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sábado, 22 de julho de 2017

A Mulher Habitada, um recorte feminino da resistência latino-americana – Por Mariana Serafini

mulher habitada
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Por mais rica e diversa que seja, a literatura latino-americana é basicamente dominada por homens. São poucas as autoras a circularem neste cenário. Em A Mulher Habitada, Gioconda Belli rompe padrões e traz uma obra complexa e sensível. É um olhar feminino e feminista sobre a resistência e o papel das mulheres na construção deste continente, cuja sociedade é resultado de invasões, assaltos e estupros.
Com seu livro de estreia, A Mulher Habitada, Gioconda Belli deixou claro a que vinha. À época do lançamento, no final dos anos 80, a obra venceu um dos mais importantes prêmios da literatura latino-americana, o Casa das Américas. Sempre com o viés feminino, a escritora se destacou mais tarde com uma infinidade de outros títulos, entre eles, O País das Mulheres (2010), O Infinito na Palma da Mão(2008) e sua autobiografia O País Sob Minha Pele, Memórias de Amor e Guerra(2001).
Como muitas latino-americanas, Gioconda precisou integrar a luta armada para defender a soberania de seu país, a justiça e própria vida. A escritora foi membro da Frente Sandinista de Libertação Nacional que em 1979 derrubou a ditadura de Anastasio Somoza e ocupou o poder na Nicarágua por duas décadas consecutivas.
A Mulher Habitada é, de certa forma, um livro de memórias. Memórias da ancestralidade latino-americana, o continente que não teve outra opção senão a resistência.
A narrativa em terceira pessoa é feita pela índia Itzá, que no período da invasão espanhola, diferente de outras mulheres de sua tribo, lutou junto aos homens contra os espanhóis. O diálogo entre ela e a mãe sobre a decisão de enfrentar a guerra é doce e triste, reflete, de certa forma, o momento em que muitas de nós, mulheres latino-americanas, decidimos partir em busca de emancipação e liberdade. A mãe argumenta que a força da mulher está “dentro de casa”, mas Itzá, irredutível, pede apenas para ser apoiada em sua escolha.
Ancestralidade é a principal característica da obra que se passa nos anos 70 com “memórias” da América pré-hispânica. As narrativas se mesclam e Itzá – “reencarnada” em uma árvore – ao mesmo tempo que narra a vida de Lavínia, a protagonista, “lembra” das lutas que travou pela independência dela própria e do continente.
Como a índia, a protagonista rompe os padrões de sua época. Se recusa ser apenas uma “boa esposa” e decide estudar na Europa para voltar e exercer a profissão em Fáguas, a cidade imaginária de Gioconda. Para isso, Lavínia corta a relação afetiva com os pais, enfrenta o machismo do mercado de trabalho e conquista a independência financeira. Por vezes, a solidão parece esmagar os outros sentimentos, mas é o preço que se paga pela liberdade de fazer as próprias escolhas.
O olhar feminino de Gioconda conduz a história com mulheres fortes. Os homens não são secundários, mas são vistos também pelas lentes femininas de Itzá e Lavínia. Assim como na Nicarágua, em Fáguas existe uma ditadura sanguinária e para mudar esta realidade a protagonista integra o Movimento de Libertação Nacional. Rica e mimada, precisa abrir mão do conforto e romper uma vez mais com os padrões impostos para lutar por outro mundo.
Gioconda consegue, como poucos, dar suavidade e leveza a uma história dura de opressão, perseguições, assassinatos, estupros e invasões – em dois períodos históricos distintos. As visões de Itzá e Lavínia se mesclam quando a protagonista não sabe de onde saem seus sonhos e pensamentos sobre “indígenas” e “arco e flecha”. São as memórias da América destruída a gritar por resistência num período de neocolonialismo.
Lavínia, Itzá e Fáguas são como uma coisa só. Uma conexão feminina cheia de força, intensidade e beleza. “Fáguas alterava-lhe os poros, a vontade de viver. Fáguas era a sensualidade. Corpo aberto, largo, sinuoso, peitos desordenados de mulher feitos de terra, esparramados sobre a paisagem. Ameaçadores. Lindos”.
De forma muito sutil, os elementos “femininos” permeiam toda a história, é a forma como as mulheres percebem o mundo. Os olhares de cumplicidade, a sensação de dançar uma música que se gosta muito, o desafio de adentrar o “universo masculino”, um chá com as amigas, a cor do esmalte, a textura do couro de uma bolsa… Detalhes que conferem leveza a uma narrativa que poderia ser crua.
Trata-se de um universo onde as mulheres tomam decisões, escolhem seu próprio caminho e, por mais confortável que pareça, não ficam à margem, à espera do homem que volta da caça, ou do dia exaustivo de trabalho, para receber colo e afago. Ao “deixar o lar”, elas partem para a luta ombro a ombro com seus companheiros, a questão é que nem todos estão preparados para ter mulheres fortes e independentes ao lado, por mais progressistas que sejam.
Este debate, levantado pela autora nos anos 80, permanece atual. Ser mulher, feminista e feminina, tem um preço. Integrar a luta política ao lado dos homens é um desafio. Ainda soa confortável que sejamos as que aguardam caladas as decisões serem tomadas.
O preço de se fazer as próprias escolhas é alto, e só é possível pagá-lo porque outras mulheres fortes já o fizeram ao lutar por um mundo mais justo. Com A Mulher Habitada, Gioconda nos mostra que a vida vale mais quando nos entregamos completamente às nossas convicções, afinal, “ninguém que ama morre jamais”.

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