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domingo, 28 de junho de 2020

A SAUDADE E A LUTA POLÍTICA

“Não sei por que você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus não pude dar” – Gostava Tanto de Você (música).

Por Mariah Morgado, Estudante de Ciências Sociais na UERJ.
Saudade. Eu aposto que você já sentiu! E aí, tô certa? Sim, eu sei, é uma pergunta retórica. Mas é bom se sentir parte da leitura, não é? E é justamente por isso que eu quero te convidar para embarcar em uma (breve) reflexão sobre esse sentimento que tanto nos preenche, e desencadeia em nós benefícios (e malefícios, a depender da situação). E não, esse não é um artigo científico, não vou despender tempo abordando neurociência para tentar dissertar sobre Saudade. O objetivo é refletir de maneira conjunta uma nova possibilidade de transformação de um sentimento tão potente como esse, em combustível de luta! Será que rola?
Primeiro vamos entender o significado dessa palavra, que usamos com bastante frequência. Segundo o dicionário, saudade é: – substantivo feminino, “Sentimento nostálgico causado pela ausência de algo, de alguém, de um lugar ou pela vontade de reviver experiências, situações ou momentos já passados”. Um pouco extenso, mas é o que contempla o imaginário social. Saudade é sempre nostalgia? Seu conceito está intimamente ligado com a falta de algo ou alguém – o que não significa que em todos os casos nós necessitamos do que nos causa esse sentimento. Seja associada à distância ou ao findar dela, manifesta-se o sentimento quando queremos reviver o que já vivenciamos outrora. Por trás dessa “falta”, comumente se misturam sensações de alegria, tristeza ou de perda (em casos de perda de um ente querido, por exemplo). Sua epistemologia gera controvérsias. Alguns pesquisadores, como Castro (1985), acreditam que sua origem venha do árabe “saudah” que tem como significado um padecimento empático, melancolia, depressão e dor no coração. Porém outros afirmam que a palavra saudade venha do latim “solidad” ou “solitate” que tem sentido de solidão (VASCONCELLOS, 1914). Percebe-se, contudo, que a origem desta palavra embarca diversos sentidos e múltiplas dimensões desse sentimento.
Sentimos saudade de pessoas, amores, comida, músicas, lugares… E como qualquer outro sentimento, a saudade pode ser algo benéfico ou não, dependendo do nível da sua intensidade. O apego excessivo ao passado pode gerar marcas em nossa vida, se consolidando no corpo com insônia, vício, angústia, tristeza, solidão… É necessário cuidar. Mas há beleza e toque romântico no “sentir saudade”, viu?! Percebemos a fluidez no caminhar da saudade na história, por exemplo. Das literaturas renascentistas às prosas e cantigas trovadorescas portuguesas. Da sua presença em poesias e canções cortesãs ao lirismo galego-português e provençais, sempre com seu demasiado ar romântico, principalmente no século XIX. Uma palavra presente, de modo frequente e relacional, no (riquíssimo e privilegiado) vocabulário português. É quase que impossível navegar em redes sociais, ou ler um livro moderno ou clássico, sem encontramos estórias saudosas, seja por versos, contos ou imagens, que no auge da intensificação de uma evocação da saudade, destaca de maneira suave, bela e até de certa forma poética, o desejo de realização de um encontro futuro. Isso demonstra que a saudade já integra nossos desejos mais profundos, nossa memória, nossas relações de afeto e respeito no âmbito social, e nós projetamos esse sentimento em nossa fala porque, no fundo, a saudade nos carrega a um encontro pessoal, numa experiência de figurar, internamente e quase que imperceptivelmente, nós mesmos em nós. É gostoso viajar na saudade, não é?

Uma pesquisa da Universidade de Southampton (https://doi.org/10.1037/emo0000136) mostrou que a saudade funciona como uma resposta imunológica psicológica, pois é um sentimento que surge quando passamos por dificuldades e funciona como um mecanismo de defesa. Por isso, ela pode ser importante para dar uma sensação de auto continuidade, ajudando a criar uma narrativa de sentido para a vida e uma conexão com o passado para compreender melhor o presente. Uái! Se a saudade também se manifesta nas adversidades, gera sensação de auto continuidade e seu sentido atribui a nós benefícios para a saúde, por que não reverberar isso para a nossa coletividade, dada a atual conjuntura política? A produção de narrativas para novos sentidos das nossas vidas é uma consequência positiva da manifestação da saudade em um momento de dificuldade, e, se nossa leitura conjuntural é de que enfrentamos um momento tenso, não só por estarmos lidando com uma pandemia generalizada, mas também por lidar com um governo de extrema-direita que encarna em si todas as ameaças às conquistas do movimento estudantil nos últimos anos, a saudade emerge como combustível para nossa luta política em frente ampla.

Em “A Saudade: Entre a Natureza Fenomênica e o Ontologismo Cultural”, Matheus Montenegro atribui à saudade a seguinte classificação: “Longe de tê-la apenas como um sentimento interno, subjetivo, da experiência vivida, a saudade é, antes de mais, um signo sociocultural e ideológico que perpassa no homem e o influencia a modos de ser e estar no mundo”. Essa é uma chave estratégica para entendermos a absoluta importância desse sentimento nas nossas disputas políticas! Montenegro coloca a saudade como um motor de influência para nós sermos quem nós somos (ou seja, identificação) e estarmos (ou seja, pertencimento) no mundo. E isso é valioso! Cotidianamente presenciamos, por parte do governo – desastroso – vigente, ataques à democracia, à liberdade de expressão, à pluralidade, culto à ignorância, ao negacionismo e a indiferença… E se não houver nada que nos (re)conecte com aquilo que nomeie, resinifique ou dê um novo sentido a nossa luta, o verbo (lutar) não passará de um complemento das orações subordinadas, além de apenas uma atividade, com sentido, mas exaustiva e repleta de questionamentos da essência da luta. Deste modo, existindo uma necessidade de conexão com aquilo que nos una em uma frente ampla (ou melhor, amplíssima), que jogue no intuito de dialogar com diferentes setores para expandir os 70%, e que objetive vencer Bolsonaro e toda a sua turma, a saudade pode assumir, portanto, um papel ativo e revolucionário na construção de uma base sólida de apoio à nossa tática política nesse “jogo” que, nesta presente rodada, atuamos enquanto oposição. Mas saudade do que?
Saudade do que a gente não viveu ainda! Invocarei, aqui, essa frase tão cheia de filosofia e romantismo, protagonizada por um filósofo moderno (que eu não vou citar o nome para suscitar curiosidade em vocês), e que se tornou um dos maiores memes ocupados nas redes sociais nesse último período. Sem retomar a ocasião de sua aplicação, mas apenas caracterizando-a como objeto de análise dessa nossa reflexão conjunta, quero me desdobrar, com delicadeza e paciência, sobre a profundidade que essa frase carrega em si. Geralmente, e eu imagino que era essa abordagem que você aguardava que eu fizesse no decorrer da nossa leitura, a gente analisa a saudade na política se atendo ao passado, ao que já foi fato histórico um dia. E é ótimo, é válido e faz total sentido. É por este resgate histórico, inclusive, que muitas pessoas se movimentam na luta e na construção política. Lembrar do movimento sufragista brasileiro é emocionante! Lembrar das incontáveis revoltas espalhadas pelo Brasil inteiro na luta pela abolição da escravidão é inspirador! Lembrar dos assassinatos, perseguições e torturas daquelas e daqueles que resistiram como oposição concreta à ditadura militar brasileira nos faz chorar, mas nos mobiliza. Olhar para a história do nosso país nos trás esse sentimento de impulso, força, determinação. Mas eu queria propor algo novo, e que tem relação direta e intrínseca com a frase que abriu esse parágrafo (daquele filósofo que contei para vocês).
Quero propor que possamos sentir saudade do que a gente não viveu ainda, enquanto Brasil! Que sintamos saudades de um país livre da opressão e desigualdade de gênero, que ainda não experimentamos. Que sintamos saudades de um Brasil livre do racismo cotidiano e institucionalizado, em que o povo negro não seja assassinado a cada 23 minutos, que ainda não experimentamos. Que sintamos saudades de um país em que pessoas trans tenham dignidade, não sejam marginalizadas, não sejam impedidas de ocupar o mercado de trabalho formal nem de acessar ao ensino superior, e que não tenham seus corpos hiperssexualizados pela pornografia consumida pelo (falso) cidadão de bem, que ainda não experimentamos. Que sintamos saudades de um Brasil em que os povos indígenas e quilombolas não tenham seus direitos a demarcação de terra ameaçados e que suas culturas sejam fielmente respeitadas, que ainda não experimentamos. Que sintamos saudades de um país em que as crianças não ocupem o cargo de trabalho infantil em massa e sejam livres para brincar e estudar, que ainda não experimentamos. Que sintamos saudades de um Brasil livre da miséria, da pobreza e da desigualdade econômica causada por esse capitalismo selvagem, que ainda não experimentamos. Que sintamos saudades de um Brasil emancipado, desenvolvido, soberano, socialista, e verdadeiramente brasileiro, com a cara do nosso povo, que é rico em cultura e plural na sua manifestação!
Que o sentimento de saudade em nós possa transitar para além do passado, que tenhamos essa liberdade de projetar saudade para o futuro, e de entender o quanto isso é precioso para alimentar o nosso combustível da luta política. Que nossa munição, para além dos livros, também seja a saudade de um Brasil que defendemos e todos os dias nos mobilizamos a construir. A saudade como instrumento de intensificação da nossa luta, como adjetivo complementar de sentido a nossas vidas, e principalmente: como ponte de união dos laços sociais que nos unem a um projeto de um Brasil brasileiro! O Brasil é nosso, somos nós. Que nos apropriemos desse sentimento de pertencimento a unidade, para que nossa luta se qualifique ainda mais na ação coletiva, e que levemos a saudade, esse sentimento revolucionário que nos é comum.
“A principal tarefa de uma existência é compreender a própria mente.” – Sigmund Freud.
Sigamos!
Fonte: UJS

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