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terça-feira, 25 de janeiro de 2022
Comida caipira: histórias e receitas do tempo do fogão a lenha
Falou em “caipira” para um paulistano ou paranaense e já vem à mente o fogão a lenha, a broa de milho e o lombo de porco. A culinária tradicional do interior de São Paulo ou Paraná, baseada em ingredientes como milho, feijão, couve, carne de porco e de galinha, está presente até no dia a dia de quem nunca sai da capital do estado.
“Pratos como cuscuz e virado à paulista são coisas que você encontra no cardápio de qualquer boteco”, conta Nicolas Ferreira Rodrigues, professor de Gastronomia no Senac Aclimação, em São Paulo. “Dificilmente você encontra alguém que não come”.
E seja no formato original -no fogão a lenha- ou em versão adaptada nos restaurantes, o fato é que a comida caipira rende mais do que um dedo de prosa acompanhada de café e bolo de fubá…
Afinal, é paulista ou mineira?
Virado de feijão com linguiça, lombo de porco… Quando se trata de comida caipira, os dois estados dividem a autoria dos pratos mais clássicos da culinária caipira. “Em termos de comida, temos a mesma base de formação”, conta a chef Ana Luiza Trajano, do restaurante Brasil a Gosto. “A culinária nasce paulista e se transforma em mineira”.
“Os tropeiros são os principais responsáveis pela dúvida sobre o que é de origem paulista e o que é de origem mineira, já que saíam com os ingredientes e seguiam para os garimpos de Minas. À medida em que iam parando, acabavam influenciando a região. Afinal, uma hora todo mundo precisa parar para comer”, conta Nicolau. “E a comida, afinal, não tem fronteiras geográficas!”
Quem manda é o fogão
Uma coisa é preciso ser dita: os pratos mais típicos da culinária caipira demandam tempo para serem feitos. Isso é reflexo dos equipamentos da época – panelas de barro ou de ferro, cocção com muito líquido no fogo a lenha. Isso resulta em sabor mais concentrado e rico em temperos. “Era algo com o qual você não precisava se preocupar: você poderia deixar por várias horas cozinhando”, explica Nicolas. “Tutu de feijão,cuscuz e canjiquinha são todas receitas relativamente fáceis e que podem ser incrementadas a gosto”.
Na estrada, valia a arte do improviso: cozinhava-se em fogos de chão e até em tucuruvas – cupinzeiros abandonados que eram escavados e transformados em fornos para a preparação da comida. Dos índios, herdou-se a arte de moquear – ou assar – carnes e peixes. E, dos europeus, o uso da gordura de porco para fritar e também conservar os alimentos.
Porco em tudo
“No interior, quem não tinha um porquinho no quintal?”, comenta Nicolau, que é originário de Ribeirão Preto (a 290 quilômetros de São Paulo). O animal se tornou um dos produtos mais marcantes da culinária caipira pela facilidade no manejo. “Dificilmente você erra no cozimento e mesmo com outros ingredientes, você consegue manter o sabor”, diz o professor.
Natural de Franca (a 344 quilômetros de São Paulo), Ana Luiza Trajano se lembra de quando porcos eram abatidos para preparo de linguiça e de carne na lata, conservada em banha para durar mais e ter mais sabor. A chef ganha até hoje de uma tia-avó um suprimento de linguiças caseiras, feitas na fazenda. “Ela mata dois porcos e temos linguiça para o ano inteiro, para comer assada – uma delícia!”, conta.
Sua majestade, o milho
Na forma de canjiquinha, fubá, polenta, angu ou farinha, o milho é onipresente no menu. “Ao contrário do Norte e Nordeste, onde há uma predominância da mandioca, em São Paulo a base da alimentação indígena era o milho”, explica Ana Luiza Trajano. O ingrediente permeia todo o menu e não se escapa nem na hora da sobremesa: o doce mais marcante da roça, afinal, é o conhecidíssimo bolo de fubá.
Adaptando
Muitos pratos da culinária caipira ganhavam outra roupagem ou ingredientes extras à medida que chegavam na capital. Um exemplo é o cuscuz paulista. “A receita clássica é com galinha. A versão com frutos do mar é bem paulistana, por conta da proximidade com Santos”, explica Ana Luiza Trajano. Outra diferença são os cortes de porco: enquanto na capital usa-se muito a bisteca (por influência italiana), “à medida que você vai subindo pelo interior, você nota mais o uso de leitoa a pururuca e lombo”, diz a chef.
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