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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

CULTURA: Literatura do Golpe ou Drummond na ilha de Caras

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Drummond: provisoriamente não cantaremos o amor
Os homens excepcionais devem desaparecer para que a iniquidade se naturalize.
Conversa Afiada reproduz e-mail de amigo navegante:
O golpe parlamentar de 2016, o dernier cris das formas de Golpe que, de tempos em tempos, as classes falantes submetem às classes mudas do país, desvelou o que sempre esteve à sombra, mas ativo e presente, desde o último Golpe: o compromisso da Justiça com os interesses de classe, a corrupção sustentada por nossos estimados empresários (logo eles que sempre responsabilizam o Estado – “ah, o custo Brasil” !), os políticos oligarcas, a cumplicidade da grande mídia na “festa da democracia”, enfim, esse conjunto grotesco que nos é tão familiar.

É o que também produz sua cultura, que destitui as artes de sua capacidade emancipatória para torná-la mais adequada ao consumo de nosso presente gangrenado. Ajustada, polida para excluir suas rebarbas, brilhosa e de fácil deglutição, devidamente limpa dos vestígios da história (“ideológicos”), eis aí a cultura necessária para a normalização do momento em que vivemos. 

Essas observações me vieram a propósito da homenagem a Carlos Drummond de Andrade realizada no Fórum das Letras de Ouro Preto. Sob o comando de Edmilson Caminha, Humberto Werneck e Pedro Drummond, a mesa redonda “Vem, Carlos, ser gauche na vida” era parte de uma homenagem maior que, inspirada na obra do grande poeta, buscava “a poesia como antídoto” para tempos obscuros.

A princípio nada mais adequado, nada mais apropriado do que retomar Drummond para o agora. 

Porém, no lugar do homem e sua ética, da obra e sua estética, o que se pintou foi um Drummond na intimidade, com seus tiques, suas manias, sua frieza gestual, suas tiradas, suas obsessões.

Aliado ao voyeurismo de Werneck, Caminha e do público passivo e inerte, Pedro Drummond, o neto do poeta, narrou historietas vividas entre quatro paredes. 

O interesse pela vida privada em tempos de sociedade do espetáculo se tornou o pão diário da vida cultural, mas desde 2016 tal gosto pelo íntimo, como ficou evidente ad nauseum nesse ataque à memória de Drummond, ganhou de tal forma um grau de deformação, que me parece não esconder o propósito de transformar rapidamente a cultura em consumo, retirando-lhe qualquer menção à obra e a seu conteúdo de verdade.

O que interessa não é mais a densidade da forma artística e a maneira como ela fixa no tempo elementos duradouros do passado que ainda nos tocam por sermos itabiranos, mineiros, brasileiros, do mundo.

Essa vontade explícita de superfície, verdadeira violência contra um homem extremamente discreto, cuja sisudez espantava a tietagem, traduz muito bem o momento presente de exclusão do gesto excepcional para a exultação da banalidade cotidiana, que nos torna todos “humanos”.

E nesse sentido, a “homenagem”, a cada frase saída de um português balofo e empoeirado, se convertia no ataque sistemático ao homem excepcional e sua obra singular, tudo isso em pleno solo mineiro, com o justo propósito de louvar Drummond, mas que não escondia a aversão à análise, à fruição crítica (que para esses drummondianos de consumo é sinônimo de pernosticismo acadêmico).

Nessa busca da frivolidade, Drummond foi exposto ao ridículo, despido em sua intimidade, vilipendiado em sua obra (em sua leitura precária, o jovem mestre de cerimônias, saído direto de um programa de auditório para um encontro de literatura, apresentou os três convidados e foi quem melhor sintetizou o que viria em seguida: “Vem, Carlos, ser Gaúcho na vida”). 

Para Werneck e Caminha, cultura é aquilo que eles usufruem, e a forma dessa cultura ser compartilhada só pode ser pela via da vulgarização sem limites. Para eles, Drummond é algo a ser fruído em belas edições na sala, enquanto que às massas oferece-se o homem banal.

Vida longa ao Fórum das Letras de Ouro Preto, mas que ele não se deixe desfigurar pelo compadrio provinciano, cujas relações com o presente são de manutenção a todo custo de um estado de coisas, mesmo que para isso busque-se a glorificação pela via do vilipendio simpático.

No entanto, apesar da dose concentrada de desonestidade intelectual e violência elitista, este é apenas mais um caso de liquidação generalizada disfarçada de elogio a que nos acostumamos neste nosso atual e “normal” período de democracia. 

Este exemplo – verdade que paradigmático – é apenas um entre tantos outros.

No momento presente, os homens excepcionais devem desaparecer para que a iniquidade se naturalize.

Definitivamente vivemos em tempos sem luz, tão bem descritos por um poeta qualquer: 

Congresso Internacional do Medo
Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio, porque este não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.

Depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas

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