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segunda-feira, 11 de abril de 2022

Patrícia Porto: “A literatura tem um papel social dos mais relevantes, faz girar os saberes”.

Auto definida como "uma mulher de origem periférica, nordestina e latina. Fui operária de chão de fábrica, bancária, alfabetizadora popular, professora de jovens e adultos, militante do PCdoB, sindicalista. Neta, mãe e filha de mulher. Sou uma poeta livre. E esta é a minha melhor biografia", Patrícia Porto vem se destacando no cenário literário em diversos gêneros. Maranhense que mora em Niterói (RJ) é professora universitária e mestra e doutora em Políticas Públicas e Educação. Lançou livros elogiados como “Cabeça de Antígona” (Editora Reformatório, 2017), “Casa de bonecas para elefantes” (Editora Patuá, 2019 e segunda edição pela Penalux), “A memória é um peixe fora d´água” (Editora Penalux, 2019) e está lançando o livro de poesias “O ano do cão”, também pela Penalux. Nesta entrevista, ela falou sobre sua produção, machismo no mercado editorial, gênero e papel social da literatura. Confira:

Segundo uma autodescrição, você se identifica como "uma mulher de origem periférica, nordestina e latina. Fui operária de chão de fábrica, bancária, alfabetizadora popular, professora de jovens e adultos, militante do PCdoB, sindicalista. Sou neta, mãe e filha de mulher. Sou uma poeta livre. E esta é a minha melhor biografia". Como você se vê atualmente como pessoa e como poeta e escritora, sendo resultado de ser tantas mulheres em uma só?
 
Então deixa eu citar Elza Soares como grande referência artística e poética de Força e sensibilidade. O fato é que de onde eu venho as grandes inspirações sempre foram as mulheres negras e pobres. Delas e das mulheres fortes e nordestinas da minha família eu tirei um tanto da minha visão de mundo, depois veio a cultura do trabalho e ela é definidora. O processo de alienação e desumanização permanente nos faz refém de sugestões capitalistas insustentáveis. Então o partido foi minha casa de acolhimento para as lutas que eu não poderia travar sozinha. As mulheres desses lugares me constituem. Elas estão em mim e eu nelas, tentando aqui resumir essa longa jornada. 
 
Você se prepara para lançar "O ano do cão", livro de poesia pela Editora Penalux. Qual o conceito do livro e como foi o processo de escrever as poesias que o compõem?
 
Foi o pior processo e eu não recomendo a ninguém. (risos) “O ano do cão” é o resultado de uma sobrevivência dentro de um conceito de luta e luto. Não acredito que até hoje, 2022, as mulheres tenham que passar por sacrifícios. Eu não acredito no sacrifício como potência, que é algo da religião e do Estado religioso. Vamos voltar então para o Concilio de Trento, algo assim. Mas o livro é o fruto da sobrevivência e do sacrifício, do “sacro ofício”. As poesias falam desses atravessamentos, desses desalinhos, mas também da minha situação política e poética - ética e estética - de ser poeta do meu tempo caduco. Por isso mesmo eu convidei minhas referências, minha trindade, para abrir os ciclos da minha divina comédia: Pasolini ,(cinema) Camus (literatura) e Safo (filosofia). E Safo aqui é a filósofa. Claro que estou dialogando com Dante (risos). É muita ousadia para uma mulher de origem periférica. Eu sei disso. E enfrento.      
 
O que difere seu novo livro de seu outro livro de poesia, o elogiado "Casa de boneca para elefantes"?
 
Vamos pensar como uma trilogia: Cabeça de Antígona – Casa de boneca para elefantes – O ano do cão. Os três têm a mesma substância: uma tríade, as três cabeças, as três bruxas de Shakespeare. É o Cérbero. É uma simbologia e   ao mesmo tempo é uma ironia. Eu sou muito irônica no sofrimento. Até porque o sofrimento da mulher também é uma construção social e histórica. Mulher boa é mulher que sofre. A diferença significativa para “O ano do cão” é ser o fechamento de um ciclo (olha os ciclos aí de novo). O livro acaba sendo mais livre de expectativas. Mas ainda assim continua sendo parte de um período literário que se encerra aqui. 
 
Você já publicou um livro de contos, "A memória é um peixe fora d'água". Seu processo de escrever prosa é o mesmo da poesia? E se sente mais a vontade em qual gênero literário?
 
É evidente que eu me sinto mais confortável na prosa. Muito mais confortável é escrever em prosa (pra mim). O que eu quero fazer daqui pra frente é prosa, bebendo na poesia. A beberagem da poesia é bacante, desviante. Não posso perder. Ao mesmo tempo hoje me sinto mais inteira para me dedicar ao tempo da prosa, ao tempo de uma narrativa longa. Meus poemas são narrativos. Não são prosa. Eu sei a diferença. E a poesia vai ser sempre esse amor, esse encantamento, esse fim sem fim nenhum.
 
Como avalia o mercado editorial atualmente em relação a mulheres que escrevem? Percebe machismo nesse processo?
 
O machismo é predominante no mercado editorial porque é estrutura, esqueleto de uma construção bélica de pensamento, de um determinado tempo da razão, tempo de violência e da barbárie. Não o masculino. Não vamos confundir. Há mulheres com poder no mercado editorial. E não é uma questão prioritariamente de gênero. É principalmente uma questão de raça, classe e gênero. A Literatura espelha isso quando aqueles que determinam o que é a Literatura são sempre os mesmos: homens brancos, mulheres brancas e de classes sociais privilegiadas. O absurdo é que eles é que “permitem” qual de nós vai entrar, qual mulher da base vai entrar no círculo. Então continuamos na mesma, com mudanças marginais. Marginais mesmo. E eles nos confundem quando nos premiam como exceção. Nós somos a maioria. E estamos acordando sempre. 
 
Afinal de contas. de maneira geral homens leem livros publicados por mulheres?  
 
Leem sim quando interessa. O nosso problema é o interesse. É criar o interesse. E essa criação passa pela minha sardinha (risos). Isso se faz com políticas públicas efetivas, com a educação pelo gosto. O gosto é aprendido e apreendido. Claro, precisamos dar visibilidade à escrita da mulher. Quem vai fazer isso? Parece a polêmica de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha...  E nós temos que nos unir como sociedade civil para que todos leiam de todos. É o desafio.
 
Qual a importância das redes sociais para a divulgação do tfanalho de quem escreve e publica? Por outro lado, acha que ela pode tirar o tempo de quem produz literatura?
 
Eu tenho uma relação bem esquisita com redes sociais. (risos) Mas não vou entrar no que eu penso sobre elas. Vou focar aqui na sua pergunta sobre o significado delas para o nosso trabalho. Bem... Acho que essas redes num primeiro momento podem ser essa plataforma de alguma visibilidade. E realmente acredito que elas tenham a importância que nós conferimos a elas. E sendo isso um sintoma da nossa sociedade, quem consegue um manejo de performance midiática interessante consegue ter os seus quinze minutos de fama ou 1 minuto ou 15 segundos. O mais é trabalho! Lembrando que vc sempre pode ser cancelado como nos piores filmes de terror – com muita gente boa e do bem querendo ver sangue. É saber usar (ser usado) e sair. 
 
Acredita que a literatura tem um papel social? Dentro da mesma pergunta, como a literatura pode contribuir para questões que envolvem direitos humanos e mesmo democracia?
 
Pergunta importantíssima! Necessária. A Literatura tem um papel social dos mais relevantes, lembrando Barthes e “Aula”, aquele livrinho revolucionário no desvelamento dos saberes. Ela realmente “faz girar os saberes”. Nela tudo foi pensado, produzido, imaginado, escrito como a maior história humana. E por isso mesmo ela é tão negligenciada como artetrabalho e como lugar definitivo de mudança. Não à toa que em qualquer Estado de violência, qualquer governo fascista, o que acontece? Queimam livros! Queimam mulheres! Queimam autores!  E aí trazendo novamente pra minha sardinha (que é puro Eros), a solução passa por nós, passa pelas periferias, pelas favelas, pelas comunidades ribeirinhas, pelos assentamentos de terra, pelas terras quilombolas, pelo povo oprimido, pelos intelectuais orgânicos. Ler é um ato democrático e muito perigoso. Salve Paulo Freire!  É urgente que tomemos esse poder para o povo. Só assim poderemos falar em direitos humanos e democracia. No contexto da barbárie e do genocídio, os monstros falam.  

Fonte: POTIGUAR CULTURA

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