“A luta por direitos humanos abrange a luta por um estado de coisas em que todos possam ter acesso aos diferentes níveis da cultura”, escreveu, em 1988, o crítico literário, sociólogo e professor Antonio Candido (1918 – 2017).
Por Helô D’Angelo
André Seiti Estante de livros com seleção de cerca de 7 mil exemplares que Antonio Candido guardou em seu apartamento Estante de livros com seleção de cerca de 7 mil exemplares que Antonio Candido guardou em seu apartamento
Parte do ensaio O direito à literatura, a frase resume boa parte da trajetória intelectual de Candido, morto no ano passado aos 98 anos. Agora, seu significado serve de fio condutor para a Ocupação Antonio Candido, a primeira exposição já feita do seu acervo pessoal – e um primeiro passo para torná-lo público.
A mostra gratuita, que fica em cartaz no Itaú Cultural, na capital paulista, entre 23 de maio e 12 de agosto, traz 250 itens, muitos dos quais inéditos: recortes de suas primeiras críticas, vídeos de antigas entrevistas, cartas, fotografias e dedicatórias de autores como Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Logo na entrada da Ocupação, há uma réplica fotográfica, em tamanho real, da estante de Candido, com cerca de 7 mil livros de autores como Marcel Proust – seu favorito -, Albert Camus e Machado de Assis. Em um espaço reservado, fica uma das máquinas de escrever usadas pelo crítico.
“Quisemos apresentá-lo a partir das três atividades fundamentais de sua vida: a intelectual, a educadora e a militante, partindo do ensaio O direito à literatura, cujo mote resume bem o seu pensamento”, diz Laura Escorel, neta de Antonio Candido e co-curadora da Ocupação, em parceria com os núcleos de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural e a Enciclopédia do instituto. A ideia da mostra, segundo a herdeira, é deixar que o crítico “fale em primeira pessoa”.
“Em geral, em exposições que homenageiam pessoas falecidas, há um hábito de colher depoimentos sobre ela, enquanto ela se cala. Entendemos que a melhor maneira de falar sobre Antonio Candido era deixá-lo falar sobre si, sobre seu pensamento. Até porque ninguém expunha ideias tão bem quanto ele”, diz.
Para reconstruir Candido a partir de suas próprias palavras, a mostra recupera cadernos da infância do professor, com registros sobre suas leituras da época – como o poema O Sabbath, de Bernardo Guimarães, e trechos de livros de Gustave Flaubert -, e suas primeiras críticas literárias, publicadas na Folha de S.Paulo a partir de 1943: Perto do coração selvagem, sobre a estreia de Clarice Lispector nos romances; Poesia ao norte, acerca da primeira coletânea de poemas de João Cabral de Melo Neto, e Sagarana, criticando o livro de João Guimarães Rosa.
Há, ainda, registros do Antonio Candido jornalista, como o projeto do Suplemento Literário do Estado de São Paulo, planejado pelo crítico e veiculado entre 1956 e 1974; a página de expediente da revista Clima, publicada de 1941 a 1944, e exemplares da Argumento – revista sobre cultura que durou apenas entre 1973 e 1974.
“Temos também documentos mostram o característico processo criativo de Candido”, conta a neta, enumerando: alguns esquemas de leitura de obras como Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, páginas datilografadas dos estudos do crítico, anotações feitas nas margens de livros, esquemas para suas aulas e até comentários em textos de sua autoria. “É interessante ver, nestes registros, como ele retomava as próprias ideias antigas. Ele não tinha problemas em rever anotações mais velhas, corrigir-se, fazer autocríticas. Há muitos registros desse caráter de Antonio Candido na Ocupação”, conta Escorel.
Além da exposição, a Ocupação conta com uma publicação própria, que reúne manuscritos, datiloscritos e artigos publicados de Candido, e um site no qual outros documentos originais do professor podem ser acessados. Como complemento, nos primeiros três dias da exposição, o Itaú Cultural organizou o Colóquio Internacional Antonio Candido, sobre a obra e a influência do mestre, com nomes como Celso Lafer, Walnice Nogueira Galvão, José Miguel Wisnik e, vindos de fora do país, Šárka Grauová, chefe do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros da Universidade Carolina de Praga (República Checa), e o professor titular de Literatura uruguaia na Universidade Federal do Uruguai, Pablo Rocca.
Para Laura, que conviveu com o avô até a sua morte, a Ocupação e todas as suas atividades paralelas representam um primeiro passo para “recuperar este acervo fundamental e transformá-lo em algo atual, que possa ser visitado pelo público”. Como parte do esforço para democratizar o pensamento de Candido, os acervos do professor e de sua esposa, a professora Gilda de Melo e Souza (1919 – 2005), foram doados pela família ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP) em 2017 – e, agora, têm recebido tratamento técnico, financiado pelo Itaú Cultural, para que estejam disponíveis ao acesso público em 2019.
Ocupação Antonio Candid
Onde: Itaú Cultural; Av. Paulista, 149 – Bela Vista, São Paulo – SP
Quando: de 23/05 a 12/08/2018
Quanto: grátis
Fonte: Revista Cult
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