Eu comecei a fotografar durante a efervescência do Movimento Estudantil em 1968 e logo fui convidada a estagiar no jornal Última Hora, na sucursal de São Paulo. Eu estava com 20 anos e cursava a faculdade de Sociologia.
A cobertura da matéria pautada era ir até Osasco, em Quitaúna, fotografar o treinamento de tiro ao alvo das caixas do Bradesco para defenderem as agências bancárias de assaltos.
Eu cheguei ao quartel e percorri com os olhos todas as cenas. Havia um grupo de executivos vestindo terno e gravata, mais vários militares fardados ostentando muitas estrelas. O grupo de garotas com outros fardados sem estrelas. As garotas empunhavam armas mirando num alvo com dois ou três treinadores.
Comecei a fotografar sem entender o porquê daquele monte de gente. Lá pelas tantas me deu vontade de atirar e pedi para o capitão e ele me passou a arma, que era de calibre baixo.
Eu reconheci porque morei muitos anos em fazenda e junto com o meu irmão praticávamos tiro ao alvo com espingarda de chumbo. Assim, eu segurei firme a arma, mirei concentrada e acertei o alvo.
Depois voltei a fotografar e fui para o grupo de homens olhar quem teria de importante. Lamarca logo apareceu por lá e e se reuniu com o grupo.
Ele era de um um dos melhores atiradores e campeão brasileiro nessa modalidade, o que logo soube pelos comentários do grupo. Era uma pessoa respeitada por todos os seus superiores, por isso foi convidado para dar esse treinamento.
O evento continuou e em seguida aconteceria um plantio de árvores pelos convidados. Foi então que o Lamarca se aproximou de mim e pediu que eu plantasse uma árvore, em nome da imprensa, para o Exército Brasileiro. Eu recusei imediatamente, agradeci e me afastei, mas ele voltou a me procurar e insistiu. A essas alturas eu já estava com medo de ser presa se recusasse e plantei a árvore.
Quando eu cheguei de volta em casa contei a história para um grupinho de amigos que sempre se reunia para discutir as estratégias do Movimento Estudantil em torno de uma mesa de mármore. Era na casa da minha tia, onde eu morava.
Todos me deram a maior bronca por eu ter plantado a tal árvore. Isso foi em dezembro de 1968 e o AI5 foi decretado dias após o treinamento.
Um mês depois o capitão Carlos Lamarca desertou do exército e fugiu com um caminhão lotado de fuzis para iniciar a guerrilha contra a ditadura. Ele tinha 32 anos anos quando fez isso.
Claro que a minha turma de revolucionários estudantis me pediu para repetir cada palavra que o nosso herói falou comigo. E o Exército Brasileiro a que ele se referiu era o da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR.
Desde 1969 as as fotografias que eu fiz naquele dia vêm sendo publicadas na imprensa, livros, enciclopédia etc sem o meu crédito, que se perdeu lá atrás quando a Última Hora foi vendida. Tudo isso foi contado só para amigos e amigas e eu nunca assumi publicamente, mesmo com o ressentimento de ter uma fotografia histórica não reconhecida.
Agora, foi o grupo Fotógrafos pela Democracia que me motivou e cobrou essa declaração pública. Eu demorei para juntar as peças dessa História. Primeiro fui ao arquivo oficial do Estado de São Paulo, onde encontrei algumas ampliações e publicações do Última Hora.
Depois fui no arquivo da Folha, onde estão algumas poucas tiras dos dois filmes TRI X e o restante foi levado para outros jornais, porque ainda não havia controle e organização. Eu fui pesquisar isso só depois que me aposentei da Editora Abril, porque era um trabalho demorado e antes eu não tinha tempo.
Tem mais outro detalhe: naquela época as fotografias publicadas não levavam crédito, por isso eu estou assumindo publicamente que a autoria dessas fotografias do capitão Carlos Lamarca, um grande herói brasileiro, que lutou contra a ditadura militar assassina, são que minha autoria: Bia Zaccarelli Parreiras.
Naquela época, eu era Beatriz Zaccarelli.
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