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domingo, 5 de junho de 2022

CRÔNICA SOBRE UM FESTIVAL LITERÁRIO: COSTUME DE CASA VAI À PRAÇA - Por ANA PAULA CAMPOS

 

ANA PAULA CAMPOS

Neste último final de semana ocorreu o Festival Literário em São Miguel do Gostoso. Um evento belíssimo e super bem organizado. Fomos acolhidos muito antes do encontro presencial e seguiu assim até o fim da manhã do domingo. Serei eternamente grata a toda equipe da organização e também às pessoas da pousada em que ficamos, que foram solícitas e receptivas desde a nossa entrada no espaço.

Mas, para além disso, eu gostaria de usar este espaço para fazer uma reflexão crítica sobre este momento para que, quem sabe, outras pessoas possam também refletir sobre estes pontos e, no futuro, mudarmos o que parece estar cristalizado no meio literário do RN.

Eu e meu companheiro, o intelectual indígena e também colunista deste jornal, Fábio de Oliveira, fomos convidados para participar deste festival à convite da nossa querida amiga Eva Potiguara. Esta, por ser uma pessoa mais articulada e com mais experiência nos meios literário e artístico, fez questão de apontar para a equipe da organização a necessidade de pessoas negras e indígenas em espaços como estes.

Ao contrário do que é percebido na atitude de Eva, diversos grupos literários de Natal parecem estar fechados em seus nichos de escritores, formando suas bolhas literárias e convidando amigues para os eventos. O incômodo maior é que algumas destas pessoas se dizem antirracistas, mas na prática reforçam a aliança entre os seus/suas.

Programação definida, hora de organizar os detalhes para a viagem. Novamente chamo a atenção para o grande número de escritores e coletivos literários que se organizaram, desde transporte até hospedagem, mas em momento algum, nós indígenas fomos informados sobre as articulações.

Já no local senti falta de algumas escritoras talentosíssimas que não puderam estar presentes por falta de condições financeiras de arcar com passagem e hospedagem. Raça, classe e etnia  evidenciaram serem marcadores importantes no que diz respeito à exclusão no meio literário, e a tão sonhada sororidade parece seguir restrita as aliades.

Circulei pelo evento. Durante a Mesa de Conversa sobre questões indígenas, pouquíssimos escritores se fizeram presentes. Não sei se pelo choque na programação ou pela falta de interesse na temática. Na Mesa sobre literatura negra e indígena escrita por mulheres estavam presentes basicamente as pessoas da organização do evento. Interessante, porque antes da nossa fala uma escritora branca falara e outras escritoras brancas ouviram-na,  mas, em seguida, saíram.

Em outros espaços eram, em sua maioria, mulheres escritoras brancas falando para outras escritoras também brancas, e a população de São Miguel do Gostoso, indígena e negra em sua maioria, seguiu excluída. Elas falavam para elas em círculos fechados.

Questionei isso na Mesa de conversa. Será que aquele espaço estaria vazio se fossem escritores homens, cis e cristãos? Às mulheres nunca foi permitido escrever – às negras, indígenas e de periferias muito menos.

Voltando do espaço, leio textos sobre o evento. Nomes de escritores brancos não faltaram. Estavam todos lá. Já os nossos... Nunca somos citados e quando acontece é por sermos, em alguns casos, lideranças indígenas, mas no caso feminino, como a cacica Lúcia Paiacú, a titulação não foi lembrada. Escritores como o intelectual Fábio de Oliveira – que, além de ser o primeiro e até agora único colunista indígena do RN, é também diretor de curtas e podcast premiados, coordenador da reserva ambiental Gamboa do Jaguaribe e ativista ambiental –, teve seu nome suprimido ao se referirem sobre a palestra a respeito das questões indígenas, sendo lembrado mais na frente apenas como “companheiro de Ana Paula”.

Isso me fez lembrar da intelectual Lélia Gonzales, que dizia da importância de nos apresentarmos com nome e sobrenome ou o racismo nos nomeia como quiser.

Eu mesma, sendo, sem demagogia, a primeira colunista negra do RN e uma referência nas discurções sobre questões étnico-raciais em todo Brasil, fui lembrada apenas como contadora de histórias. Sim, para o meu povo de África e Potiguara, ser contadora de histórias é uma honra sem medida. Somos “o povo-memória”, mas, na condição de mulher e afroindígena, vamos sendo reduzidas ao mínimo. Tanto que nem direito à plateia de colegas escritores tivemos. 

Em um país em que a maioria das pessoas são negras e indígenas, custa-me entender como espaços como estes ainda são ocupados majoritariamente por pessoas brancas e estas nem ao menos questionam a ausência de  outros grupos. Uma observação retórica porque, no fundo – e nem precisa ir tão fundo –, sabemos que temos diversos/os escritores escrevendo, mas sem condições de pagar pelas suas publicações, uma vez que somos também esquecides pelas editoras que operam a favor do sistema: difundir literatura branca.

E a vida literária no RN segue assim: pessoas brancas seguem publicando, convidando umas às outras, lendo umas às outras, divulgando umas às outras, prestigiando umas às outras e citando umas às outras. A intelectual negra Aparecida Bento define isso como “pacto narcísico da branquitude”, nada mais atual que isto!

Mas a bolha aos poucos está sendo rompida. Nosso recado foi e segue sendo dado. Os privilégios estão sendo ameaçados e a nossa fala, como lembra a grandiosa Conceição Evaristo, está rompendo a máscara! Sigamos!

Fonte: POTIGUAR NOTÍCIAS

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