Lá em 2004, Ivan Lins e Simone se encontraram em um estúdio e fizeram, sem grandes pretensões, o Baiana da Gema, disco dela apenas com composições dele. “Naquele momento, a gente se empolgou e combinamos de sair em turnê com o CD no ano seguinte”, lembra Lins. Mas esqueceram de contar aos respectivos empresários. “Nenhum dos dois tinham datas que coincidiam em 2005, nem em 2006, nem em 2007… E o plano ficou esquecido”, afirma.
A retomada se deu este ano quando a produtora Time for Fun sugeriu o encontro, baseado em outros projetos similares como Marisa Monte com Paulinho da Viola, Gil, Gal e Nando Reis, e mais recentemente, Maria Bethânia e Zeca Pagodinho. Simone e Lins estiveram juntos em março e, neste sábado (15), retornam ao palco do Credicard Hall. “O que me chama atenção é que ela, com quase 70 aos, está cantando como nunca”, diz. O show tem a direção de Zélia Duncan e conta com faixas cantadas pela primeira vez por Simone, como Ao Nossos Filhos, eternizada na voz de Elis Regina. No papo a seguir, Lins contou do espetáculo, novos trabalhos e receios com o novo governo.
O senhor faz shows sempre com parcerias. O que difere a Simone?
Ivan Lins: O que me chama mais atenção é que ela, com 70 anos, está cantando como nunca. Meu Deus! Essa mulher canta maravilhosamente. Quando estamos no palco, o show é inteiro nós dois. Ela canta duas músicas sozinha. Todas as outras, a gente canta junto. Existe uma cumplicidade entre a gente. O show emociona muita gente, mas emociona a nós também.
Como foi pensado o repertório?
IL: É quase um revival desses quarenta anos de carreira dos dois. Ela foi a artista que mais me gravou e quem escolheu quase tudo foi ela com a ajuda da Zélia. Ela nunca teve coragem de cantar Aos Nossos Filhos, por causa da Elis Regina, e agora resolveu cantar. Esta maravilhosa. Ela é diva, assim como Elis, Fafá. Tem uma maneira muito particular de interpretar.
O senhor pareceu muito empolgado com esse reencontro. Pode ser que venha um trabalho inédito com vocês dois em um futuro próximo?
IL: A gente pensa muito nisso, pode vir acontecer. Talvez, por agora, gravar um DVD deste show. Mas não tem nada certo.
Muitos artistas do seu calibre têm se juntado com novos talentos para seus projetos. Isso é algo que o senhor tem na cabeça?
IL: Sou muito eclético e aberto a músicas novas. Não descarto nada. Mas tenho um limite. Tem coisas muito interessantes que os jovens estão fazendo e eu quero ver se consigo colocar isso dentro do meu conceito de composição. Estou em pré-produção de um disco, haverá tecnologia moderna. O que os mais novos estão fazendo é uma contribuição positiva. Tem muita sonoridade, elementos eletrônicos, que funcionam no acústico. Vou explorar isso, mas não em todas as canções.
O que são os limites?
IL: Eu tenho meu estilo, minha forma de compor e isso é muito enraizado em mim. Eu não posso fazer algo que não me emociona. E sonoridade é emoção. Eu faço música bonita e quero levar beleza para as pessoas. É difícil definir os limites.
O senhor acho que a produção musical atual é boa?
IL: A literatura musical nacional é muito boa e tem gente nova fazendo bons trabalhos, usando a linguagem deles. Têm vocabulário rico e a forma como estão escrevendo, transmitindo. São ideias deles e são boas. Agora, tem muita coisa ruim também. Mas isso faz sentido: quando a gente começou, lá nos anos 60 e 70, tínhamos vitrine e nosso trabalho era colocado em cheque. Em uma semana, a gente já sabia se a música pegou ou não. Eram muitas rádios de MPB, canais de TV na mídia aberta, os festivais. Era uma época muito efervescente e não nos apegávamos a um estilo: samba, bolero, xaxado, toada, balada. Todo mundo tinha que saber e tocar de tudo. E foi bom porque apresentamos o Brasil para os brasileiros. O brasileiro urbano teve acesso ao Brasil rural com produção de qualidade. Hoje não. O artista está compartimentado. Ele cria seu nicho, seus seguidores, joga no YouTube e fica só com aquela plateia que, independentemente do que jogar, vai ficar. Tem uma rádio de MPB em São Paulo. No Rio, estão todas fechando e cada vez menos tem espaço na TV.
A internet, então, é ruim para o artista?
IL: Para quem nasceu na internet, não. Quem produz hoje não sente o que eu sinto. Eu comparo a minha experiência de hoje com o que tínhamos antes. Eles se adaptaram e eu acho isso lindo. É uma forma de correr atrás do público. Eles são heróis. Fazem música, vão à luta com pouca coisa. A gente tinha toda a grandeza dos festivais. Com espaço pequeno, eles movimentam, vão para o Twitter, Instagram. São incríveis, tenho admiração, mas não entendo nada de internet e fico impressionado com a força que eles têm.
Quais artistas da nova geração o senhor conheceu e admira?
IL: Tem bastante. Tiago Iorc, 5 a Seco e Dani Black. Até um pouco mais anterior a eles, a Maria Gadú. Temos também cantoras muito boas, Verônica Ferriani, Bruna Moraes… Tem bastante gente. Eu que não consigo lembrar, minha cabeça já não está igual. Você vê? Estamos recheados de cantoras afinadas e é tudo tão difícil para elas. Elas não explodem como foram os anos 60 e 70. Acho que as últimas que conseguiram atingir a massa foram a Gadú, Cássia Eller, que infelizmente morreu e tinha uma força espetacular, Ana Carolina…
O senhor acredita que esse seja o resultado de falta de políticas culturais?
IL: Evidentemente. Se temos uma política cultural intensa, aberta, tem-se motivação de todo mundo que produz arte no Brasil. Todo mundo precisa ter o direito de exercer sua profissão e viver adequadamente. Mas a cultura é tratada pelos políticos como supérfluo. É estratégico: educação e cultura são fundamentais para a cidadania, para preparar um indivíduo para o que se vive hoje.
Como o senhor vê os próximos anos?
IL: Eu realmente estou preocupado. Estão muito conservadores. É uma política muito ligada ao capitalismo, materialismo, porque acha que gera emprego e emprego é carteira assinada. A arte produz emprego e não tem carteira assinada. Eu realmente estou preocupado com o que vem por aí. A cultura tem que ser livre, ela é ideologicamente aberta e esse governo é ideologicamente bem fechado. É uma posição adversa. Fizeram uma ameaça de o país se transformar em uma Venezuela, o que é impossível de acontecer. Não tem como um país tão multicultural, multirracial, diversificado, se transformar numa Venezuela. Não vejo com bons olhos. Acho que a classe artística brasileira precisa se unir em face ao que vem por aí. Não existe um Ministério da Cultura e quem vai cuidar da pasta é conservador até religiosamente. Não possui a visão de que a cultura é libertária.
Durante a Ditadura Militar, o senhor teve a censura na cola. Acha que é possível que isso ocorra hoje?
IL: É possível acontecer. Eu não descarto. A gente nunca vai conseguir medir o conservadorismo, cercear a cultura nacional. Acontece na Áustria, que é extrema direita, mas a contestação é livre. Na Holanda também. Não diria o mesmo na Hungria. É esperar para ver.
BRASIL CULTURA
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