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terça-feira, 31 de julho de 2018

Educação na ditadura, página infeliz da nossa história


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, nº 4.024, de 1961), a primeira lei geral sobre o tema, permitiu a descentralização da educação da esfera federal para a estadual, com a institucionalização dos sistemas de educação e recriação dos Conselhos de Educação com funções normativas. Instituiu o salário-educação e a pós-graduação.
Por Carlos Pompe*, na Contee
Elevou de 10% para 12% a obrigação mínima dos recursos federais para o ensino, mantendo em 20% a obrigação dos governos estaduais. Anísio Teixeira cuidou da elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE), responsabilizando a União pela assistência aos Estado e municípios.
Os debates de políticos e educadores na elaboração da LDB, segundo Demerval Saviani (História das ideias pedagógicas no Brasil), uniram três grupos distintos em defesa da educação pública: os “liberais-idealistas”, capitaneados pelo jornal O Estado de S. Paulo; os “liberais-pragmatistas”, da Escola Nova; e a “tendência socialista”, liderada por Florestan Fernandes.
Assaltando o poder, em 1964, os golpistas civis e militares interromperam o processo democrático em desenvolvimento. Perseguiram os educadores e os estudantes que consideravam subversivos e contrários ao seu reacionarismo. Darcy Ribeiro, ministro da Educação e Cultura (1962 e 1963, Governo João Goulart) e chefe da Casa Civil (de 1963 até o golpe), teve seus direitos políticos cassados logo no primeiro Ato Institucional (AI-1) da ditadura. Exilou-se no Uruguai. Em 1968, retornou ao Rio de Janeiro e foi preso por “infringir a Lei de Segurança Nacional”, passando nove meses no cárcere. Solto em 1969, exilou-se na Venezuela e no Chile, onde assessorou o governo do socialista Salvador Allende.
Anísio Teixeira, que participou da criação e era reitor da Universidade de Brasília (UnB), em 1965 foi destituído do cargo e a UnB sofreu intervenção. Também cassado pelo AI-1, em março de 1971 foi encontrado morto no fosso de um elevador, em circunstâncias nunca esclarecidas.
A ditadura interrompeu também o Programa Nacional de Alfabetização (1964), coordenado por Paulo Freire, que adotava um trabalho pedagógico com “palavras geradoras”, extraídas da linguagem cotidiana dos grupos locais. Freire ficou encarcerado por 70 dias e depois se exilou na Bolívia, Chile, Estados Unidos e Suíça, retornando ao Brasil somente em 1979.
As entidades de representação dos alunos, inclusive União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), foram forçadas à clandestinidade ou extintas; vários de seus dirigentes foram perseguidos, presos, torturados e mortos, assim como muitos professores que defendiam a volta da democracia. Em 1º de abril de 1964, no próprio dia do golpe, a sede da UNE, na Praia do Flamengo, foi incendiada por grupos de extrema direita. Todas as entidades de representação estudantil ficaram submetidas ao regulamento do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
A Constituição outorgada em 1967 desobrigou a União e os estados de investir um mínimo na educação. A partir da lei 5.540/68, o MEC realizou acordos públicos com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, sigla em inglês) para a reforma do ensino. Antes dessa lei, os Acordos MEC-USAID foram negociados e assinados secretamente, em 23 de junho de 1965. As primeiras informações oficiais sobre o seu teor só foram reveladas em novembro de 1966, e de forma fragmentária e imprecisa. Os oposicionistas os chamavam de “Acordos Usaide e Abusaide”, devido ao seu conteúdo autoritário, submisso à geopolítica estadunidense e distante das discussões travadas por educadores e estudantes no país.
O ensino privado foi contemplado pelos golpistas: “Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior”, previa o artigo 168. Em 1969, a Emenda Constitucional nº 1 dispôs em seu artigo 176: “Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive mediante bolsas de estudos”.
A ditadura mudou o modelo que dividia o ensino em pré-primário (maternal e jardim de infância), primário (quatro anos, com opção de mais dois nos de artes aplicadas), e médio (ginasial, de quatro anos; e colegial, com mínimo de 3 anos).
Os militares no poder e os empresários que os apoiavam também decretaram uma Reforma Universitária (Lei 5.440/68) e impuseram o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). A Reforma Universitária extinguiu a cátedra, introduziu o regime de tempo integral e dedicação exclusiva aos professores, consolidou a estrutura departamental, dividiu o curso de graduação em duas partes, ciclo básico e ciclo profissional, criou o sistema de créditos por disciplinas, instituiu a periodicidade semestral. As entidades privadas foram reconhecidas como entidades assistidas pelo poder público e foram suprimidas definitivamente as verbas orçamentárias vinculadas.
O decreto-lei n.º 1.124, de 1970, criou o Mobral, permitindo “deduções no imposto de renda de pessoas jurídicas para fins de alfabetização”. O Brasil tinha mais de 18 milhões de adultos analfabetos (33,6% da população com mais de 15 anos). Em seu primeiro ano de funcionamento teve 7 milhões de alunos matriculados, ou 38% dos analfabetos do País na época. Durou 15 anos. Diplomou 15 milhões dos 40 milhões de estudantes que o cursaram, diminuindo em apenas 2,7% o índice de analfabetismo no país.
O Decreto Lei 477, de 26 de fevereiro de 1969, determinou, em seu artigo 1º: “Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralisação de atividade escolar ou participe nesse movimento”. Valendo-se desse decreto, foram retirados mais de mil estudantes das universidades e demitidos cerca de 200 professores das instituições de ensino, de acordo com levantamento feito pela UNE.
A vinculação de recursos, retirada das Constituições de 1967 e de 1969, retornou com a Emenda Constitucional nº 24, de dezembro de 1983. A legislação ditatorial direcionou para os Estados a educação de grau médio, pública e particular, chamada de segundo grau. O sistema federal manteve o controle de uma parcela da educação superior, mantida pela União ou fiscalizada pelo MEC (instituições de ensino superior particulares) e das instituições de educação superior estaduais que não obtiveram autonomia.
Sindicatos sob intervenção, movimento estudantil na clandestinidade, partidos políticos e organizações populares e democráticas proibidos, meios de comunicação e editoras de livros censurados, Congresso sob tutela e com alguns senadores nomeados, oposicionistas perseguidos, presos, torturados mortos… Assim o poder ditatorial se manteve de 1º de abril de 1964 a 15 de março de 1985. A resistência do movimento popular, com expressiva participação de sindicalistas e estudantes, reconquistou a democracia. Foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, democraticamente eleita, em 1º de fevereiro de 1987. Nela, além dos constituintes, as organizações da sociedade foram ouvidas a respeito de vários temas, inclusive educação.
*Carlos Pompe é jornalista da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)

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