A força das ideias gera a história, movimenta os povos, muda sistemas. Nas artes, inúmeros artistas não ignoraram o que aconteceu em seu próprio tempo, criando obras que foram testemunhos históricos e ao mesmo tempo marcos estéticos de suas épocas. No Brasil dos tempos da ditadura militar, um artista se destacou: Antonio Henrique Amaral.
Por Mazé Leite*
- “Sem saída”, xilogravura, Antonio Amaral, 1967
Antonio Henrique Abreu Amaral nasceu em São Paulo, capital, em 1935 e faleceu em 2015. Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo, mas seguiu a carreira artística. Sua formação se inicia em 1952 na Escola do Masp (Museu de Arte de São Paulo). Ele foi também aluno de gravura do artista Lívio Abramo que, em 1956, ensinava essa técnica do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM.
Em 1958, Antonio Amaral viajou para Chile e Argentina, realizando diversas exposições. Nessas viagens, conheceu o poeta Pablo Neruda. No ano seguinte, além de expor em Washington, EUA, participou de oficinas com artistas norte-americanos em Nova York. Retorna ao Brasil em 1960 e passa uma temporada no Rio de Janeiro, onde entra em contato com Candido Portinari, Djanira e Oswaldo Goeldi, este também gravador.
Voltou para São Paulo em 1961, onde passou a trabalhar como redator publicitário, mas sem abandonar sua atividade artística.
Com o golpe militar de 1964, Antonio Henrique Amaral incorporou a seu trabalho uma temática mais incisiva, com críticas claras à falta de liberdade e à censura. Em 1967 lançou o livro de xilogravuras intitulado “O meu e o seu”, com apresentação do poeta Ferreira Gullar. Nesse álbum, ele sintetiza a questão do autoritarismo político dos militares no poder. Neste ano, inicia seu trabalho com a pintura.
Em 1968, veio o AI5, radicalizando ainda mais a perseguição dos militares a artistas e intelectuais e a todos os opositores do regime. Começou a trabalhar numa série de pinturas intitulada “Bananas”, onde está muito clara a sua denúncia política contra a ditadura. Era uma referência também às ideias do Tropicalismo, mas também ao tema da antropofagia defendido pelos modernistas de 1922, como Oswald e Mário de Andrade.
Em 1971 ganhou um prêmio no Salão de Arte Moderna do RJ, com uma viagem ao exterior. Foi novamente para Nova York e voltou ao Brasil em 1974. Nesses anos fora do Brasil, Antonio exibiu suas obras em exposições em diversos países.
Sua série das “Bananas” mostra claramente sua crítica ao que estava acontecendo em nosso país. Um desses trabalhos apresenta uma banana cortada e envolta por um garfo, ambos amarrados por um grosso barbante. Como uma metáfora do regime militar, o artista expõe bananas apodrecidas, espetadas por garfos pesados, que parecem denunciar a tortura cruel aos presos políticos.
A metáfora das bananas sempre foi usada em diversos momentos da nossa história, desde a pintura “Tropical” de Anita Malfatti (1889-1964), passando pela “A Negra” de Tarsila do Amaral (1886-1973), e até “Bananal” de Lasar Segall (1891-1957). Na década de 1930 o compositor Braguinha explicitou na letra da música “Yes nós temos bananas”, de forma gaiata, a exploração das riquezas do Brasil por parte dos estrangeiros. Na década de 1940 Carmen Miranda balançava suas curvas nos Estados Unidos, criando a imagem caricata da latino-americana com seu chapéu excêntrico carregado de bananas e outras frutas. Ou seja, Antonio Henrique voltava à mesma metáfora para mostrar que o país da banana e do carnaval sofria com a ditadura militar.
Uma de suas pinturas mais explícitas é “A morte no sábado – homenagem a Vladimir Herzog”, na qual o artista denuncia o assassinato do jornalista da TV Cultura nos porões da ditadura dos generais brasileiros.
*Mazé Leite é artista plástica, bacharel em Letras-USP, membro do Ateliê Contraponto de Arte Figurativa.
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