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quinta-feira, 26 de maio de 2022

Bolsonaro veta título de ‘heroína da Pátria’ para Nise da Silveira

Bolsonaro realça a própria mediocridade

O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei que inscreve o nome da psiquiatra Nise da Silveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O veto à proposta foi publicado na edição do Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (25), e poderá ser mantido ou rejeitado pelo Congresso.

A matéria (PL 6.566/2019), de autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi aprovada pelo Plenário do Senado em 24 de abril, com parecer favorável da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). Mas a Presidência da República argumentou que, após ouvir a Casa Civil, decidiu vetar a proposta, por representar “contrariedade ao interesse público”.

Para Bolsonaro, não é possível avaliar, nos moldes da Lei 11.597, de 2007 (que traz os critérios para a inscrição de nomes no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria), “a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da nação, a despeito de sua contribuição para a área da terapia ocupacional”.

Ainda na justificativa do presidente, deve-se priorizar o reconhecimento a personalidades da história do país em âmbito nacional, “desde que a homenagem não seja inspirada por ideais dissonantes das projeções do Estado democrático.”

A homenageada é pioneira da terapia ocupacional e mudou os rumos dos tratamentos psiquiátricos no Brasil, até então conduzidos em geral por meio de isolamento em hospícios. Ela também ganhou projeção internacional, tendo seu trabalho reconhecido por outros psiquiatras mundo afora, como o suíço Carl Gustav Jung.

— A doutora Nise foi uma extraordinária psiquiatra, que implantou tratamentos humanizados para transtornos mentais e criou um novo momento em relação a esses tratamentos na nossa sociedade brasileira. Estar no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é, sobretudo, um reconhecimento ao trabalho que essa mulher fez para o Brasil — disse Eliziane durante a votação do projeto.

O livro está depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília, e destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros e brasileiras ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida ao país, para sua defesa e construção, com “excepcional dedicação e heroísmo”.

Trajetória 

Ao começar a atuar, na área na década de 1940, Nise rebelou-se contra os métodos manicomiais então aplicados a pacientes com transtornos mentais, como o eletrochoque, a lobotomia e o confinamento, entre outros. Como forma de punição, a médica foi transferida para a área de terapia ocupacional. Ironicamente, a psiquiatra encontrou lá o espaço necessário para desenvolver um modelo humanizado de tratamento para os transtornos mentais.

Uma das terapias desenvolvidas por Nise foi a expressão dos sentimentos por meio das artes, especialmente da pintura, mas também da música. A produção artística de alguns pacientes ganhou reconhecimento pela qualidade estética, além de ter demonstrado resultados positivos na recuperação. Muitas dessas obras estão hoje expostas no Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Esses trabalhos também já foram expostos no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

A Casa das Palmeiras, aberta por Nise em 1956 com foco em reabilitar sem internação, também investiu no processo criativo e afetivo dos pacientes. Além da arte, o contato com gatos e cães foi outro tratamento introduzido por ela no Brasil. Os pacientes podiam cuidar de animais nos espaços abertos do centro, estabelecendo vínculos afetivos.

Nise militou ativamente no Partido Comunista Brasileiro

Nise da Silveira nasceu em 1905, em Maceió, Alagoas. Em 1926 formou-se em medicina, pela Faculdade de Medicina da Bahia, tornando-se uma das primeiras mulheres médicas do Brasil. Resolveu se especializar na área da psiquiatria, na qual se encontrou e dedicou sua vida profissional de forma intensa a ela. Nise acreditava que tratamentos realizados à época, em grande parte, agressivos – como, lobotomia e eletrochoques – deveriam ser rechaçados, pois desumanizavam os pacientes. Ela defendia a arte como parte do processo de tratamentos de muitas pessoas. Em 1946, quando trabalhava com terapia ocupacional, no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, criou a Seção de Terapêutica Ocupacional. Substituiu os trabalhos tradicionais realizados pelos pacientes, como limpeza e manutenção, por pinturas e modelagens em ateliês instalados no local, visando uma ligação mais profunda desses indivíduos com a realidade por meio do desenvolvimento de atividades criativas e lúdicas. Desse modo, revolucionou a psiquiatria brasileira. Em meados da década de 1930, Nise militou ativamente no Partido Comunista Brasileiro e sua assinatura integrou o ”Manifesto dos trabalhadores intelectuais ao povo brasileiro”. Durante a realização da Intentona Comunista foi denunciada por uma enfermeira pela posse de livros de cunho marxistas e devido a isso foi presa, em 1936, e permaneceu nesse estado por um ano e meio. A médica psiquiatra lutou incessantemente por um tratamento humanizado de diversos pacientes com quem teve contato e aliada a essa luta se fazia presente sua militância comunista, causas as quais ela tinha ciência de que eram impossíveis de serem desvinculadas uma da outra.

Viva Nise da Silveira!

Fonte: Portal BRASIL CULTURA

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