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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Como uma pesquisadora foi parar no tribunal para provar que o Holocausto aconteceu

Deborah Lipstadt posa ao lado do ator Andrew Scott na estreia do filme 'Denial', baseado em livro de sua autoria - Joel Ryan / Associated Press


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Negar a história e, especialmente o nazismo, não é exclusividade de certos grupos no Brasil, como no caso do vídeo da embaixada alemã no Brasil. Já teve até quem foi processado e instado a provar que o holocausto, de fato, existiu - caso da historiadora americana Deborah Lipstadt.


Em 1993, ela publicou nos EUA o livro "Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory" (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória). Na obra, Deborah tratou de trabalhos que defendiam à época, entre outras coisas, que o massacre contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial, conhecido como Holocausto, nunca acontecera. Em não mais do que uma página, ela abordou como um escritor britânico chamado David Irving, interpretava de modo equivocado documentos para produzir seu argumento central, de que as câmaras de gás nunca funcionaram para exterminar judeus.


Depois que o livro foi publicado na Inglaterra, Irving a processou por difamação e, em um tribunal britânico, era Deborah quem precisava provar que o que escrevera era verdade. Lá, não existe a figura da presunção da inocência. Se não respondesse ao processo, ele teria ganho o caso à revelia. Assim, ao longo de seis anos, Deborah enfrentou um processo, vencido apenas em 2001. No ano passado, a história do julgamento foi transformada no filme “Negação”, com a vencedora do oscar Rachel Weisz no papel de protagonista, justo quando explodem em diferentes lugares movimentos que negam fatos históricos, beneficiados pelo fenômeno das fake news nas redes sociais.


Para ela, o que Irving e os outros negacionistas mostravam era, na verdade, preconceito contra os judeus. “Em seu centro, o negacionismo é mais que uma forma de anti-semitismo”, observa Deborah, em uma análise em retrospectiva à ÉPOCA. A historiadora, que leciona na Universidade de Emory, também traça paralelos entre o que ocorreu em seu processo de difamação e as chamadas fake news.

Segundo ela, o uso das notícias falsas em eleições e processos políticos demonstra a mesma intenção de negar fatos que atrapalham determinados setores. “Se uma verdade é inconveniente, então nós a negamos”, explica. A historiadora aponta recentes situações na Hungria, Polônia, EUA para apontar sua preocupação.

Na Hungria, a eleição do primeiro-ministro Viktor Orban, do partido de direita Fidesz (União Cívica Húngara), ocorreu em abril acalorada por um clima xenófobo e anti-imigração. O pleito, inclusive, sofreu influência da veiculação de notícias falsas pela TV estatal MTVA. Uma reportagem do The Guardian ouviu jornalistas da emissora que contaram como a cobertura foi orientada sobre histórias negativas em relação a refugiados e migrantes, ligando-os ao crime e ao terrorismo. Na véspera da eleição, chegou a ser divulgado que um atropelamento em Münster, na Alemanha, era um ataque terrorista islâmico - o que foi negado pelo próprio governo alemão.

Já na Polônia, o governo do partido ultraconservador e nacionalista Lei e Justiça (PIS) promulgou uma lei que criminaliza quem associar o país ao holocausto ou falar expressões como “campos de extermínio poloneses”. Quem desafiar a legislação pode pegar até três anos de prisão. A norma é criticada por diferentes setores na Europa, nos EUA e em Israel porque viola a liberdade de expressão e pode interferir na própria produção histórica, que reconhece a participação de setores da sociedade polonesa nos crimes contra os judeus.

“Olhe para o que está acontecendo com o primeiro-ministro Viktor Orban na Hungria, para o novo governo na Polônia e para os EUA de Donald Trump. Não gosta do que está sendo noticiado? Chame isso de fake news”, critica Deborah.

Para a historiadora americana, essas negações da história devem ser enfrentadas em suas fontes. Essa foi a estratégia, inclusive, de sua defesa criminal no processo. Segundo ela, seus advogados discutiram inicialmente a possibilidade de apresentar ao juiz todas as provas do Holocausto, mas a defesa avaliou que isso colocaria a existência do Holocausto em julgamento “Isso permitiria que David Irving colocasse suas mentiras e distorções de fatos perante o juiz, dando peso igual à verdade e mentiras”, explica ela.

A opção então foi de verificar as suas fontes de informação. “Nós seguimos as notas de rodapé dele, ou seja, suas fontes. Assim, demonstramos para o juiz que toda vez que ele fazia algum tipo de alegação era baseado em uma distorção do que estava no documento, uma mentira, uma citação parcial, etc. Em outras palavras, não provamos o que aconteceu, o holocausto. Nós provamos que o que David Irving dizia não aconteceu”, aponta.

No Brasil, em meio às manifestações que pedem a “volta da ditadura”, aqui e ali ecoam falas que negam também fatos históricos, como a própria existência do golpe militar de 1964. No ano passado, o cantor sertanejo Zezé di Camargo chegou a dizer que “muita gente confunde militarismo com ditadura. Nós não vivíamos numa ditadura, vivíamos num militarismo vigiado”.

Na opinião da cientista política Maria Celina D`Araújo, estão usando a expressão “fake news” como “um modismo para falar que tudo é boato”. Ela pontua que há um dilema entre historiadores, sociólogos e filósofos sobre o conceito: “o que é a verdade?” Mas para Maria Celina, não se pode relativizar tudo. “Chega um momento que não se pode negociar a verdade. Houve perseguidos e mortos. Outro dado consistente é porque essa ditadura aconteceu: havia o medo de outro projeto, a gente tinha nos anos 1950/1960 dois projetos políticos competindo, a União Soviética e os EUA”, afirma.

Ela lembra que o golpe militar não só rompeu com a institucionalidade, como mudou o calendário eleitoral, a constituição. “O que pode ser fake news nisso?”, questiona. Para Maria Celina, essa permissividade em relação aos princípios da vida em sociedade é perigosa. “Se a gente ficar relativizando tudo, a gente vai aceitar que em nome dos valores da religião islâmica lá no interior da Nigéria seja legítimo que uma mulher sofra circuncisão”, conclui.


Fonte: epoca.globo.com

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