Saldanha, um notório militante comunista, que depois de classificá-la nas eliminatórias foi defenestrado por Médici e substituído por Zagallo).
Ou seja, resolvemos assistir o jogo, que pela  primeira vez era transmitido em cores pela televisão brasileira.
Entre uma cerveja e outra, torcíamos desesperadamente pela Itália, lamentado as oportunidades perdidas por eles. Até que, aos 18 minutos do primeiro tempo, Pelé marcou de cabeça o primeiro gol para o Brasil.
Num passe de mágica, lá se foram nossas convicções, as elucubrações políticas e os compromissos ideológicos. Abraços e gritos de “Brasil, Brasil” ecoaram pela sala do apartamento em que estávamos reunidos, do meu colega de faculdade Renato Ilgenfritz da Silvia, já falecido, que posteriormente foi presidente do Conselho Nacional de Economia.
Não houve o perigo de uma recaída nem mesmo quando o atacante italiano Boninsegna, ainda no primeiro tempo, fez o gol de empate.
Ao contrário: no segundo tempo, foi só alegria e comemoração, à medida que Gerson, Jairzinho e Carlos Alberto iam construindo o placar final de 4 a1 para o Brasil. Sem pena, sem dor, sem lágrimas e sem preocupação com a possível capitalização do tri por Médici e seu governo.
Terminada a partida, fomos todos festejar o título na avenida Independência, então uma das mais elegantes da capital do Rio Grande do Sul. Aos vivas à seleção se somaram espontaneamente  gritos de “abaixo a ditadura”, entoados às vistas dos soldados da Brigada Militar, que tinham recebido a orientação do governo estadual para não reprimir as manifestações, numa apoteose que varou a madrugada, até as primeiras horas da segunda feira.
Passados 48 anos e 121 milhões de habitantes depois, o dilema enfrentado pela geração que combatia a ditadura está de volta, ressuscitado pelo golpe que apeou a presidente Dilma Rousseff da presidência da República, dividindo o campo progressista.
Uma vitória da seleção de Tite pode ou não fortalecer o usurpador Michel Temer? Vestir ou não a camisa amarela da CBF, símbolo dos coxinhas que se mobilizaram contra o governo legitimamente eleito de Dilma?
Como costumava dizer o jornalista esportivo Juarez Soares, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Peguemos um exemplo recente, o pentacampeonato conquistado na Copa de 2002, realizada simultaneamente no Japão e na Coreia do Sul, no último ano de governo de Fernando Henrique Cardoso.
Tal feito não impediu que FHC tivesse saído com a popularidade em baixa, sem conseguir eleger seu sucessor.
No sentido oposto, mesmo com o fiasco  na Copa de 2006, na África do Sul, o presidente Lula  chegou ao último mês de seus oito anos de governo, com um índice recorde de popularidade e aprovação de 87%, segundo o Ibope. E fez sua sucessora, a praticamente desconhecida Dilma.
Ou seja, alguém aí acredita que se Neymar e seus companheiros trouxerem o sexto caneco, a aprovação de Temer vá sair da margem de erro em que patina?
Da mesma forma, o abandono e execração da camisa amarela é um equívoco, assim como seria um equívoco repudiar a bandeira nacional, amplamente utilizada nas manifestações da massa do atraso.
Caso isso ocorresse, seria deixar que símbolos tão caros aos brasileiros fossem indevidamente apropriados pela direita ignara, pelos bolsominions, MBLs e  Vem pra Rua da vida.  Ao contrário, é preciso resgatar esses símbolos.
Paixão nacional, praticado por gente de todas as classes sociais, raça, posição política  e religião, o futebol é uma arte, um ativo inestimável do povo brasileiro.
Uma vitória na Rússia será seguramente um alento para a elevação da autoestima da população e um momento de reafirmação da excelência de nossos jogadores na prática do esporte mais popular do mundo. 
Nesse campo, provavelmente só tenhamos concorrência entre os argentinos, fanáticos pelo futebol. Como se sabe, a Argentina, então sob uma ditadura sanguinária que deixou um rastro de 30 mil mortos e desaparecidos, sediou e conquistou a Copa do Mundo de 1978.
A partida final contra a Holanda foi disputada no Monumental de Nuñez, o estádio do River Plate, um dos clubes mais importantes do país.
Há 1,9 quilômetro de distância do estádio estava localizada a Escola de Mecânica da Armada, a tristemente conhecida Esma, o mais sanguinário  centro de tortura e morte operado pela marinha argentina- ali, pelo menos cinco mil detidos foram eliminados fisicamente. Dali, os gritos dos torcedores no Monumental podiam ser facilmente ouvidos pelos prisioneiros.
Segundo relata o livro “A Ditadura Militar 1976/1983- do Golpe  de Estado à Restauração Democrática”, de Marcos Novaro e Vicente Palermo, nesse dia os torturadores instalaram um aparelho de televisão para que um grupo deles pudessem assistir a partida.
No fim do jogo, vencido por 3 a 1 pelos companheiros de Fillol, Passarella e Ardilles,  uma cena inimaginável: torturadores e torturados confraternizaram-se aos abraços  pela vitória de sua seleção, ainda de acordo com os autores, dez prisioneiros foram levados pelos algozes para um restaurante, onde comeram uma parrillada ( o churrasco argentino), em meio a cantos e vivas.
Cinco anos depois, o regime que parecia imbatível, foi miseravelmente escorraçado na esteira da fragorosa derrota para a Inglaterra na Guerra das Malvinas.
Ou seja, vai Neymar, vai Gabriel de Jesus.

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