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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

SOCIALISMO JURÍDICO OU DIREITO SOCIALISTA?: Breves apontamentos sobre a Teoria Geral do Direito e Marxismo de Evgeni Pachukanis

Por Luiz Henrique Debastiani, graduando em Direito pelo Universidade Comunitária da Região de Chapecó – Unochapecó e diretor de Comunicação e Propagando do Comitê Municipal do PCdoB Chapecó-SC

Pachukanis e o Direito Soviético

Evgeni Bronislavovitch Pachukanis (1891-1937), proeminente jurista soviético e membro do Partido Bolchevique, publicou sua obra de maior relevância em 1924, denominada ​Teoria Geral do Direito e Marxismo ​ , na qual ele desenvolve o que posteriormente foi chamada de “Teoria Jurídica da Trocas de Mercadorias”, construída sobre dois pilares do pensamento marxista: 1 – na organização da sociedade, o fator econômico é primordial; os princípios e instituições legais e morais, portanto, constituem um tipo de superestrutura que reflete a organização econômica da sociedade; e 2 – no estado finalmente alcançado do comunismo, a lei e o Estado desaparecerão. Se o comunismo for alcançado, a moralidade como é tipicamente entendida deixará de desempenhar qualquer função. A partir de 1930, com a ascensão de Stálin, o pensamento de Pachukanis passa a ser altamente conflitante com a linha política seguida pelo governo soviético. Pachukanis é então forçado a iniciar um longo processo de negação e de “autocrítica” de sua teoria. Não sendo o suficiente, Pachukanis é preso em 20 de janeiro e condenado em 4 de setembro de 1937. Declarado “inimigo do povo”, acaba “desaparecendo” no mesmo ano. A teoria jurídica soviética passa a ser dominada por Andrei Vichinsky, reprodutor da linha de Stalin de reforço do Estado no campo do direito. A obra de Pachukanis é então renegada e “proibida” até 1956, com a morte de Stalin, é, então, “reabilitada” e volta ser objeto de estudo entre os juristas soviéticos, mesmo que não fosse seguida pela linha majoritária de teóricos. A motivação de sua perseguição se dá uma vez que o problema da relação entre o direito e o socialismo é o cerne da teoria pachukaniana, em um período que Naves (2008) descreve como:

(…) marcado pelo esforço de reorganização legislativa e judiciária, visando banir a legislação burguesa hostil ao poder proletário, e destruir o aparelho judiciário do antigo regime. E no qual, na ausência de uma “teoria marxista do direito”, toda a atividade no campo jurídico era orientada pela “consciência jurídica revolucionária”. (p. 15)

Poderia-se dizer mesmo que é a partir disto, isto é, do modo como Pachukanis aborda esta questão e a resolve, que a sua análise da relação entre a forma jurídica e a forma mercantil se ilumina e ganha pleno significado teórico e político. De fato, se Pachukanis admitisse a possibilidade de um direito “socialista”, toda a sua construção teórica estaria comprometida. Se o socialismo implica a gradativa superação das formas mercantis, então um direito que se quisesse “operário”, seria tanto uma impossibilidade teórica como um objeto a ser combatido politicamente. Se o socialismo implica a gradativa reapropriação pelas massas das condições materiais da produção com a superação da separação entre os meios de produção e a classe operária, então, isso significa que o fundamento último da existência do direito é negado na fase de transição, e a persistência do direito só pode aparecer como um obstáculo ao socialismo, mesmo que o direito possa, durante certo tempo, cumprir um determinado papel “revolucionário”.

Estabelecer essa impossibilidade teórica e política, sustentar a existência desse antagonismo, exige pensá-lo como irremediavelmente preso às determinações do capital. E exige também pensar as consequências políticas que tal concepção acarreta: se é impossível sustentar um “programa” para o estabelecimento de um “direito socialista”, então, a tarefa passa a ser a de destruição das formas e dos aparelhos do direito. A posição de Pachukanis permite recolocar a questão de extinção do direito e do Estado, questão que ocupa um lugar central na concepção de Marx e no marxismo não-revisionista.

Para Naves (2008), são principalmente duas razões que exigem uma retomada reflexiva das teses de Pachukanis na atualidade: primeiro porque a concepção pachukaniana de direito se fundamenta no método desenvolvido por Marx em “O Capital”, o que torna possível a ela ultrapassar, recorrendo a bases metodológicas rigorosamente marxianas, as teorias vulgares que permanecem numa apreensão instrumental do direito, privilegiando seu conteúdo normativo, em detrimento da exigência metodológica de Marx, consistente em indicar razões pelas quais uma relação determinada se configura, em determinadas condições, na forma específica do direito.

Segundo, é sobretudo de ordem crítica: um retorno a Pachukanis contribui imensamente para a tarefa de refletir acerca das possibilidades de resistência às formas de dominação de classe levadas a efeito por meio de instituições jurídicas, em especial por intermédio de uma representação jurisdicista do Estado.

Desta forma, é importante reviver o debate bolchevique sobre direito e Estado, particularmente para a análise de formações sociais transitórias, tão importante para os estudos soviéticos tanto agora quanto na década de 1920. Também é necessário desenvolver uma teoria materialista histórica do direito nas sociedades capitalistas. No entanto, essa tarefa deve ser firmemente fundamentada na teoria marxista do Estado, um projeto iniciado por Marx, mas não desenvolvido de forma coerente desde sua morte. Ao elogiar uma contribuição para o desenvolvimento da compreensão marxista das formas legais e estatais das relações sociais capitalistas, existe o perigo de que os elementos essenciais da crítica de Marx à filosofia política e jurídica burguesa sejam perdidos. Não se deve esquecer que o próprio Marx fez uma contribuição muito real para uma filosofia materialista do direito e que a principal contribuição de Pachukanis, embora importante, foi expandir a noção de “fetichismo” de Marx para uma teoria do direito.

Destaca-se, neste artigo, duas áreas importantes da discussão sobre a leitura de Pachukanis. Em primeiro lugar, há a questão do seu debate com os contemporâneos da URSS, que aponta para problemas com a “teoria jurídica da troca de mercadorias” (como o trabalho de Pachukanis e P. I. Stutchka ficou conhecido). Em segundo lugar, a natureza precisa da extensão e os limites da sua Teoria do Estado precisam ser reconhecidos.

O debate Bolchevique sobre o direito

     Para entender corretamente a contribuição de Pachukanis ao trabalho marxista do direito, é necessário explorar o contexto de sua polêmica contra os contemporâneos bolcheviques e os teóricos do direito burguês. Uma exploração completa não é possível aqui, mas o mais importante desses debates pode ser considerado: o de Stutchka, que era visto como o “principal representante da ala moderada da escola da troca de mercadorias”, de cujo aspecto mais “radical” foi o trabalho de Pachukanis. Stutchka, nomeado Comissário da Justiça em 1918 e, por muitos anos depois, uma figura de destaque nos debates do direito, produziu seu principal texto teórico, “A Função Revolucionária do Direito do Estado Uma Doutrina Geral do Direito”, em 1921. O debate entre Pachukanis e Stutchka é enfatizado aqui em detrimento de outros contemporâneos, por exemplo, Dozenko e Krylenko, devido ao importante elo entre eles, que é a teorização explícita do direito como relações sociais.

Pachukanis (1988) especificamente parabenizou Stutchka em “​A Teoria Geral do Direito e Marxismo ​ ” por essa conceituação: “Do nosso ponto de vista, Stutchka estava perfeitamente correto ao colocar o problema do direito como um problema de relacionamento social” (p.39). Mas ele também percebeu uma dificuldade fundamental: como o Direito regula as relações sociais? Pachukanis (1988) disse ainda que a resposta se tornou, no trabalho de Stutchka, tautológica, isto é, as relações sociais se regulariam. A chave para esse problema seria perceber o Direito como “um relacionamento específico envolto em mistério”.

Ao analisar o Direito como uma forma de relação social especial, o problema foi resolvido para satisfação de Pachukanis. A questão do Direito que regula as relações sociais tornou-se, em vez disso, a questão da regulamentação das relações sociais em certas circunstâncias, assumindo um caráter jurídico. Para Stutchka, as relações jurídicas eram indistinguíveis das relações sociais em geral. Pachukanis contrapôs a ideia de direito como uma forma de relação social específica. Para determinar essa relação social específica, ele postulou um vínculo entre a forma jurídica e a forma da mercadoria.

A resposta para a pergunta “quais relações sociais são relações jurídicas?” Pachukanis deu como o “a relação de proprietários privados de mercadorias, as relações de troca da produção de mercadorias”. Ele havia afirmado que “a teoria marxista deve indubitavelmente não apenas investigar o conteúdo material da regulamentação legal durante épocas históricas definidas, mas fornecer à própria regulamentação legal – como uma forma histórica definida – uma interpretação materialista” (PACHUKANIS, 1999, p. 116), claramente se afastando de Stutchka e sua formulação problemática em sua subsequente teorização, mas sim, Pachukanis produziu uma teoria do direito nas sociedades produtoras de mercadorias, não especificamente nas burguesas, onde há produção generalizada de mercadorias.

Não foi apenas uma acomodação à pressão stalinista que de fato levou Pachukanis a negar o trotskismo com sua “negação” de que é possível construir o socialismo em um país, mas a genuína consciência dos problemas teóricos que o levaram, em uma autocrítica inicial a reconhecer que:

O defeito básico do meu primeiro trabalho foi que o problema da transição de uma concepção socioeconômica para outra – e particularmente a transição do feudalismo para o capitalismo (com o qual a transição de um sistema jurídico para outro também está associado) não estava resolvido de forma historicamente correcta […] meu trabalho precisa de uma correção importante, que deve consistir no reconhecimento de que outros sistemas existiam lado a lado com o sistema jurídico burguês (o mais desenvolvido) (PACHUKANIS, 1988, p. 259-260).

Desta forma, Pachukanis considerou que seu erro básico foi confundir os indícios específicos da forma jurídica burguesa com a lei em sua totalidade, um erro contra o qual Stutchka havia alertado. Da mesma forma, ele reproduziu o equívoco ao analisar as formas de Estado. Em 1930, Pachukanis (1988) teve que confessar que: “O Estado burguês, com sua forma especial de dominação política, é apenas uma das formas de Estado e, lado a lado com ele, outras formas existiram” (p. 265).

Seu trabalho anterior chegou por vezes perigosamente próximo à noção antropológica burguesa de que o direito primitivo, antigo e feudal eram realmente apenas o direito burguês em uma forma menos desenvolvida, com, é claro, no caso de Pachukanis a importante condição distintiva de que este se desvaneceria no comunismo. Também foi levantada no debate Pachukanis-Stutchka a questão do Direito em sua relação com o domínio de classe. Em outra autocrítica, Pachukanis (1988) admitiu uma “superestimação das relações de mercado” em sua teoria do direito e suas importantes consequências:

Foi um erro teórico grosseiro identificar a lei, que é um fenômeno histórico que atravessa diversos sistemas de classes, com o agregado dos aspectos da lei burguesa que fluem da troca de mercadorias igualmente valorizadas […] tal entendimento do direito remove a coerção de classe do primeiro plano dos eventos (p. 235).

Aqui, claramente, a pressão stalinista teve um impacto mais direto, pois a identificação anterior de Pachukanis do direito com as relações de troca de mercadorias o levou a negar a possibilidade de um “direito proletário”. A possibilidade dessa existência foi negada continuamente em seu trabalho. A autocrítica permaneceu insatisfatória; o que explica o seu “desaparecimento” em 1937.
No entanto, tudo isso pode obscurecer a genuína percepção de Pachukanis de que Stutchka tinha razão. Nos anos 1930 e 1932, Pachukanis admitiu que sua conceitualização particular das relações de troca e da forma jurídica fracassou em reconhecer o conteúdo de classe do direito. Em 1924, ele havia advertido contra a mera introdução de noções de luta de classes na discussão jurídica para uma teoria marxista do direito, enquanto ele mesmo negligenciava o problema da dominação de classe através do Direito. Mais tarde, ele escreveria que:

O direito na sociedade burguesa serve não apenas para manter o intercâmbio; simultaneamente e (de fato) predominantemente, apoia e consolida a distribuição desigual da propriedade, não se restringe à relação entre os proprietários de mercadorias que estão ligadas entre si pela troca e pelas relações contratuais como forma de troca. A propriedade burguesa também inclui, de forma disfarçada, as mesmas relações de dominação e subordinação que estavam no primeiro plano da lei feudal que a subordinação pessoal (PACHUKANIS, 1988, p. 235).

Seu fracasso anterior em se aperceber disso, levou, na opinião de Pachukanis, à separação de “conteúdo” de “forma” ou “forma” de “substância”, cujo exemplo mais claro ele considerou sua teorização do direito penal como sendo baseada em troca de equivalentes. O conteúdo do núcleo básico de cada sistema histórico de leis era, em 1932, tanto para Pachukanis quanto para Stutchka “a relação entre os proprietários da produção e os produtores imediatos” (1988, p. 267). Apesar disso, esta interpretação representa um problema sério, qual seja a identificação das relações jurídicas com as relações de produção, que deriva de uma leitura ultra-literal do Prefácio da edição de 1859 da “​Contribuição à Crítica da Economia Política ​ ”, no qual Marx (2008) escreveu:

Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. (p. 47).

Simplesmente aceitar que as relações jurídicas sempre se igualam ou refletem as relações de produção levanta a questão crucial, para o marxismo, da complexa relação entre, digamos, relações burguesas de produção e o direito burguês. Essa foi precisamente a pergunta a que Pachukanis, em seus primeiros escritos, se dirigiu. Tomar as relações de propriedade capitalistas como as relações fundamentais de produção na sociedade burguesa é interpretar mal Marx e entender mal o método de análise no Capital. Em 1932, Pachukanis e Stutchka compartilhavam essa visão confusa do “conteúdo” da forma jurídica burguesa, com Pachukanis defendendo uma “síntese” de seus respectivos pontos de vista.

Portanto, infere-se que uma análise do debate bolchevique sobre direito, revela a natureza suspeita de algumas das formulações nos primeiros trabalhos de Pachukanis. Argumentou-se que as questões teóricas levantadas em sua autocrítica precisam ser levadas a sério, não obstante, os escritos posteriores exibirem, em geral, uma capitulação para uma posição mais conservadora do que a de Stutchka, cuja autocrítica não precisava ser algo tão abrangente, justamente por este não ter partido de um pressuposto tão revolucionário, conforme exposto.
Contudo, resta claro que este debate gerado entre Pachukanis e Stutchka foi essencial para o desenvolvimento de uma “teoria marxista do direito”, sendo de grande contribuição para as discussões posteriores na construção de uma oposição ao direito burguês.

Direito, repressão e Estado

Os escritos de Pachukanis sobre direito, apesar da retórica sobre a necessidade de ver o Estado como a forma organizada de domínio de classe, acabaram por não operar dentro de uma teoria materialista-histórica coerente do Estado. Sua autocrítica de 1930 admitiu que, antes, ele havia colocado a análise do estado em segundo plano com uma abordagem “estreita” do direito.

No entanto, o texto de 1924 levantou a questão da relação e distinção entre domínio de classe e domínio de Estado: “por que o domínio de uma classe assume a forma de dominação oficial do Estado?”. Embora isso tenha sido confundido pela identificação de diversas formas possíveis de autoridade do Estado com o Estado burguês. Em 1930, ele havia reconhecido o erro em seu argumento anterior de que a necessidade de um Estado “desaparece no caso de uma classe ser vitoriosa”. Pachukanis (1988) reconheceu que:

A vitória dos exploradores significou aumentar o domínio e a pressão – e é precisamente para isso que um Estado é necessário. Somente a tomada do poder do Estado pelo proletariado revela a perspectiva de abolir as classes e o Estado (p.264).

O aspecto “repressivo” das formas jurídicas e estatais foi enfatizado nessa autocrítica específica, mas geralmente representava um balanço da versão bruta do direito de Stutchka e do Estado como “ferramentas de repressão”, oposição construtiva à qual foi o ímpeto para os trabalhos de 1924. Assim, a autocrítica revelou uma noção do estado como simplesmente “uma força especial para esmagar e oprimir a classe explorada” em qualquer modo de produção.
A promessa, então, de usar as categorias de Marx descritas no Capital para desenvolver uma crítica da filosofia jurídica burguesa e, portanto, das formas jurídicas burguesas, um projeto sugerido pela ​Teoria do Direito e do Marxismo ​ , nunca foi plenamente realizada na obra de Pachukanis. O fracasso em teorizar a natureza repressiva do direito burguês e do estado burguês foi um erro importante e mais claramente demonstrado pelo que mais tarde ele chamou de “formulação mecanicista” do problema do direito penal:

No capítulo do meu livro dedicado ao direito penal, talvez houvesse a expressão mais clara do divórcio entre forma e conteúdo, pelo motivo de que aqui há a forte antítese entre a repressão, por um lado, como forma de salvaguardar a classe e o direito penal, por outro, como forma de relação entre sujeitos economicamente isolados (subordinação ao princípio da equivalência) (PACHUKANIS, 1988, p.267).

Sua teorização inicial do direito penal era certamente bizarra, tendo mais relação com a filosofia jurídica antiga do que com o marxismo – mas mais uma vez, a autocrítica não resolveu os problemas. Pachukanis (1988) finalmente argumentou que o direito penal na sociedade burguesa é “repressivo”, na medida em que preserva as relações de propriedade burguesa:

O direito penal é um ramo auxiliar do direito. Sua função é manter, reforçar e salvaguardar as relações fundamentais que consistem nas relações entre as pessoas que possuem os meios de produção e os produtores imediatos (p.267).

Aqui, novamente, o erro foi ver as relações de propriedade como as relações fundamentais da produção. O caráter repressivo do direito penal burguês se mostrou particularmente elusivo para a teoria marxista e sua prática política. A questão é mais complexa do que o Direito simplesmente garantir relações de propriedade privada.

A natureza “repressiva” do direito penal burguês deve, em vez disso, ser buscada no processo de produção social, na produção e reprodução de relações sociais capitalistas pelas quais essas relações (legais) de propriedade são estabelecidas. A questão crucial é como o direito preserva, historicamente, um processo pelo qual capitalistas e trabalhadores se encontram na troca como proprietários, do capital, por um lado, e da força de trabalho, por outro.

No entanto, o trabalho de Pachukanis, que não explorou tais problemas, e que foi submetido aqui a uma crítica, permanece valioso para a teoria materialista histórica do direito. Ele ergueu sinais para futuras análises marxistas das relações jurídicas sem se submeter ao estrangulamento da metáfora da base/superestrutura e, apesar da imensa pressão, resistiu até o fim à posição reacionária de argumentar por um “direito proletário”. Assim, como na destruição do aparato estatal burguês, Pachukanis (1988) viu que o “desvanecimento” do direito burguês envolve seu desaparecimento como “um poder separado e contraposto às massas”.

Em síntese, pode-se observar que a genialidade de Pachukanis consiste na complexidade de sua leitura de Marx para fundar a crítica do direito sobre a base do materialismo, principalmente por sua retomada de um texto marxiano chave deveras esquecido em seu teu tempo: a ​Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1850.

Partindo desta base fundamental, foi possível estabelecer um comentário consistente sobre a crítica pachukaniana da democracia burguesa, sua abrangência e limites, percebendo a sua atualidade no desenvolvimento de suas teses no interior do marxismo. Procurou-se demonstrar a relação que Pachukanis estabelece entre o direito e o socialismo, com toda a sua complexidade, contudo, conservando o princípio teórico de Marx e Engels na defesa da extinção do direito.

Ao fim e ao cabo, abordou-se momentos cruciais da autocrítica pachukaniana, ressaltando a sua resistência em abandonar suas teses originais, em detrimento da pressão dos postulados teóricos do stalinismo, constatando que as vacilações teóricas de Pachukanis não invalidam o seu esforço de pensar a questão do direito a partir das categorias fundadas por Marx, sendo aí que reside a relevância de sua contribuição teórica.

Referências

MARX, Karl. ​Contribuição à Crítica da Economia Política​. São Paulo: 2.ed. Expressão Popular, 2008.
NAVES, Márcio Bilharinho. ​Marxismo e Direito: ​Um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo, 2008.
PACHUKANIS, Evgeni. ​Teoria Geral do Direito e Marxismo​. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988

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