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quarta-feira, 13 de junho de 2018

Livro mostra a resistência lúdica de Henfil à ditadura

Henfil. (Foto: Divulgação / Governo do Rio de Janeiro via Jornal da USP)
POR LUIZ PRADO, Jornal da USP
Além dos méritos acadêmicos, três seduções arrepiam o leitor em Rir das Ditaduras – Os Dentes de Henfil (Fradim – 1971/1980), livro do professor Marcos Silva, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
A primeira delas atiça em disparada a curiosidade sobre a obra de Henrique de Souza Filho (1944-1988), o Henfil, morto há 30 anos. É custoso fechar o livro e conter a vontade de dar uma espiada na internet em busca dos quadrinhos e das charges do cartunista mineiro.
A segunda sedução tem a ver, obviamente, com o interesse que Silva desperta sobre esses quadrinhos. Tateando minuciosamente personagens, relações e situações, o pesquisador reaviva a admiração pelo trabalho de Henfil, desnudando significados profundos e subvertendo percepções superficiais. Funciona como legenda para o leitor debutante ou nota de rodapé para quem já é experienciado.
Por fim, a terceira sedução é exatamente deixar o leitor envolvido pelo vocabulário malicioso e provocativo do Baixim. Seja na ponta da língua ou no tec-tec do teclado. Não se escapa da publicação sem levar um pouco do pequeno frade consigo.
Fruto da livre-docência de Silva, apresentada em 2000, Rir das Ditaduras chega ao grande público pela Editora Intermeios. O volume integra a Coleção Entr(H)istória, responsável por publicar títulos de professores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em História Social da USP, como mostrou o Jornal da USP recentemente (leia matéria aqui).
Essa não é a primeira investida do pesquisador nos estudos sobre humor gráfico. Em 1981, durante o mestrado, Silva já se debruçava sobre o tema ao tratar da presença do rir nas revistas de variedades brasileiras do início do século 20, em especial o semanário Fon Fon. No doutorado, defendido em 1987, o autor foi procurar assunto no personagem Amigo da Onça, de Péricles Maranhão, surgido na revista O Cruzeiro, nos anos 40. Os dois trabalhos também viraram livros (Caricata República e Prazer e Poder do Amigo da Onça).
O flerte acadêmico com Henfil começou em 1992, período que Silva relaciona à sua preocupação com o que chama de “neofascismos cotidianos”: manifestações de apreço ao autoritarismo e à repressão, marcadas por eventos como o massacre do Carandiru e as chacinas da Candelária, Vigário Geral e Eldorado do Carajás. Falar de Henfil e da ditadura era, para o docente, falar também dessa situação, que vê continuar até hoje nas recentes manifestações pedindo intervenção militar.
Para consumar esse namoro com o quadrinista, Silva adota como objeto de estudo a revista Fradim, veiculada de maneira intermitente entre 1971 e 1980 pela Editora Codecri. Em seus 31 volumes, o humor militante, provocativo e cáustico de Henfil explode personificado em Baixim e Cumprido, os dois frades que batizam o título, e no trio do Alto da Caatinga, composto pela ave Graúna, o cangaceiro Zeferino e o bode Orelana.
O pesquisador seleciona histórias nas quais o cartunista problematiza o machismo, a opressão às mulheres e aos homossexuais e o preconceito contra idosos e doentes mentais, ao mesmo tempo em que discute as relações autoritárias e violentas da ditadura civil-militar (1964-1985). Segundo Silva, o que surge nos desenhos contemporâneos, críticos e avessos ao regime, são temas de poder popular, capacidade de atuação no contexto de exceção e as múltiplas tensões que marcaram o País.
“Henfil explorou um conjunto de questões que, de forma explícita, sinaliza contextos ditatoriais”, escreve Silva. “Violência cotidiana, disputa por diferentes espaços sociais, papéis assumidos ou pretendidos pelos intelectuais, projetos do e para o povo.”
É assim que o professor parte da série “O crepúsculo do mixo” para desnudar sexualidade e masculinidade na obra do quadrinista. Protagonizada por Baixim, a narrativa desponta, na análise de Silva, pulsante de paralelos entre virilidade autoritária e ditadura.
O frade Baixim é o personagem mais presente nos estudos do volume. Sua postura sardônica, vulgar e corrosiva é corpo privilegiado para entender os procedimentos humorísticos e políticos de Henfil. Suas metamorfoses em homossexual e mulher são observadas como momentos em que o cartunista enquadra preconceitos e tabus, expondo o ridículo de comportamentos socialmente disseminados: o medo masculino diante das investidas do personagem homossexual, os tabus e os ridículos que rondam a menstruação.
“Quando o Baixim assume as identidades de bicha e mulher, ele abre mão de poderes masculinos coniventes com autoritarismos cotidianos e salienta a força crítica daquelas dimensões de ser gente”, escreve Silva. “Faz isso, ao mesmo tempo, como encenação didática, sujeita a algumas interrupções, que reafirmam sua identidade básica de homem e personagem de ficção.”
A Graúna, um dos personagens mais queridos pelos leitores do quadrinista mineiro, merece no livro um capítulo, ao lado de seus companheiros de Alto da Caatinga, Zeferino e Orelana. As relações de poder e conflito que se estabelecem entre o trio são investigadas através da análise da primeira e da última sequência de histórias dos personagens em Fradim. Estereótipos de homem e mulher, norte e sul, mundo urbano e mundo rural, junto de suas subversões, surgem das observações traçadas por Silva.
“O Nordeste de Henfil, através de Zeferino, Graúna e Orelana, revela-se leitura do Brasil sob a ditadura e também seu antídoto, realçando a importância de debate e invenção como saídas para a opressão”, aponta o pesquisador na obra. “Se Orelana representa o intelectual mais tradicional, que lê livros, tudo sabe e analisa qualquer questão, Graúna se constitui em claro exemplo da necessidade de se explorar outros horizontes nas experiências sociais, diluindo a identificação do intelecto como exclusivo atributo de determinados agentes, e Zeferino se mantém como o homem comum, até capaz de violência e perdido em seus preconceitos (como os outros dois!), mas igualmente apto a se aliar à sabedoria criadora.”
Para Silva, penetrar no universo de Henfil é uma forma de posicionamento político. É enfrentar, no campo acadêmico, os neofascismos cotidianos, através da afirmação da força dos dominados de agir. Do mesmo modo que o quadrinista fez através do humor.
“O panorama social brasileiro do período 1964/1984 não pode ser discutido apenas pelo ângulo do poder ditatorial, embora este fosse o dominante, formulasse diferentes propostas e controlasse múltiplos níveis de experiência social”, escreve o docente. “Ao mesmo tempo em que tal espaço se articulava e agia, outros níveis de experiências dos dominados explicitavam modalidades de ação e pensamento que escapavam ao arbítrio dos dominantes, evidenciando que os explorados não eram apenas objetos de outrem.”

Rir das Ditaduras – Os Dentes de Henfil (Fradim – 1971/1980), de Marcos Silva, Editora Intermeios, 176 páginas, R$ 40,00.
Fonte: Diário do Centro do Mundo - DCM

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