Às vésperas das eleições municipais, decidi explicar o que é pesquisa aplicada
e a diferença entre pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa. Fiz um manual
para pesquisadores quando coordenei o instituto de pesquisas da PUC Minas, o
Lúmen. Vou me fiar por ele para montar este texto.
Rudá Ricci, cientista político e presidente do
Instituto Cultiva
Método de pesquisa significa a adoção
de procedimentos sistemáticos. O método quantitativo é aquele em que se procura
identificar um padrão de comportamento ou opinião, assim como o desvio em
relação a este padrão, através da coleta de informações e do tratamento
estatístico.
Assim, podemos descrever quantas
crianças, entre 7 e 11 anos de idade, estão nas escolas do sul de Minas Gerais
e cruzar este dado com outra variável: sexo ou município de residência. Outra
vantagem nesses métodos é a possibilidade de montagem de séries históricas. A
resposta majoritária é considerada o padrão de comportamento ou opinião. Veja:
estatística indica busca de padrão. Sem estatística, a busca é outra.
Como apresentam dados estatísticos, os
mesmos questionários podem ser reaplicados com certa frequência de maneira a
estabelecer comparações das alterações de um fenômeno ou comportamento ao longo
do tempo. O fundamental é estabelecer as variáveis básicas a serem exploradas.
Os estudos mais frequentes é o comparativo causal. É o caso de comparação de causas de comportamento de um grupo social. Estabelece-se uma série de variáveis a serem analisadas em um grupo social e define-se uma correlação com um grupo social de controle (que não apresenta as mesmas características daquele considerado central da pesquisa).
O instrumento
mais comum para coleta de dados quantitativos é o questionário. O questionário
descreve e mede as características de um grupo social. Os questionários podem
conter perguntas fechadas, quando o entrevistado possui alternativas fixas,
previamente estabelecidas.
No questionário
fechado, as alternativas devem prever todas as possibilidades de resposta. Mas,
pode incluir uma alternativa aberta, caso a resposta para codificar
posteriormente (pós-codificação). Isso ocorre quando não se tem clareza das
possíveis respostas.
Nos questionários
com perguntas abertas o entrevistado responde com frases. Não se propõem em
apresentar alternativas prévias. Normalmente, são empregadas em combinação às
perguntas fechadas. O problema é sua codificação (agrupamento de respostas não
previstas).
Os métodos quantitativos possuem limitações. As pesquisas quantitativas não incorporam as crenças e rituais sociais em sua dimensão subjetiva. Nem sempre um grupo social define determinado comportamento em virtude de escolhas racionais fixas.
Antes de passar
para as pesquisas qualitativas, vale a pena lembrar que toda pesquisa
quantitativa precisa ser checada. Entre 10% a 20% das pesquisas realizadas
recebem nova visita de um técnico checador que avalia se houve realmente
pesquisa e se foi feita corretamente.
Essa é uma das
críticas às pesquisas feitas em fluxo (não domiciliar) em que se anota o
celular do respondente. É quase impossível ter certeza se o número do celular é
correto. Como checar? Os institutos que adotam este método aumentam a amostra
(como faz o Datafolha).
Os métodos
qualitativos são aqueles que não lançam mão de instrumental estatístico. São
empregados quando existe um nível de complexidade na relação de variáveis ou
uma determinada problemática relaciona-se com variáveis subjetivas.
Que fique claro: não se generaliza o resultado de pesquisa qualitativa como se faz com a quantitativa (porque, nesta, há um padrão estatístico definido). Ressalto este que está sendo um erro comum de análise: entrevista em profundidade com três pessoas não define padrão.
Charge de Bacellar
Recentemente,
tivemos uma polêmica sobre grupos focais com três a seis bolsonaristas ou
ex-bolsonaristas. Grupo focal é uma técnica qualitativa em que alguns
convidados são incitados a discorrer sobre um ou mais assuntos. Não se pode
generalizar que três a seis pessoas falem por todos.
Então, para que
serve uma pesquisa qualitativa? Para entender a pluralidade de valores e
motivações que interferem numa resposta. Pluralidade. Nada de padrão. Mostrar
como os humanos são complexos. Weber tentou definir motivações padronizadas de
ação coletiva.
Mas, como Weber
chegou a tal sistematização? Tentando compreender certos padrões de
comportamento que se repetem ao longo da história. Ao longo da história, não
depois de um grupo focal realizado. Essa pressa está desorientando o não
pesquisador social a entender o mundo.
Os métodos mais
empregados nas qualitativas são: entrevistas não estruturadas, entrevista não
diretiva, entrevista guiada, grupo focal. A entrevista não estruturada ou
entrevista em profundidade busca saber o que o entrevistado considera mais
relevante. Se organiza por roteiros.
Roteiros não são questões fechadas. São temas organizados que orientam um rumo das questões levantadas pelo entrevistador. Contudo, se o pesquisado antecipa alguma questão ou muda o rumo, o entrevistado o segue.
Normalmente, uma
entrevista em profundidade se desdobra em vários encontros com o pesquisado.
Ela se parece com um bordado cuidadoso. Não induz, não antecipa resposta,
respeita o enredo do pesquisado porque se quer entender o que ele valoriza, o
que o motiva.
O grupo focal ou
grupo de discussão é outro método muito utilizado e extremamente delicado.
Trata-se da seleção de um determinado grupo de pessoas, normalmente ao redor de
dez, que mantenham uma identidade em relação a uma variável destacada para
análise de um problema.
O objetivo principal do grupo focal é buscar uma construção do sentido comum para o grupo sobre um determinado tema, a partir do qual aqueles sujeitos constroem sentido a um conjunto de experiências. O grupo desenvolverá uma construção cooperativa sobre um tema.
No grupo focal
haverá um moderador que estimulará, a partir de um roteiro, o debate entre os
convidados. O moderador poderá utilizar alguns mecanismos interativos que a
psicanálise lança mão. Trata-se de uma situação social.
Há muito debate técnico sobre pesquisa social aplicada. Nem entrei nas questões relacionadas à relação sujeito/pesquisador X objeto/pesquisado e pesquisa participante. Mas, espero que fique claro que não se trata de algo simples. Merece atenção do leitor.
Termino fazendo
um comentário de uma insistência das mais equivocadas feitas por leigos em
pesquisa e que, de tempos em tempos, postam suas impressões subjetivas nas
redes sociais como certezas absolutas.
Vejo cada vez
mais recorrentemente pessoas dizendo que conversou com tantas pessoas nas ruas,
ou que as opiniões no seu local de trabalho ou na família convergem de tal
maneira que lhe dá certeza de que o mundo todo pensa daquela maneira. Não sei
se percebem que nesta situação se comete um erro cruzado, tanto em relação à
pesquisa quantitativa, quanto qualitativa. Se fosse uma mera escuta, com muita
generosidade se poderia imaginar que esta coleta de opiniões se aproximasse de
uma técnica de pesquisa qualitativa. Contudo, como já destaquei, pesquisa
qualitativa não se presta à generalizações ou indicação de padrões. Portanto,
não se pode ouvir a própria família numa conversa solta na cozinha e já sair
anunciando o fim do mundo. Como pesquisa quantitativa, ouvir aleatoriamente
pessoas nas ruas ou em casa não segue um plano amostral que equaliza o perfil
dos entrevistados por sexo, idade, renda e outras variáveis que equilibram a
cesta de respondentes.
Assim, ouvir um
ou outro, mesmo que sejam 100 pessoas, não lhe dá o direito de generalizar como
se fosse um pesquisador profissional. Dá para dizer que foi um esforço amador
de escuta. Nada além disso.
Como no futebol,
brasileiro gosta de opinar sobre pesquisa e adora uma aposta. Faz parte do
esporte nacional. Não deixa de ser engraçado. Mas, não passa disso: uma graça.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas
Livres.
Fonte: Jornalistas Livres
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